Todo(a) menino(a) é um(a) rei/rainha!

Olá, amantes do Samba!

Enviado por João Peçanha via Guest Post para o Portal Geledés

Desde quando comecei a pesquisar Samba, consolidou-se em mim uma certeza que eu já sabia, intuitivamente, da vivência das rodas: debruçar-se sobre uma prática musical popular, de essência negra, periférica, ligada a cultura e às religiões afro-brasileiras, é uma forma de compreender o que acontece na sociedade brasileira como um todo. A etnomusicologia se apoia nessa certeza sociológica, antropológica, e eu vou me aproveitar diretamente dessa relação hoje.

Semana passada eu falava do Império Serrano, e passei a semana com esse samba lindo na cabeça:

 

“Qualquer criança

Toca um pandeiro, um surdo e um cavaquinho

Acompanha o canto de um passarinho

Sem errar o compasso

Quem não acreditar

Poderemos até provar,

Pode crer, porque

Nós não somos de enganar,

Melodia mora lá

No prazer da serrinha!”

Nesse refrão lindo de Prazer da Serrinha, Tio Hélio (Hélio dos Santos) e Rubens da Silva criam uma imagem linda… Sempre escutei/toquei esse samba “assistindo” umas crianças tocando na beira da roda, como eu mesmo fiz algumas vezes! Sempre lembrava dessa imagem quando ouvi os relatos de Pixinguinha, Donga e João da Baiana sobre suas primeiras “instruções” musicais nas casas das tias baianas. Também me lembrava do depoimento de Jair do Cavaquinho em O Mistério do Samba (1998), filme lindo sobre a Velha Guarda da Portela. Entre outras coisas, ele contava como colocava umas linhas numa tabuinha e ficava tentando imitar o cavaquinista nas rodas do Rio Antigo… Uma imagem cheia de poesia!

feitico-decente
(Adoro essa criança!)

Lembro também de umas crianças cheias de talento que sempre vejo nas rodas do Renascença, lá no Rio. Tocam de tudo, com aquela sede e audácia típica de quem sabe se entregar pra aprender…

O Samba sempre soube acolher e cuidar das suas crianças… As rodas são imprescindíveis na educação. No Candomblé e na Umbanda a criança – na condição de Orixá, de Entidade ou de menino/menina encarnada – recebe toda atenção e respeito. Sua energia de pureza é respeitada!

Todo esse respeito por essa criança (negra), observável na cultura negra da Religião, do Samba, recebeu um duro golpe ontem, com a aprovação na Câmara dos Deputados da Redução da Maioridade Penal. (Já sabemos que será aprovada, né!? Infelizmente…)

Porque a criança que sofre com a falta de atenção e assistência do Estado, aquela a quem se destina as prisões infantis, tem cor: NEGRA.

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(http://www.mapadaviolencia.org.br/)

 

 

É ela quem sofre com o racismo que segrega seu pai, sua mãe, minando sua estrutura material. Sofre com escolas públicas sucateadas, com uma periferia violenta, com a desconfiança e o preconceito que as considera “tipo suspeito” desde sempre… “Também, filho(a) de quem é, só poderia dar nisso…” O racismo não espera nem elas se desenvolverem, desmamarem… As pega desde o ventre das mães, que sofrem com o machismo e o racismo cruel, sofrem e são desrespeitadas covardemente.

Tom Maior (Martinho da Vila)

Está em você

O que o amor gerou

Ele vai nascer, e há de ser sem dor

Ah! Eu hei de ver

Você ninar e ele dormir

Hei de vê-lo andar

Falar, cantar, sorrir

E então quando ele crescer

Vai ter que ser homem de bem

Vou ensiná-lo a viver

Onde ninguém é de ninguém

Vai ter que amar a liberdade

Só vai cantar em Tom Maior

Vai ter a felicidade de

Ver um Brasil melhor

Se eu for falar aqui dessa estrutura racista e cretina, não vou terminar hoje. Acho que já deu pra perceber a linha de raciocínio, né!?

Contra a ignorância, a irresponsabilidade, as mãos sujas de sangue de quem tem palavras bonitas e traiçoeiras na boca, temos muitas iniciativas. Gente que cuida para minimizar esses danos, tenta dar futuro, rumo, direção, identidade, formação musical, esporte… Acima de tudo, busca dar AMOR a essas crianças.

Pessoas (que são realmente “de bem”), ONGs, Terreiros, Igrejas, projetos diversos, espalhados pelo país, hoje remam contra a maré que quer tornar legal o extermínio da juventude negra. Os números estão aí:

Para quem não concorda com essas opiniões pessoais colocadas aqui, apenas aconselho que “seja sambista também” – entenda essa filosofia do Samba, do Afro-Brasileiro, em que os antigos são responsáveis pela formação das crianças. A responsabilidade é sua também! Meta a mão na massa, faça algo de coração e com amor (de preferência, menos impessoal que uma “transferência bancária” pra quem você não conhece).

(Samba da Criança – Jorge Costa / Demosthenes Gonzalez)

Façamos todos a nossa parte – condenando ou concordando com (o que EU considero uma bestialidade) a redução da maioridade penal. Ser do Samba não é se divertir todo dia, tomar uma com a galera enquanto se escuta boa música. É entender que, por detrás desse “Seja Sambista Também” existe posturas e responsabilidades, compromissos com uma história ancestral, que vai muito além do “toque as cordas macio e tente cantar samba”. “No início até pode ser difícil, mas fazendo um sacrifício serás bem recompensado(a).”

Axé, gente amiga do Samba.

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