A saga brasileira de um time de futebol haitiano

Em 2010, um terremoto devastou o Haiti, matando pelo menos 316 mil pessoas. Entre as vítimas, estavam o pai e a mãe de Frantzi Pyerre, um garoto de 12 anos à época, que, como outros milhares no país, viu sua vida mudar completamente após a tragédia.

por Renata Mendonça no BBC

Quatro anos depois, o menino decidiu tentar a sorte em Porto Príncipe para perseguir um sonho antigo. De Cabo Haitiano até a capital, ele viajou cerca de cinco horas pegando caronas para chegar à Academia de Futebol Pérolas Negras (Perles Noires em creole).

O centro de futebol, montado pela ONG Viva Rio, oferece treinos, estudo e moradia para até 110 jovens de 12 a 20 anos no Haiti. Os portões estavam fechados – era período de férias na academia -, mas, por coincidência, o fisioterapeuta do time estava saindo dali e, após ouvir a história do garoto, deixou ele ficar.

Mais dois anos se passaram até que Frantzi tivesse a chance de viajar ao Brasil para disputar a Copa São Paulo de Futebol Júnior – torneio sub-20 que reúne 112 equipes – com o time haitiano. Foram três jogos, duas derrotas – em jogos bem disputados – e a eliminação logo na primeira fase. Ainda assim, ele descreve a experiência como “inesquecível”.

“O Haiti tem muitos problemas, mas provamos que, no futebol, brasileiros ou haitianos não têm diferença”, disse à BBC Brasil.

“O futebol hoje é a minha vida. Eu perdi minha mãe, meu pai, tenho só uma prima que me ajuda. Ela pode me deixar um dia, mas o futebol nunca vai me deixar. Vai ficar comigo para sempre, para toda hora, todo dia, toda a vida”, completou o lateral direito.

haitanos futebol2Image copyrightBBC Brasil
Image captionEm jogo disputado contra América-MG, time de haitianos perdeu por 2 a 1 

Para Frantzi e outros 22 jogadores do Pérolas Negras que vieram ao Brasil disputar a Copinha, o torneio trazia também uma chance de conseguir um contrato com algum clube brasileiro para poderem ficar no país.

“É uma boa experiência para nós. Somos haitianos, estamos aqui para jogar futebol e ficamos muito felizes por ter essa oportunidade”, afirmou o volante Anel Jean Louis.

“Acho que, no Brasil, tem muitas oportunidades para jogar e para conseguir dinheiro para ajudar minha família.”

Encerrando nesta semana a participação no campeonato, o Pérolas Negras já tem ao menos a estadia prolongada no Brasil garantida. A ONG Viva Rio firmou um contrato com um antigo hotel fazenda na cidade de Paty de Alferes (região serrana do Rio de Janeiro) onde o time, que disputará a Serie C do Campeonato Carioca nos próximos meses, terá um campo de treinamento.

haitanos futebol3Image copyrightVitor Madeira Viva Rio

Contrastes

Assim como outras dezenas de milhares de haitianos que vieram ao Brasil em busca de melhores condições de vida, os jovens do Pérolas Negras também veem o país como uma “terra de oportunidades”, onde poderão usar o futebol para conseguir dinheiro e sustentar suas famílias no Haiti.

“A situação lá não é fácil, energia elétrica não é todo dia que tem, as condições são precárias…eles estão sempre no limite. Às vezes a gente reclama de várias coisas aqui no nosso país e esquece que tem muitos outros lugares que precisam de muita ajuda”, contou o técnico dos Pérolas Negras, o brasileiro Rafael Novaes.

haitanos futebol4Image copyrightBBC Brasil
Image captionRafael Novaes arriscou ir para o Haiti treinar equipe do Pérolas Negras e se diz realizado com projeto

“Se aqui no Brasil a gente fala muito em crise, lá já tem crise social, econômica, política há anos e anos. Então a própria família (do jogador) fala: filho, se tiver a oportunidade, vá, fique. Porque você não sabe quando vai ter outra.”

Há quase cinco anos trabalhando com o Pérolas Negras, Rafael – que chegou a trabalhar como técnico no Brasil por 12 anos antes de ir para o Haiti – ressalta que seus desafios lá vão muito além das quatro linhas.

“Nosso trabalho é difícil. Teve vezes lá que eu fui dispensar um menino, e ele falou: ‘Poxa, mas eu não tenho para onde ir, não tenho pai, nem mãe.’ Aí como você faz? Que situação você fica? A gente tem que usar um pouco o coração também”, conta.

“Isso te faz pensar muito na vida, porque uma ação sua pode ser catastrófica para esse menino. A gente reclama tanto da vida, mas eles escolheram não reclamar. Escolheram ir atrás.”

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Image captionTime faz participação inédita na Copinha; jogadores sonham em conseguir contrato com times brasileiros

Experiência no Brasil

A paixão pelo futebol é comum no Haiti, e a identificação com a seleção brasileira também vem desde o berço. Prova disso são os próprios nomes dos atletas do Pérolas Negras. Um dos jogadores da equipe se chama Bebeto, em homenagem ao atacante da seleção de 1994. Outro, Edinho, em lembrança ao zagueiro da Copa de 1986. Outro, que ficou no Haiti, mas espera a oportunidade para vir ao Brasil, também leva nome de craque: Etmil Garrincha, ou “Garrinchá”, como eles pronunciam em creole.

Quando perguntados sobre ídolos no futebol, eles sempre mencionam brasileiros e dizem que querem ser “Luiz Gustavo”, “Júlio Baptista”, “Neymar”, “Ronaldinho Gaúcho”.

E o carinho dos haitianos pelo futebol brasileiro foi, de certa forma, retribuído pela torcida que acolheu o Pérolas Negras durante os jogos da Copinha.

haitanos futebol6Image copyrightBBC Brasil
Image captionBrasileiros “abraçaram” time do Haiti e torceram até o fim na rua Javari

Na partida da última terça-feira, contra o América-MG, na rua Javari, tradicional estádio do Juventus, da Mooca, os torcedores passaram os 90 minutos incentivando o Pérolas Negras com gritos de “Olê olê olê olê, Perle, Perle” (nome do time em creole) e “Haiti, Haiti”. Eles até tentavam se comunicar com os jogadores em português: “Não desiste, não desiste”, “vai, chuta pro gol”, diziam.

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Image captionJogadores do Pérolas Negras ficaram abalados após eliminação logo no segundo jogo

“Tivemos uma repercussão impressionante. Olha só (recebe cumprimentos de um torcedor), estão me dando parabéns com a derrota”, disse à BBC Brasil Ruben Cesar Fernandes, diretor executivo da Viva Rio, que acompanha o time desde o início.

“Acho que essa imagem negativa do haitiano como povo triste, miserável, de uma terra cheia de desastre, é muito ruim. Aí quando vem os haitianos jovens, fortes, querendo mostrar seu valor, isso cria uma surpresa, algo que provoca uma simpatia. A gente não esperava que tivesse essa dimensão. Parece até que foi o Barcelona que esteve jogando aqui.”

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