Opinião: Como McCartney para os ingleses, Pelé virou ‘tio chato’ para os brasileiros

Quando eu me mudei de Londres para o Rio de Janeiro, em 1998, muitas coisas me deixaram chocado: a desigualdade social, o tempo que demorava para comprar uma linha telefônica e o jeito que os cariocas comiam pizza com ketchup.

Por Alex Bellos no BBC 

Nada me surpreendeu mais do que a reação que eu tive quando mencionei o nome “Pelé”.

Para mim – e todos os britânicos da minha geração -, Pelé é o maior ícone do futebol mundial, provavelmente o maior herói de todos os esportes. A história dele é simples de entender: um garoto negro pobre que surgiu do nada e se tornou o melhor do mundo por seu talento e dedicação.

O sucesso que ele teve, com o triunfo sobre a adversidade, resume o que todos nós amamos sobre o esporte.

No Rio, a primeira vez em que eu disse o nome dele, pouco me deram atenção.

“Pelé?”, resmungou um dos meus vizinhos com desdém. “Garrincha era muito melhor.”

Achei que aquilo era uma piada. Eu nunca tinha ouvido falar do Garrincha, que é pouquíssimo conhecido na Europa. Mas fui perguntando para as pessoas pela cidade e foi difícil encontrar alguém que elogiasse Pelé. Isso, em partes, era porque eu estava perguntando no Rio, e os brasileiros costumam ser bairristas na escolha deles de “heróis do futebol” – Pelé jogou no Santos, e Garrincha no Botafogo. Mas eu também senti que, mesmo que as pessoas respeitassem Pelé, elas simplesmente não gostavam dele tanto assim.

Com mais tempo morando no Brasil, fui percebendo cada vez mais que este era exatamente esse o caso. Fiquei fascinado com a contradição entre a imagem internacional do Pelé e a imagem que ele tinha no seu próprio país, pelo menos na classe média urbana. Ele é parte do patrimônio global, um modelo para os negros ao lado de homens como Mohammad Ali e Nelson Mandela.

Mas, no Brasil, ele não é um “modelo” para os negros. Em partes, isso acontece pelo fato de o país não ter um movimento negro estabelecido, apesar dos problemas de racismo recorrentes.

Isso é algo que não é culpa do Pelé, claro.

 

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