Notas de Rodapé – Elas ganham menos

Fernanda Pompeu

Várias pesquisas comprovam a realidade: mulheres ganham menos do que homens. Tanto faz se elas trabalham em Angola, na Suíça, ou no Brasil. Na hora de negociar a remuneração, o dinheiro para elas é sempre mais curto. A leitora e o leitor curiosos já devem estar perguntando: por quê?

As justificativas para as mulheres ganharem menos do que os homens não renderiam só uma tese de doutorado, mas uma biblioteca inteira. Uma resposta direta e honesta é: o trabalho das mulheres é considerado de menor valor. As ocupações mais desvalorizadas estão coalhadas de mulheres.

Talvez tal desvalorização tenha a ver com a tardia entrada em massa das mulheres no mercado de trabalho, e certamente com a histórica desigualdade de oportunidades entre elas e eles. Na política, o Brasil teve trinta e cinco presidentes antes de eleger sua primeira presidenta.

É claro que as mulheres sempre trabalharam e muitíssimo. Mas estavam confiscadas pelo serviço doméstico – cozinhar, arrumar, lavar, passar, cuidar. Trabalho não reconhecido e grátis. Ou então estavam ralando, e muitas ainda ralam, na casa dos outros. São as trabalhadoras domésticas que até hoje não têm direitos plenos.

Portanto há motivos históricos, sociais e de desigualdade de gênero para elas receberem menos. Mas há também um fator psicológico. Quando aparece uma oportunidade, as próprias mulheres cobram menos do que os homens. Sempre colocam o trabalho na frente do pagamento.

Se você é uma prestadora de serviço sabe perfeitamente o que estou dizendo. Basta o cliente pedir um orçamento para a gente se embaraçar. A tendência da maioria é cobrar menos. Há um certo pudor em arredondar os números para cima. Também precisamos lembrar que por muito tempo só as prostitutas cobravam.

O outro nome do vacilo, na hora de pôr o preço, se chama insegurança. Acho que as mulheres passaram tantos séculos trabalhando de graça, ou por muito pouco, que internalizamos a ideia de que nossos esforços valem menos dinheiro do que os esforços deles.

Mas o mundo anda mudando velozmente. Então, cruzo os dedos, faço figa para que as mais jovens transformem definitivamente essa história. Elas, filhas de mulheres que trabalharam fora (e dentro) de casa, podem começar a cobrar igual ao que os jovens cobram. Que elas reivindiquem o justo. Nem mais, nem menos.

* Foto: Régine Ferrandis, de Paris.

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