A Capoeira e o Sagrado Afro-Brasileiro: Uma luta contra a intolerância racista histórica

“Batuque da Liberdade”¹

Ecoa o gingado, pulso ancestral,

Tambores trovejam, clamando pela liberdade!

Candomblé e capoeira, um só ritual,

Enraizados na luta contra a desigualdade.

Escravos rebeldes, jamais subjugados,

Criaram artes de guerra, na dança disfarçadas.

Resistência na sombra, contra os opressores ousados,

Cultivando sua essência, jamais apagadas.

Criminalização, repressão, tentativas de calar,

Não conseguiram deter esse canto de revolta!

A capoeira segue seu ritmo a rodopiar,

Rompendo as correntes, sua força incondicional!

Hoje, o gingado ecoa, revolucionário e forte,

Resiliente, afirmando a cultura afro-brasileira.

Um legado de luta, que jamais será extirpado,

Rumo a uma sociedade justa, igualitária e verdadeira!

Que o batuque sagrado ressoe como trovão,

Anunciando a chegada de uma nova era.

Onde a capoeira e o candomblé, em união,

Erguem-se, vencendo a intolerância e a quimera.

 (Herberson Sonkha, 2023) 


* Por Herberson Sonkha²

A capoeira, enquanto expressão cultural afro-brasileira, carrega uma história de resistência e luta contra a opressão e o racismo enraizados na sociedade brasileira desde os tempos imemoriais da escravidão. Intimamente ligada às religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda, a capoeira revela-se não apenas como uma prática marcial, mas também como um poderoso símbolo de identidade, espiritualidade e resistência cultural.

Nas origens da capoeira, encontramos uma realidade de violência e desumanização a que os escravizados eram submetidos. Longe de ser vista como uma simples “atividade criminosa”, a capoeira emergia como uma forma de defesa pessoal e de luta contra a opressão imposta pelos senhores de engenho e pelas forças de repressão. Sua prática, muitas vezes clandestina, refletia a tentativa de manutenção de uma identidade cultural e de uma conexão ancestral com as raízes africanas.

Essa demonização da capoeira e das religiões afro-brasileiras não se deu por acaso, mas sim como parte de um processo deliberado de apagamento e desvalorização dessas manifestações culturais pela elite branca e cristã dominante. Imbuídas de preconceitos e temendo o “poder de resistência” que essas práticas representavam, as classes dominantes buscaram, por meio de violência institucional e perseguição, suprimir e criminalizar a capoeira e as tradições religiosas afro-brasileiras.

Nesse cenário de intolerância e racismo, a capoeira e as religiões de matriz africana serviram como espaços de resistência e preservação da identidade cultural dos povos escravizados. Nesses ambientes, os elementos musicais, ritualísticos e simbólicos entrelaçavam-se, fortalecendo os laços comunitários e a conexão com a ancestralidade africana.

Hoje, apesar dos avanços e da maior aceitação da capoeira e das religiões afro-brasileiras, os resquícios dessa herança maldita ainda se fazem presentes. A múltipla expressão do racismo (estrutural, institucional, religioso e ambiental) e o fundamentalismo religioso continuam a alimentar a demonização dessas expressões culturais, perpetuando um ciclo de intolerância e violência.

Para romper esse modelo societal criado pela branquitude, é urgente a construção de uma sociedade que valorize a diversidade cultural, reconheça a importância das tradições afro-brasileiras e combata de forma efetiva o racismo em todas as suas manifestações. Esse desafio requer ações em múltiplas frentes: educação antirracista, políticas públicas de valorização das culturas marginalizadas, enfrentamento ao preconceito religioso e promoção do diálogo intercultural.

Somente quando as raízes da desigualdade forem profundamente enfrentadas, quando os legados da escravidão e do colonialismo forem superados, será possível construir uma sociedade verdadeiramente equitativa, onde a capoeira e as religiões afro-brasileiras possam florescer em sua plenitude, livre das correntes da opressão histórica. Sigamos, pois, “Um legado de luta, que jamais será extirpado, rumo a uma sociedade justa, igualitária e verdadeira! ”. 


¹  Poema de Herberson Sonkha escrito em novembro de 2023, após realizar uma palestra sobre o “Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra”.

²  Herberson Sonkha, 53, nasceu em Vitória da Conquista, Sudoeste da Bahia. Graduando em Economia (UESB). Comunista negro, poeta, candomblecista, atua nos movimentos sociais desde os anos 90, especialmente no movimento negro, ex-dirigente dos Agentes de Pastorais Negros (APN’s). Integra a Unidade Popular (UP) e o Movimento Luta de Classes (MLC), sindicalista da base do Sind. dos Emp. em Condomínios e Edifícios (SECOND). É editor do Blog do Sonkha e colunista do Conquista Repórter.


Mini biografia

Herberson Sonkha, 53, nasceu em Vitória da Conquista, na Bahia. Comunista negro, poeta, candomblecista, atua nos movimentos sociais desde os anos 90, especialmente no movimento negro, ex-dirigente dos Agentes de Pastorais Negros (APN’s). Graduando em Economia (UESB), integra a Unidade Popular (UP) e o Mov. Luta de Classes (MLC). É editor do Blog do Sonkha e colunista do Conquista Repórter.


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