França: “O racismo não é uma opinião, é um crime”

 

Brilhante oradora e uma das mais bem avaliadas integrantes do governo, Christiane Taubira enfrenta reiterados ataques pela cor de sua pele, que são expressão de um aumento do racismo e da xenofobia na França.

“As palavras utilizadas contra a ministra de Justiça são balas. Trata-se de um verdadeiro linchamento verbal”, assegurou a delegada titular da Francofonia, Yamina Benguigui.

A verdade é que poucas vezes uma personalidade de sua importância foi objeto de tantas agressões através da imprensa, da internet e em atos públicos.

Os ataques começaram há várias semanas, quando Anne-Sophie Leclere, candidata a prefeita pelo partido de extrema direita Frente Nacional (FN) na comuna de Rethel, publicou no facebook uma fotomontagem onde representou a servidora pública como um macaco.

Interrogada por uma jornalista de TV sobre este ato, Leclere assegurou que “isto não tem nada a ver com racismo” e acrescentou que preferia “vê-la pendurada em galhos de uma árvore que no governo”.

Estas declarações provocaram uma chuva de críticas e a FN viu-se obrigada a suspender Leclere e convocá-la a um conselho disciplinatório.

Em resposta a estas ofensas, Taubira condenou a ideologia da FN e o modo de pensar de membros desse partido, que, disse, preferem ver “os negros nos galhos, os árabes no mar, os homossexuais no Sena e os judeus no forno”.

Alguns dias após este incidente, a revista Minute, também de ultradireita, publicou em sua capa uma fotografia de Christiane Taubira com uma inscrição insultante, onde também a comparava com um macaco.

A estas agressões somou-se Claudine Declerck, conselheira municipal da conservadora União por um Movimento Popular pela comuna de Combs-la-Ville, que teve que renunciar a seu cargo após colocar no facebook uma imagem com insultos a Taubira.

As ofensas chegaram a tal ponto que em uma manifestação na cidade de Angers, no estado de Maine et Loire, vários participantes incentivaram crianças a atirar cascas de banana e agredir a ministra.

“Encaro o golpe, mas é violento para meus filhos, para meus familiares”, confessou Taubira em uma entrevista à televisão pública.

A ministra recordou que “o racismo não é uma opinião, é um crime”, mas admitiu que a resposta judicial não basta porque é impossível pedir à justiça para consertar as patologias profundas que minam a democracia.

“Estes são ataques contra o coração da República. É a coesão social que se está derrubando”, disse Taubira, que tem evitado apresentar denúncias perante os tribunais.

A ministra advertiu que estes excessos proveem de um longo e progressivo deslizamento e recordou que, desde a presidência de Nicolás Sarkozy, aqueles incapazes de traçar um horizonte para o país passam a vida dizendo ao povo francês que o país está invadido, sitiado e em perigo.

Originária da Guiana Francesa, Taubira conta com uma longa carreira política desde que, em 1992, fundou no território de ultramar o movimento político Walwari, aliado ao Partido Radical de Esquerda (PRG, por sua sigla em francês).

Em 1993, foi eleita deputada à Assembleia Nacional Francesa por esse território ultramar e, em 2002, chegou a ser candidata à presidência pelo PRG.

Taubira é diplomada em Ciências Econômicas na Universidade de Paris 2 (sede também da principal faculdade de direito do país) e graduada em Sociologia e Etnologia afro-americana na Sorbona.

Ela impulsionou uma lei homônima aprovada em 2001, que reconhece como crime contra a humanidade o tráfico de negros e a escravatura praticadas a partir do século 15.

Desde sua nomeação como Ministra de Justiça, promoveu numerosas reformas ao sistema penal, como o tratamento aos jovens reincidentes e o cumprimento de penas fora da prisão.

Também liderou a iniciativa para a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo, aprovada pela maioria da população, mas recusada por setores católicos e conservadores.

Durante os últimos dias, diversos analistas têm tentado explicar o porquê dos ataques violentos contra a integrante do gabinete francês.

“Ela acumula quatro pontos de estigmatização fortes e indeléveis: é mulher, vem de ultramar, é negra e atreve-se a representar a justiça”, opina o historiador Pascal Blanchard.

Blanchard recordou que Taubira defendeu duas leis emblemáticas, o casamento homossexual e a legislação sobre a memória da escravatura, pecado capital para racistas e neocolonialistas.

O analista adverte que este não é um fenômeno novo. “O erro seria pensar que esta brutalidade não existia antes, na realidade o que estava invisível se fez visível”, diz.

Como exemplos concretos, recorda as imitações de barulho de macaco nos estádios quando entram as equipes de futebol e as expressões de que há muitos negros na seleção de futebol.

Blanchard considera que faz falta educar, atuar de outra maneira e descolonizar esse imaginário que ainda arraiga na sociedade francesa.

Além das reações provocadas aqui, este caso ultrapassou as fronteiras e o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos condenou firmemente os ataques e demandou do governo francês que cumpra as recomendações feitas pelo Comitê para a Eliminação da Discriminação.

Na opinião do organismo internacional, “esses abusos totalmente inaceitáveis contra uma autoridade política pela cor de sua pele são uma manifestação clara do aumento do racismo, da xenofobia e da intolerância contra as minorias étnicas e religiosas e os imigrantes em muitos países europeus”.

Fonte: Vermelho

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