Polícia que mata muito demonstra incompetência de governos de SP, RJ e BA

Ninguém em sã consciência espera que um policial lance rosas, cravos e astromélias quando é recebido a tiros de fuzis, escopetas e pistolas. Mas uma polícia que mata muito e de forma sistemática demonstra que usa chumbo porque é deficiente em inteligência. Ou pior: é indício de governos que não conseguem investigar e planejar e acabam usando cadáveres para mostrar serviço aos eleitores.

Um levantamento da Anistia Internacional, divulgado nesta quarta (24), aponta que 394 pessoas foram mortas durante operações policiais nos estados da Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo entre os meses de julho e setembro de 2023. Sob qualquer ótica, é muita gente. Ainda mais com as denúncias de abusos e execuções de quem não estava em confronto ou não tinha nada a ver com a história.

No ano passado, houve quase quatro chacinas por mês na região metropolitana de Salvador e três por mês na do Rio de Janeiro, de acordo com relatórios da plataforma Fogo Cruzado. Já São Paulo registrou mortes a rodo nas operações de vingança da PM na Baixada Santista.

Aliás, menos de uma semana após o governador Tarcísio de Freitas ironizar uma denúncia feita à ONU por conta de violência cometida pela Polícia Militar de São Paulo, a Corte Interamericana de Direitos Humanos tornou público que condenou o Brasil porque a PM executou 12 supostos membros do PCC, em março de 2002, no interior paulista, no que ficou conhecida como Operação Castelinho.

O Estado brasileiro também foi condenado por causa da Polícia Militar pela morte de Antonio Tavares Pereira, membro do MST, em Campo Largo (PR), em maio de 2000. Ele participava de um ato pela reforma agrária na BR-277, perto de Curitiba, quando os manifestantes foram reprimidos pela PM-PR, deixando 185 feridos.

Condenações como essas vão sobre o Estado brasileiro e não diretamente à polícia porque é dele a responsabilidade de controlar seus agentes de segurança, investigar desvios, julgar crimes cometidos, punir os responsáveis, compensar as vítimas e suas famílias em caso de abusos e adotar ações para evitar que chacinas e massacres voltem a acontecer.

O que nem São Paulo, nem o Rio, nem a Bahia, nem o Brasil fazem de forma eficaz.

Governantes continuam aplicando a política de “atirar primeiro, perguntar depois” porque sabem que ela traz voto. Não porque a sociedade seja composta de psicopata ou cúmplices, mas porque pessoas cansadas da sensação de insegurança abraçam mais facilmente soluções fáceis para problemas complexos. Para elas, corpos amontoados significam que algo está sendo feito – mesmo que esse algo seja enfiar o país em um buraco mais fundo.

O Estado não usa inteligência para investigar e realizar prisões a fim de levar acusados à Justiça, preferindo dar à bala o papel de juiz e carrasco. Sim, nesse contexto, morrer pelas mãos da polícia torna alguém culpado. Essa política, além de matar inocentes e criminosos, também abate policiais honestos. Que já estão sendo prejudicados pelo sucateamento da política de câmeras em fardas, conduzidas pela atual administração paulista.

É devido ao fato de polícias cometerem crimes que ficam impunes por 22 anos que acabamos precisando de ajuda externa. Porque essa é a função da Corte Interamericana: um último recurso para casos que não tiverem um tratamento justo pelas instituições do país em questão.

Com o atual andar da carruagem, em 2046 veremos São Paulo, Rio e Bahia serem condenadas pelas mortes de hoje.

Mas, até lá, as coisas mudam. Na época da Operação Castelinho, o governador era Geraldo Alckmin, que hoje se senta na cadeira de vice no Palácio do Planalto. É capaz de uma nova condenação internacional pela ação da polícia surgir quando um dos atuais governadores também estiver em Brasília.

Como uma parte do país encara morte de pobre pelas mãos de autoridades, uma condenação não será motivo de vergonha.

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