Sérgio Martins – O tempo de mudança de cada um e a indispensabilidade do convite

por Sérgio Martins

O Retrato de Dorian Gray publicado, após de revisto em 1891 por Oscar Wilde, é uma obra singular em vários aspectos, mas gostaria de focar atenção ao tema relacionado ao desejo de eternizar aquilo que entendemos seja importante para cada um de nos. No caso do jovem Dorian, a beleza e juventude. Diferente dos filmes de vampiros, onde os seres anormais vivem isolados com seus iguais, Dorian vive entre todos impondo seus desejos, acima de quaisquer interrogações éticas, enquanto, os demais envelhecem em sua volta.

A peculiaridade da vida no planeta terra é a mutação, aqui a regra são as mudanças, que ocorrem por fenômenos naturais ou por movimentos políticos. Mas, a cultura humana, sempre tentou imortalizar certos aspectos da vida que entendemos como relevantes, assim temos um acervo grandioso de obras de artes e livros, que se reportam a estes momentos, e nos permitem avaliar e analisar nossa história.

Porém, o maior desafio, permanece sem resposta, o ser e seu tempo, mas Wilde, de forma metafórica, resolveu o problema, ao transferir todas as marcas do tempo para um ser abstrato, preso em um quadro, que acumula todas as culpas, angústias e loucuras, pagando o preço da perda de conexão com seus pares. É licito afirmar que somos seres temporais, onde a teia do tempo experimentado conjuntamente nos confere maturidade para aceitação da finitude.

Talvez a eternidade não seja tão boa assim, para nós. A possibilidade de mudanças acaba por permitir a renovação e revisão de vidas e projetos. Então, se não podemos mexer na longevidade, talvez o melhor caminho seria a superação de nossas barreiras ilusórias, nem todas com origens em nossas relações com os bens materiais, como afirmar Marx, mas de outra natureza, como afirmava Freud. O certo é que ilusões criam falsas análises e consequentemente um campo de ações que nos afasta da direção da luz.

O racismo, a xenofobia, a lógica de lucros exacerbados a partir das explorações desenfreadas dos recursos naturais e dos trabalhadores, são frutos de um imaginário centrado em um individuo egoísta, que se coloca no centro de todas as coisas com um bem fundamental, totalmente cego a tudo que se passa ao lado. Sob a garantia de um jogo político que ocorre sob a proteção da democracia formal, a disputa de posições e discursos mantém uma aparência de guerra não deflagrada entre as partes. Fica a pergunta, se teria algo melhor a fazer, sem colocarmos fogo em tudo para recomeçar novamente.

Partilho da compreensão que não basta travamos a luta nas trincheiras tradicionais, pois estas são viciadas de práticas e rotinas, que nos afasta do centro dos problemas, fazendo-nos mover em círculos. Temos necessidade de uma nova cultura de respeito ao planeta e aos que aqui vivem. O individuo egoísta deve ceder lugar ao respeito á vida, parece simples, mas não é.

Vivemos em uma cultura onde somos cobrados individualmente sobre os nossos êxitos e derrotas. A angústia entre o tempo do desejo e o tempo da realização dos nossos projetos explode através de tensões, descontinuidades e frustrações. Uma corrida enloquecida entre competidores, que começa quando no momento da concepção e só termina quando o individuo é sepultado. É aí resta pouco tempo para olhar em volta, daí a importância do simples convite, da provocação feita pelo outro.

Se Dorian foi provocado pelo Lord Henry Wotton para eternizar-se, também podemos provocar nossos amigos, conhecidos para mudança de padrões comportamentos, de instituições e de projetos coletivos.

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