Sorria! Seu emprego não morreu. Apenas está num lugar melhor

Por: Leonardo Sakamoto

 

 

Tenho ouvido comentaristas de economia reclamando dos protestos de trabalhadores contra o fechamento de vagas na fábrica da General Motors, em São José dos Campos, interior de São Paulo. Uma justificativa que tem sido usada para explicar a situação é de que a empresa não vai fechar vagas, mas sim mudá-las de lugar. Citam a atuação do sindicato local, que não aceita negociar determinados pontos com a empresa, enquanto representações de outros lugares são mais “flexíveis”.

Para muitos cabeças de planilha, o que importa é se a vaga foi fechada dentro do território brasileiro e transferida para fora do país. Mas tente usar essa justificativa para as pessoas que ficarão sem emprego – de que a vaga não desapareceu, apenas mudou de lugar. Para elas, é indiferente se o emprego migrou para São Caetano do Sul ou Xangai. O que vale é que elas sofrerão com isso.

Isso não é novidade. Ao longo da história, o capital sempre buscou lugares onde a mão de obra contasse com menos direitos, visando a um custo mais baixo para a produção. Já nos “beneficiamos” disso no passado e hoje assistimos a empregos daqui migrarem para o outro lado do mundo pelo mesmo processo, que não para.

Afinal de contas, quando pessoas se encontram diariamente em locais de trabalho, acabam por reconhecer uma condição comum e se organizarem em busca de direitos. Aos poucos, mudanças vão acontecendo, garantindo padrões mínimos de condições de trabalho e remuneração, “forçando” o capital a encontrar fontes mais baratas e sem tantas reivindicações de força de trabalho.

Vá até a China e veja de perto o que está acontecendo, sem preconceito, sob uma ótica histórica. Em muitos locais, os direitos dos trabalhadores ainda são bem precários. Mas mudanças ocorrem com o desenvolvimento econômico e social do país. O setor têxtil, por exemplo, tem procurado lugares com custo mais baixo para terceirizar etapas da produção, como o Sudeste Asiático.

Mas, apesar disso fazer parte da natureza do capital, não pode ser encarado como favas contadas ou como o direito inalienável do dinheiro ser livre. Há direitos fundamentais mais importantes que outros – dignidade, por exemplo.

A partir do momento em que se instala em determinado lugar, uma empresa passa a ter responsabilidades com a comunidade que a cerca, que vai prover sua força de trabalho ou as matérias-primas das quais precisa e sofrer o impacto social e ambiental de sua instalação – ou seja, perder um pouco da qualidade de vida em detrimento aos ganhos econômicos que receberá com o empreendimento. Uma empresa instalada gera um sistema complexo em torno de si e, por conta disso, não pode simplesmente sair para outro local quando este lhe parece mais apetitoso do ponto de vista econômico como uma nuvem de gafanhotos. Caso contrário, é a barbárie vencendo.

Pega mal. Ainda mais a General Motors, que não possui uma política eficaz de redução de impactos sociais e ambientais, como desmatamentos ilegais e trabalho escravo contemporâneo, causados por sua cadeia produtiva.

“Ah, mas isso é o capitalismo, japonês. Está querendo cortar a liberdade econômica agora?” Não, mas por isso mesmo, já passou da hora do governo deixar de ser reativo e considerar ações mais duras contar esse setor. “Há problemas localizados em São José dos Campos. Não cabe ao governo entrar nos detalhes, é da organização interna da empresa”, afirmou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, após receber explicações por parte do diretor de Relações Institucionais da GM, Luiz Moan, sobre as demissões nessa unidade.

Mantega parece que se deu por satisfeito quando a empresa mostrou que gerou empregos (de 1.848, em 2008, para 2.063 em 2012) desde que foi abençoada com a redução de IPI e que demissões se devem a “reposicionamento de investimentos”. Diz que o governo não considera prorrogar o corte de imposto, mas também não impôs nada quanto à planta de São José dos Campos.

Não importa que, no total, a empresa tenha gerado empregos desde o último pacotão de mãe do governo federal. Só força de trabalho gera riqueza, ou seja, ela ganhou com essas vagas criadas, não foi um favor que fez para a sociedade – apesar de muitos comentaristas encararem dessa forma. A empresa não pode cortar vagas por conta de todo o processo que já citei. Esse capitalismo de periferia, que cresce feliz por aqui, me dá desgosto. Vem a nós, mas vosso reino nada.

De acordo com o sindicato dos metalúrgicos em São José dos Campos, a GM cortou 1.189 vagas entre julho de 2011 e junho de 2012 – só na unidade de São José dos Campos foram eliminados 1.044 postos (excluindo quem aderiu ao programa de demissão voluntária).

Vale lembrar que durante o pico da crise de 2008, a General Motors demitiu 744 trabalhadores de sua fábrica em São José dos Campos (SP) sob a justificativa de “diminuição da atividade industrial”. Mesmo após ter recebido apoio dos governos da União e do Estado de São Paulo no sentido de facilitar a compra de seus produtos por consumidores.

Carpideiras do mercado disseram e escreveram, na época, sindicatos faziam uma chiadeira irracional, pedindo contrapartidas à cessão de linhas de crédito ou corte de impostos. Atestaram que empresas não podem operar esquecendo que estão inseridas em uma economia de mercado, buscando a taxa de lucro média para continuar sendo viável. Em outras palavras, defendiam que não dá para esperar que o capital seja dilapidado da mesma forma que o trabalho em uma crise. Triste.

 

 

Fonte: Blog do Sakamoto 

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