Aidenor Aires e o posfácio ao racismo à brasileira – MARTINIANO J. SILVA

Aidenor Aires Pereira nasceu na zona rural de Riachão das Neves, então município de Cotegipe, Estado da Bahia, em 30 de maio de 1946. Filho de Wilton Santos e Valeriana Aires Pereira. Veio com a família para Goiânia em 1956, onde estudou na Escola Técnica Federal de Goiás, cursando Aprendizagem Industrial. Bacharelou-se em Letras Vernáculas e em Direito pela atual Pontifícia Universidade Católica de Goiás, onde foi destaque como orador da turma do curso em Ciências Jurídicas, no qual, certamente, ficará como um dos mais brilhantes de sua história É também um dos mais destacados membros da Academia Goiana de Letras, União Brasileira dos Escritores de Goiás, de quem foi presidente, Instituto Histórico e Geográfico do Estado,onde,além das amizades fecundas e perenes, deixou sua marca por de ter sido um dos melhores diretores da Instituição, justamente por fazer a diferença como pessoa simples, humilde, leal e extremamente sensível, características que somente as criaturas ou indivíduos realmente talentosos conseguem ostentar e exibir na profissão, sem olvidar a de entusiasta professor, na universidade e fora dela, foi honrado e destemido membro do Ministério Público do Estado, onde sua participação como hábil Promotor de Justiça, queiram ou não os invejosos e pusilânimes, ficará nos anais da Procuradoria-Geral de Justiça como uma de suas estrelas de primeira grandeza.

Do seu reconhecido talento, vieram, em âmbito poético, Reflexões do Conflito, seu primeiro livro, em parceria com o não menos talentoso, poeta Gabriel Nascente, 1970; Itinerário da Aflição, 1973; Lavra do Insolúvel, 1974; Rio interior, 1977; Canto do Regresso, 1979; Tuera – elegia Carajá, 1980, dentre outros; notando-se que Aidenor se realça sobremaneira como poeta, dos mais renomados no Estado de Goiás e Brasil afora, onde, sem esquecer os belos e singulares escritos na prosa, publicados acentuadamente em jornais, já foi merecidamente premiado e homenageado não sei por quantas vezes. Foi a ele que ousei pedir que “posfaciasse” o meu livro Racismo à Brasileira: raízes históricas, na sua 4ª edição, Editora Anita Garibaldi, São Paulo, de que me ufano, distribuído e vendido nas melhores livrarias do País. Por sua seriedade, responsabilidade e grandeza do nome, transcrevo o texto, justificando o título epigrafado:

“Racismo à Brasileira: Raízes Históricas, de Martiniano José da Silva, tem duração garantida na historiografia brasileira. Melhor testemunho não há do que essa 4ª edição. Revista, ampliada e atualizada. Clássica. Sou quase compelido a repetiras palavras contidas em uma opinião que foi inserida na 1ª edição, em 1985, Em Busca das Raízes. Naquela edição já se anunciava pioneiramente uma abordagem diferenciada das feições que resistem o racismo na história, noa coatumes, na arte nas manifestações da intelligentsia brasileira. Martiniano começava com seu livro desafiador a puxar as pontas do infindável novelo da construção do preconceito racial, e de suas representações na vida e cultura do País.

Denuncia como, por meio de disfarces, máscaras e imaginosas dissimulações impregnou o imaginário coletivo, a ponto de ser negado ou tolerado ainda em nossos dias. O historiador, instrumentalizado pelo método da nova historiografia, atento à ruptura dos paradigmas tradicionais, mergulha em uma vastidão maior e mais variada de fontes, desvelando o discurso racista construído na diacronia e presente em todos os momentos de nossa aventura histórica. Somente uma abordagem multidisciplinária – sociológica antropológica e cultural – poderia reconhecer e revelar as proteicas faces do preconceito, inadmissível em uma sociedade efetivamente multiétnica, não fosse o culto e a propagação de um ideal de brancura, cristã e ocidental.

Martiniano não se detém apenas no fenômeno do racismo emergente, analisa, percorre o resvaladio campo semântico de seus significados, apontando aqui e ali, criticamente, a forma como esse sentimentos e tornou permanente nas sensibilidades e medular construção de nossa sociedade. Nesta 4ª edição de Racismo à Brasileira enriqueceu suas reflexões sem neutralidade, sem temor dos entendimentos sacralizado se sem concessão a um certo ressentimento, propício à permanente vitimização do oprimido, isoladamente. Vitimada é toda a sociedade que consente em tal absurdo. O organismo contaminado pelo câncer não oferece não oferece salvação para qualquer membro. A sociedade racista é uma sociedade doente. O discriminador é tão aviltado em sua humanidade como o discriminado. A purgação do discriminador não salva sua vítima. O discriminado tem que construir sua própria salvação, como vem ocorrendo com os movimentos dos negros e das mulheres e de outros excluídos.

Conhecer as raízes do racismo legitima a busca por espaços humanos para além dos clichês de branqueamento ou morenização. Martiniano recorre à história, à política, à cultura e à religião. Consulta a realidade objetiva onde se atualiza o racismo e dialoga com estudiosos e testemunhas, como se pode concluir de oportunas citações e qualificada bibliografia que apresenta ao final. A tudo isso, some-se um tom de comprometimento, sendo ele mesmo um afrodescendente, que pode assumir o discurso do oprimido, porque partilha de seu destino como sertanejo migrante e a fala da gente estigmatizada pelo racismo. Como historiador, não se perde nesta contemplação narcisista, vai se nutrindo da ancestralidade e perpassa os olhos pela diacronia até aquele momento,presente,transitivo e crepuscular, que marca o encontro/ruptura, esgarçado na atmosfera crepuscular da crise.

Ninguém se salvará sozinho.

É preciso edificar um conhecer, um discurso plural, onde nenhuma das vozes poderá se perder. As novas vozes, daqueles duramente silenciados, é que enriquecerão os novos significados que contemplem a ínsita e insubstituível humanidade, independentemente do traje de uma corou outra. Martiniano continua o exercício da busca, caminho que inclui a audição às raízes, à construção dos presentes que desaguam em nossos dias. Presta um serviço generoso à historiografia do negro, à sociologia do oprimido, à estética da liberdade e a inclusão humana. Posso reafirmar que Racismo à Brasileira estará sempre ao lado de outras obras imorredouras para o reconhecimento daquilo que pode ser, cedo ou tarde, a nação brasileira.

Aidenor Aires.”

(Martiniano J. Silva, escritor, advogado, membro do Movimento Negro Unificado – MNU, da Academia Goiana de Letras e Vieirense de Letras e Artes, IHGGO, Ubego, mestre em história social – UFG, professor universitário, articulista do DM, e-mail: [email protected]))

Fonte: DM.com.br

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