Outras impressões, manifestações livres sobre qualquer assunto – Motorista passa mal, bate e é linchado

por Leno F. Silva para o Portal Geledés

Ainda não sabia o que escrever hoje, até me deparar com a seguinte manchete do caderno Cotidiano do jornal Folha de S. Paulo “Motorista passa mal, bate e é linchado”. O trabalhador Edmilson dos Reis Alves da Silva, motorista de ônibus exemplar e muito querido pelos colegas da empresa Via Sul, foi covardemente linchado por mais de 40 pessoas que, segundo a polícia, participavam de um baile no Jardim Planalto, zona leste de São Paulo.

Segundo testemunhas, por volta das 23h30 de domingo o condutor passou mal, perdeu o controle do coletivo, bateu em três carros e três motos e atropelou uma pessoa que, felizmente, passa bem. Ainda não é possível afirmar se a morte foi em decorrência dos graves ferimentos ou em função do mal súbito.

Para mim a tristeza maior é se deparar com mais um ato de intolerância, desumano e animal provocado por um bando de pessoas que não tiveram a capacidade de ouvir a versão dos passageiros. Arbitrariamente tomaram o motorista como culpado, julgaram e decidiram o que fazer, num ato condenável que, como tantos outros, ainda fazem parte do cotidiano de uma sociedade que teima em fazer “justiça” com as próprias mãos.

É possível entender que as vítimas atingidas pelo ônibus, sem saber o motivo da batida e do atropelamento, tenham ficado bravas, revoltadas até. Mas ao ouvir que foi uma fatalidade e não imprudência do motorista, o correto seria chamar socorro para todos, fazer boletim de ocorrência e depois resolver os danos materiais.

Mas não. Pelo que li, o exemplar profissional Edmilson foi retirado pela janela e submetido a espancamentos generalizados sem a chance de qualquer reação. Os justiceiros fora de controle não tiveram a capacidade de perguntar aos passageiros. Ouviram apenas a fúria e a raiva interior e praticaram um ato de vandalismo absurdo, condenável, triste e que pode ser comparado a cenas de horror da idade média.

Nesse contexto, tomara que o pai de família e trabalhador responsável tenha morrido do mal súbito e não das pancadas que, covardemente, recebeu. Tomara que os agressores, os quais certamente não serão identificados, consigam pelo menos refletir sobre a brutalidade praticada e que tenham aprendido algo com esse ato de vandalismo. Tomara que todos os envolvidos consigam pedir desculpas pelo que fizeram. Tomara que os moradores do Jardim Planalto e todos nós façamos, de acordo com as crenças individuais, uma sincera homenagem ao Edmilson dos Reis Alves, mais um homem bom, que foi vítima do caos alimentado pelo tipo de vida que moldamos. Tomara que a sua esposa Digeane da Silva Alves e seus quatro filhos consigam tocar a vida sem a presença física do pai, mas tendo incorporado os ensinamentos de conduta digna que, acredito, ele tenha deixado.

Bom seria que a sociedade, neste século XXI, já tivesse compreensão e maturidade suficientes para não praticar atos dessa natureza, e que cuidássemos do outro como se o outro fosse cada um de nós. Descanse em paz, Edmilson. Nós, por aqui, ainda precisamos encontrar os melhores caminhos para a construção da paz individual e coletiva. Até a próxima.

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