Alan Turing recebeu perdão póstumo, mas ainda há milhares de vítimas daquela lei terrível

Alan Turing é um nome conhecido por cientistas da computação, por pessoas versadas na história da Segunda Guerra Mundial e por historiadores LGBT. O trabalho dele durante a Segunda Guerra Mundial no laboratório ultrassecreto de Bletchley Park, no Reino Unido, ajudou a encerrar a guerra, que, não fosse por ele, teria se arrastado ainda por anos.

Por  no Brasil Post 

Se você nunca tinha ouvido falar em Turing antes de 2013, talvez tenha ouvido que ele recebeu o perdão real por uma condenação criminal de 1952. Alan Turing era gay, e, apesar de ter descoberto como decifrar os códigos da máquina de códigos Enigma, dos alemães, apesar de ter lançado o campo da ciência da computação e de ter prevenido milhões de mortes em todo o mundo, apesar de ter sido saudado por Winston Churchill como a pessoa que fez a “maior contribuição isolada” para a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial, Turing foi perseguido pelo governo britânico e condenado por atentado grave ao pudor, por ser gay.

Ele foi obrigado a optar entre dois castigos: passar anos na prisão ou ser submetido à castração química. Turing escolheu a segunda opção e, pouco depois, se suicidou, um homem arrasado. O Jogo da Imitação, com Benedict Cumberbatch no papel de Turing, relata a história notável de como foi decifrado o funcionamento da máquina Enigma e das maneiras em que o governo do próprio país de Turing, em vez de festejá-lo, destruiu sua vida. Turing foi apenas um entre pelo menos 49 mil homens (o número pode chegar a 70 mil) igualmente condenados por “indecência grave” entre homens (o equivalente a atentado grave ao pudor com atos homossexuais), crime que só foi revogado em 2003. Muitos desses homens foram sentenciados à prisão, incluindo Oscar Wilde. Muitos sofreram a mesma punição de Alan Turing: a castração química. As condenações custaram a muitos homens seus empregos e reputações. Elas destruíram relacionamentos familiares, e no caso de alguns homens, como Turing, destruíram suas vidas. Até hoje, muitos homens (até 15 mil) ainda convivem com essa condenação antigay arcaica em suas fichas criminais. Essas condenações os impedem de participar plenamente da vida cívica no Reino Unido – de exercer determinados cargos ou fazer trabalhos voluntários.

Turing recebeu perdão póstumo. Embora ele tenha sido herói, há milhares de outras vítimas daquela lei terrível, milhares de homens que não são heróis, mas que não podem ser ignorados pela justiça simplesmente por terem buscado os relacionamentos aos quais todos os seres humanos têm direito.

Algumas semanas atrás, lancei uma petição no Change.org para reivindicar perdão semelhante a todos os outros aproximados 49 mil homens condenados por “indecência grave”. Os danos causados às vidas desses homens não podem ser desfeitos, mas um perdão seria um pouquinho de justiça para eles e representaria o reconhecimento por parte do governo britânico de que a lei era antigay e inumana. E permitiria aos sobreviventes avançar com suas vidas.

Mais de 280 mil pessoas de todo o mundo já assinaram a petição, que recebeu o apoio do elenco de O Jogo da Imitação, incluindo Benedict Cumberbatch, Keira Knightley, Matthew Goode, Allen Leech, Matthew Beard, Rory Kinnear e Alex Lawther, além dos produtores Nora Grossman, Ido Ostrowsky e Teddy Schwarzman, do diretor Morten Tyldum, do roteirista Graham Moore e do editor Billy Goldenberg.

Membros da família de Turing se uniram ao célebre ator e autor Stephen Fry, a Benedict Cumberbatch e ao ativista dos direitos LGBT Peter Tatchell, assinando uma carta aberta de página inteira no Guardian para exprimir seu apoio à petição. O texto já foi firmado também por Jessica Alba, Matt Damon, Michael Douglas, Alan Cumming, Graham Norton, Isaac Mizrahi, James Corden, Jason Collins, Julian Fellows, Lee Daniels, Matthew Morrison, Rosie O’Donnell, Sam Taylor-Johnson, Tim Gunn, Will Poulter, Zac Posen, Tina Brown e Richard Dawkins, entre outros.

Cumberbatch disse: “Alan Turing não apenas foi processado, mas muito possivelmente persuadido a pôr fim à sua vida antes da hora, por uma sociedade que o qualificou como criminoso simplesmente por ter buscado o amor que merecia, como todos os seres humanos merecem. Sessenta anos mais tarde, o mesmo governo alegou que o ‘inocentava’, perdoando-o. Acho isso deplorável, porque os atos de Turing não precisavam ser perdoados – os do governo, sim –, e os outros 49 mil homens processados pelo mesmo motivo merecem o mesmo.”

Homens que sofreram com essas leis injustas também estão assinando a petição e compartilhando suas histórias. Cidadãos de todo o planeta, do Quênia a Cingapura e, é claro, do Reino Unido, uniram seus nomes ao esforço, manifestando preocupação com o desrespeito, a injustiça e as violações dos direitos humanos.

Quando o casamento homossexual foi legalizado no Reino Unido, em março passado, o primeiro-ministro David Cameron comentou: “Isto diz que somos um país que vai continuar a honrar suas tradições eminentes de respeito, tolerância e igualdade de valor”. Nesse mesmo espírito de progresso, o Reino Unido precisa agora reconhecer o castigo e as repercussões terríveis associados a essas condenações criminais, fazendo as reparações possíveis.

O próximo passo de oportunidade está à nossa frente. Com o coro crescente de pessoas em todo o mundo conclamando o governo britânico a agir, o momento agora é altamente propício para a ação. A oportunidade perfeita para corrigir esses erros é agora, antes do primeiro aniversário da lei do casamento homossexual no Reino Unido, em 29 de março. Com esta petição, me alegro por estar exercendo um pequeno papel numa campanha que poderá melhorar concretamente a vida de homens condenados devido a leis discriminatórias. O governo britânico fez a coisa certa ao perdoar Turing; agora é hora de ele dar outro passo positivo adiante.

Vamos, por favor, celebrar a vida de Alan Turing e suas contribuições importantes ao mundo, exortando o governo britânico a perdoar os estimados 49 mil homens condenados por indecência grave. Para assinar e compartilhar o abaixo-assinado:Pardon49k.org.

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