Jandira Feghali, sobre o Bolsa Família e a manutenção do orçamento para 2016: “Vencemos os preconceitos!”

Foto: Richard Silva

A fome e orçamento

no  Viomundo especial Jandira Feghali

A frase do sociólogo Herbert de Souza, “Quem tem fome, tem pressa”, marcou a década de 90, não só pela força com que Betinho expressou a urgência dos esfomeados no semiárido brasileiro ou nas periferias das grandes cidades. Impactou porque uma geração inteira de crianças morria diariamente por inanição sem uma ação efetiva do Estado para combatê-la.

Os números eram escandalosos e, ao mesmo tempo dramáticos, à época. Em 2001, a cada 5 minutos, pelo menos 1 criança menor de 6 anos morria no Brasil – a maioria delas por complicações da fome. Naqueles dias, pelo menos 300 vidas eram ceifadas pelas mazelas sociais, incluindo falta de saneamento básico e doenças tropicais, que afligiam principalmente cidadãos na extrema pobreza.

Infelizmente Betinho não viveu para ver, com a chegada dos Governos Lula e Dilma, o combate eficaz à fome e à pobreza. Foi a partir da criação do programa Bolsa Família, em 2003, pelo ex-presidente metalúrgico, que a realidade começou a tomar outra forma. Passados 12 anos, sabe-se em qualquer canto deste país que 36 milhões de pessoas deixaram para trás a extrema pobreza e a certeza de um prato vazio.

Citado no mundo como exemplo de democratizar recursos, da ONU aos países considerados de primeiro mundo, o Bolsa Família foi alvo de cortes na Comissão Mista que analisa o Orçamento para 2016 através do deputado relator. Os R$ 28,2 bilhões previstos para o próximo ano, poderiam se resumir a R$ 18,2 bilhões, um corte de 35% das despesas do programa. Inaceitável. Coube ao Congresso impedir tamanho retrocesso.

Um detalhado estudo do Ministério do Desenvolvimento Social e Família mostra o quanto este corte afetaria o futuro dos beneficiários. Só na Bahia, pelo menos 1 milhão de cidadãos entrariam novamente para o mapa da fome com o corte. No Rio, 469.353 mil pessoas; em São Paulo, outras 764.006 mil. O total de famílias atingidas pelo corte chegaria a 2,5 milhões, sendo 11 milhões de menores de 18 anos. Estipula-se que 3,7 milhões de crianças e adolescentes voltariam à miséria.

Como efeito cascata, a cada hora seis crianças de até 5 anos poderiam apresentar desnutrição crônica. A cada 2 minutos, uma delas também deixaria de frequentar a escola. O Governo tem se esforçado de todas as maneiras para garantir ajustes em suas contas num período em que a crise econômica mundial nos atinge com força. Reduziu e extinguiu ministérios, cargos comissionados, gastos da máquina pública e ampliou a fiscalização contra a sonegação e fraudes. Mas, manteve o programa fora dos cortes.

A fome que dilacera e mata foi compreendida pelo Executivo e também pelo Legislativo no debate do orçamento para 2016. A maioria do Congresso se posicionou contra e impediu um corte de R$ 10 bilhões numa das maiores políticas sociais de nossos tempos. Mais do que isso, vencemos preconceitos e prevaleceu a posição dos que entendem o Bolsa Família pelo que ele é e representa.

Isso só foi possível porque vislumbrou-se um Brasil que assistirá a formatura da primeira geração de crianças que, por conta do programa, estão nas escolas e não nos semáforos. Uma geração de bebês que teve suas mães cumprindo todas as consultas do pré-natal. Crianças que estão com a vacinação em dia e que, pela primeira vez, têm acesso a direitos de cidadãos.

Isso é o Bolsa Família, uma lição de cidadania. O programa será necessário por muito tempo, mas chegará o dia em que as gerações da fome terão seu fim. Se falta sensibilidade e humanismo para compreender seu alcance, que não faltem recursos para mantê-lo.

Jandira Feghali é médica, deputada federal (RJ) e líder do PCdoB

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