Genebra, por Sueli Carneiro

“As vítimas do racismo, da discriminação racial,da xenofobia e das formas conexas de intolerância esperam que as decisões que adotem os Estados produzam mudanças reais em seus destinos”.

Por Sueli Carneiro

São palavras da Alta Comissária dos Direitos Humanos, Mary Robinson, em 21 de maio último, nas Nações Unidas em Genebra, em discurso de abertura da 2a. – PrepCon – Sessão do Comitê Preparatório da III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância que ocorrerá em Durban, África do Sul em setembro desse ano.

O objetivo dessa 2a. PrepCon era produzir a proposta de Declarção e o Plano de Ação a serem aprovados em Durban, tendo por base os documentos produzidos na primeira reunião do Comitê Preparatório e os insumos das Conferências Regionais preparatórias da Conferência Mundial, ocorridas nas Américas, na Ásia, Europa e na África.

Doze dias após a abertura dos trabalhos, a lentidão, as múltiplas formas de emperramento, a ausência de vontade política para buscar consensos sobre os pontos em debate punham em evidência uma ação deliberada dos Estados mais poderosos em fazer naufragar a Conferência.

O que está em jogo? Há um certo consenso de que a convocação dessa Conferência atendia mais ás necessidades de equacionamento de problemas decorrentes da xenofobia, da imigração e conflitos étnicos presentes, especialmente no continente europeu.

No entanto, as Conferências Regionais, em particular a das Américas, a da África e da Ásia, fizeram emergir com força novos atores políticos com novas demandas que colocam, sobretudo para os países ricos do primeiro mundo, uma extensa fatura, resultado de dívidas históricas que não lhes interessa reconhecer.

Confluem para essa Conferência, os excluídos de todos os matizes: africanos e afrodescendentes das Américas e da Europa, exigem o reconhecimento do tráfico transatlântico como crime de lesa-humanidade do que decorre a exigência de reparações aos países africanos espoliados pelo tráfico e aos descendentes de africanos da diáspora. Indígenas reivindicam entre outros temas, o direito á autodeterminação e a seus territórios. Mulheres afrodescendentes e de outros grupos étnicos buscam introduzir nos documentos que a intersecção de gênero e raça potencializam as formas de exclusão produzidas pelo racismo, discriminação e intolerância sobre as mulheres, do que decorre a urgência de políticas corretivas. E a Ásia, de quebra, introduz a questão palestina.

 

A complexidade das questões postas por essa Conferência, as resistências dos Estados para fazerem avançar a sua agenda, a dificuldade de obter consensos põem em evidência a magnitude de problemas que o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a intolerância colocam para o mundo.

Tratados como temas periféricos em muitas nações, como por exemplo no Brasil, o cenário de Genebra revela que em esfera global ou local, essas questões estão no âmago da maioria dos desafios do mundo contemporâneo, em especial no que concerne á realização da inclusão social, da democracia e do princípio da igualdade entre os seres humanos.

As resistências mencionadas para fazer avançar a agenda determinaram a necessidade de realização de uma 3a. PrepCon, que ocorrerá de 30 de julho a 10 de agosto também em Genebra. Uma decisão que compromete (talvez intencionalmente) a capacidade de ampla participação da sociedade civil para pressionar as delegações oficiais pela a inclusão dos seus temas em função da escassez de recursos disponíveis para essa nova e não prevista jornada.

Mas, apesar de tudo, há muito também o que festejar no retorno dessa 2a. PrepCon. São conquistas importantes, em especial para os afrodescendentes das Américas que saíram de seus países com a missão de assegurar as conquistas e o reconhecimento alcançados na Conferência das Américas, ocorrida em dezembro último, em Santiago do Chile, e lograram ter no Grulac (grupo dos países latino-americanos e caribenhos do qual o Brasil é membro e um dos líderes), um empenhado defensor porta voz das proposições de afrodescendentes e indígenas consensuadas em Santiago. Destaque-se também, a consolidação dentro da diplomacia brasileira, da compreensão da justeza dessa causa e que ela deve ser defendida em ação conjunta com a sociedade civil brasileira. E, sobretudo, a articulação em escala global dos africanos e afrodescendentes das Américas e da Europa que, em três reuniões históricas, de reencontro desses povos, acordaram os seguintes pontos a serem defendidos em Durban e pós-Durban: a condenação do tráfico transatlântico como crime de lesa-humanidade; a adoção de medidas de reparações aos povos africanos e afrodescendentes; o reconhecimento das bases econômicas do racismo; a adoção de políticas corretivas por parte dos Estados nacionais; a adoção de políticas de desenvolvimento para comunidades ancestrais; a adoção de políticas específicas para mulheres africanas e afrodescendentes; a adoção de medidas de combate aos nexos entre racismo e pobreza; a adoção de mecanismos contra o racismo no sistema penal e reforma dos sistemas legais; a adoção de medidas contra discriminação múltiplas forma por orientação sexual, raça, cor e origem nacional e de medidas contra o racismo ambiental.

Uma plataforma de luta para a organização política de africanos e afrodescendentes em escala mundial. É um bom começo de milênio.

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