Maurício Wilson Camilo da Silva, pesquisador: ‘O Rio de Janeiro rejeita os africanos’

Há oito anos no Rio para estudos, guineense dá curso sobre História dos grandes reinos da África no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ

Por Thiago Jansen  Do O G obo

Conte algo que não sei.
Infelizmente, a maioria dos brasileiros só conhece a imagem da África pobre e de guerra. E, se levarmos em consideração o fato de que o Brasil é o segundo país com maior população afrodescendente do mundo, a ausência desse conhecimento é gritante. Enquanto aqui o conhecimento histórico da África é restrito ao africano escravizado e liberto, lá o processo é diferente, e leva em conta a ancestralidade dos grandes reinos e nobres do continente.

Que mudanças a expansão deste conhecimento pode provocar na dinâmica social?
Quando a história da África se ligar aos seus descendentes, cujo conhecimento se resume à escravidão, isso pode acordar mais negros brasileiros ao entendimento de que eles não são apenas descendentes de escravos, mas também daqueles que foram senhores e tiveram as suas civilizações, como qualquer povo. E isso pode contribuir para uma revolução ideológica no Brasil.

Você não tem formação nesse assunto, mas organiza cursos a respeito. Como se deu o seu interesse na área?
Ele vem da minha origem e da crença de que, se não conhecermos de onde saímos, fica complicado entendermos para onde vamos. E, nesse sentido, apesar de querer fazer um doutorado sobre o assunto, sou exemplo de que uma pessoa não precisa ter graduação em História para buscar tal bagagem, aprofundar-se nela e passá-la adiante.

Como tem sido sua experiência de oito anos no país?
O Brasil é um país bastante heterogêneo, mas há muitos mitos construídos em relação a ele que só aqui você vê que são falsos. Um mito curioso é a ideia de que o carnaval dura meses: logo que cheguei, vi que não é nada disso. Outro mais sério é a percepção de que, por ser um país muito africano, é receptivo a esse imigrante.

Não é?
O Brasil favorece mais os imigrantes europeus que os africanos. O Rio de Janeiro, na verdade, é uma cidade que rejeita muito os africanos.

Não gosta de morar no Rio?
O Rio pode ser péssimo. Seria falsidade minha não dizer isso sobre uma cidade na qual, com frequência, passo por pessoas desprezadas nas ruas, e onde o número de homicídios, principalmente de negros e pobres, é gritante.

Não há coisas boas?
Há, claro. E acredito que morar aqui tem sido um aprendizado. Acho que, fora do meu país, aqui é o único lugar onde continuaria a morar. É uma cidade que me deu a possibilidade, mesmo que pela rejeição, de me desvincular do campo da atenção social para refletir sobre mim. E isso me enriqueceu ideologicamente.

Já passou por situações de forte preconceito?
Isso acontece a partir do momento em que saio de casa. Certa vez, um motorista de ônibus perguntou por que eu estava aqui. Disse brincando, mas nem tanto, que o africano chegou aqui acorrentado, ajudou a construir o país e hoje cheguei livre para desfrutá-lo.

O preconceito se estende ao ambiente acadêmico?
A Academia reflete a sociedade. Então, o africano também é visto como inferior na universidade, e isso é percebido pelas relações e comportamentos na sala de aula. É um preconceito mais complexo.

+ sobre o tema

Acervo reúne mais de 300GB de canções de Jazz para ouvir e baixar de graça

A facilidade de arquivar e disseminar conteúdo que a...

Europa caminha para o estado de mal-estar social

Tese é do sociólogo Boaventura Sousa Santos; ele...

Alcione e Djonga são anunciados como primeiras atrações do AFROPUNK Bahia 2023

O AFROPUNK Bahia anunciou as primeiras atrações do evento...

Joburg Ballet, o outro sonho de Mandela

Durante o ‘apartheid’, o balé era só de brancos...

para lembrar

Costa do Marfim venceu o CAN 2024

Já é conhecido o vencedor da 34ª edição do Campeonato...

Ronaldinho Gaúcho diz que dá resposta a Dunga ‘dentro de campo’

Jogador brasileiro também agradece a Leonardo, que se despediu...

Taís Araújo encarna personagens masculinos em ensaio fotográfico

Taís Araújo mostrou seu lado camaleão em ensaio para...
spot_imgspot_img

Clara Moneke: ‘Enquanto mulher negra, a gente está o tempo todo querendo se provar’

Há um ano, Clara Moneke ainda estava se acostumando a ser reconhecida nas ruas, após sua estreia em novelas como a espevitada Kate de "Vai na...

Podcast brasileiro apresenta rap da capital da Guiné Equatorial, local que enfrenta 45 anos de ditadura

Imagina fazer rap de crítica social em uma ditadura, em que o mesmo presidente governa há 45 anos? Esse mesmo presidente censura e repreende...

Juçara Marçal e Rei Lacoste lançam o Amapiano “Sem contrato”

A dupla Juçara Marçal (Rio de Janeiro) e Rei Lacoste (Bahia) lançam nesta sexta-feira (26) o single “Sem Contrato” nas principais plataformas digitais e...
-+=