Juíza acende debate sobre latinos nos EUA

Fonte: Uol

Por SÉRGIO DÁVILA

Falas de Sonia Sotomayor, indicada à Suprema Corte, sugerem que origem porto-riquenha influenciará suas decisões

 

Conservadores a chamaram de “racista”; já os latinos aproveitam o momento para avançar agenda, incluindo questões como imigração

 

A indicação da juíza Sonia Sotomayor para a Suprema Corte dos EUA por Barack Obama e o processo para a confirmação do cargo vitalício pelo Senado serviram para que fosse reavivado um debate adormecido desde a eleição do democrata: o da crescente -e, para alguns, ameaçadora- presença da população de origem latino-americana em aspectos importantes da vida local.
Primeiro pelo fato de a nova-iorquina ser filha de porto-riquenhos e ter dado declarações ao longo de seus 17 anos de carreira que indicam que sua ascendência influi em suas decisões de juíza. Depois porque, se for confirmada após as audiências que começam amanhã -e é provável que seja-, ela julgará questões sobre, por exemplo, os direitos dos imigrantes.
Desde o anúncio de seu nome, a juíza não deu mais entrevistas, como é costume. Mas a imprensa teve acesso a uma declaração polêmica sua de 2001, em que Sotomayor diz esperar que as decisões de uma “latina sábia” sejam melhores que as de um homem branco sem as mesmas experiências de vida.
Foi o suficiente para que ela fosse chamada de “racista” pela ala mais conservadora do Partido Republicano, liderada pelo radialista Rush Limbaugh e pelo ex-presidente do Congresso Newt Gingrich. Desde então, o último retirou a acusação, mas disse que sua preocupação com o que ele chamou de “preconceito às avessas” continuava.
Com o barulho, Obama veio a público dizer que Sotomayor se “arrependia” das palavras usadas então em seu discurso.
Do outro lado, organizações latinas aproveitam o momento favorável e retomam exigências históricas para essa fatia da população, entre elas a regulamentação de imigrantes irregulares -dos quais 90% são latino-americanos, a maioria do México e da América Central- e a passagem pelo Congresso da reforma nas leis de imigração.
A indicação de Sotomayor e o fato de Obama ter ressaltado suas raízes latinas no anúncio “têm a ver com o fato de o povo norte-americano estar mais aberto à nossa nova realidade demográfica, que é mais diversa”, escreveu Simon Rosenberg, presidente do grupo progressista latino NDN.
“Há orgulho sobre o fato de a indicada ser latina”, resume Estuardo Rodrigues, cofundador da ONG Hispanics for a Fair Judiciary, de Washington.

 

Onda latina
Há hoje 66,9 milhões de latinos nos EUA, ou 15,4% da população, segundo o Censo de 2008. É também a fatia que mais aumenta, respondendo por 50% do crescimento demográfico desde 2000. Nesse ritmo, segundo o Pew Research Center, os latinos serão 29% da população em 2050, quando os brancos devem se tornar minoria pela primeira vez.
O desempenho dos senadores nas audiências será observado atentamente por essa comunidade. Das cadeiras em jogo no Senado em 2010, os republicanos têm de defender posições em pelo menos três Estados com alta porcentagem de latinos: Arizona (29,6%), Flórida (20,6%) e Utah (11,6%).
Se confirmada, Sotomayor será a terceira mulher a fazer parte da Suprema Corte, mas a primeira latina. Sua indicação reviveu uma guerra cultural e fez com que voltasse à cena até mesmo o debate sobre quem é latino e quem é hispânico.
Uma corrente defende que ela não é a primeira, já que o juiz Benjamin Cardozo (1932-1938) teria antepassados portugueses (parte dos estudiosos americanos usa o termo hispânico para definir quem tem origem na península Ibérica).
Sotomayor passou as últimas semanas se encontrando com os senadores de ambos os partidos. A Casa Branca enviou à Comissão Judiciária do Senado caixas com cópias de todas as suas decisões, artigos, discursos e entrevistas desde seus anos de estudante em Princeton e Yale -incluindo uma carta a um jornal universitário que escreveu aos 19 anos.
Junto foi um questionário respondido, em que ela detalha os documentos acima e suas atividades nas últimas décadas.
Nas respostas, as palavras “latino” e “latina” aparecem 73 vezes. Ainda assim, estudiosos da Suprema Corte são cautelosos quanto a apontar uma conexão automática entre a origem dos juízes e suas decisões.
“Não é certo dizer que alguém vai decidir diferentemente apenas porque é latino, católico, do Meio-Oeste ou mulher”, disse à Folha Goodwin Liu, reitor associado da faculdade de Direito de Berkeley, na Califórnia, e coautor de um livro recém-lançado sobre o tribunal (leia entrevista na página 16). “Mas ninguém pode duvidar que a experiência de vida é um aspecto importante de como um juiz interpreta a lei.”
Membros da Suprema Corte atual defenderam argumentos parecidos em livros ou entrevistas. Para o conservador Antonin Scalia, a mera presença de Thurgood Marshall, o primeiro negro a fazer parte do tribunal (1967-1991), fazia com que os outros pensassem com mais cuidado nas questões de direitos civis. O mesmo disse em relação às mulheres a progressista Ruth Ginsburg, hoje em dia a única do sexo feminino entre os nove magistrados.

 

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