A potência de mulheres negras à frente das câmeras e na direção de filmes

Em 25 de julho é celebrado o Dia Internacional da Mulher Negra Afro Latina-Americana e Caribenha. A data foi instituída em 1992, quando foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas. No Brasil, a data marca também o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, que foi sancionada em 2014 e nomeada em homenagem à líder quilombola homônima. Ambas as nomenclaturas têm como objetivo chamar a atenção para as opressões de gênero e raça às quais mulheres negras são submetidas. Ambos os aspectos são visíveis nos indicadores de violência urbana e na precarização das condições de trabalho.

Como consequência, a subrepresentação de mulheres negras é visível em diversos segmentos sociais, inclusive quando o assunto é o cinema brasileiro. De acordo com um levantamento divulgado em 2018 pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) feito com 142 filmes lançados comercialmente em 2016, nenhuma dessas obras foi dirigida por elas. Ainda, elas estavam nos elencos de apenas 5% desses trabalhos. Apesar deste cenário lamentável, elas conseguem, ainda assim, mostrar a potência delas quando atraem para si os holofotes e o controle. Confira a seguir obras nacionais protagonizadas ou dirigidas por mulheres negras.

Temporada

(Foto: Reprodução/ Teporada)

Protagonizado pela atriz Grace Passô e dirigido por André Novais Oliveira, Temporada retrata a trajetória de Juliana, mulher que sai de Itaúna, cidade do interior de Minas Gerais, e decide encontrar novos rumos para a sua vida, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, onde passa a trabalhar como agente sanitária. Esse é o ponto de partida para o filme introduzir o espectador, por meio de narrativa intimista e despretensiosa, à realidade e particularidades dos moradores da região, assim como o processo de autodescoberta da protagonista.

Bixa Travesty

(Foto: Reprodução/Bixa Travesty)

Codirigido por Claudia Priscilla e Kiko Goifman, o documentário retrata a trajetória da cantora e ativista Linn da Quebrada, transexual negra. Além de colocar em perspectiva a construção social de gêneros, o trabalho mostra como a vida de Linn da Quebrada é um processo diário de resistência e de autoafirmação quando a opressão contra pessoas negras e transexuais são interligadas.

O Caso do Homem Errado

(Foto: Reprodução/ O Caso do Homem Errado)

O documentário, que tem direção de Camila de Moraes, retrata a execução de Júlio César de Melo Pinto, jovem operário que foi executado por policiais militares no Rio Grande do Sul, em 1987. A obra foi, inclusive, a primeira produção em longa-metragem dirigida por uma mulher negra a ser lançada em 34 anos – a anterior havia sido Amor Maldito, de Adélia Sampaio, em 1984, enquanto o documentário entrou no circuito comercial em março de 2018. No entanto, o primeiro longa de ficção lançado após o hiato de mais de três décadas foi Café com Canela, codirigido por Glenda Nicácio e Ary Rosa, que estreou em agosto do mesmo ano.

Café com Canela

(Foto: Reprodução/ Café com Canela)

A cineasta Glenda Nicácio assina a direção em conjunto com Ary Rosa. Ambientada no Recôncavo Baiano, a trama retrata a relação entre Margarida, professora que entra em autorreclusão após a morte do filho, e Violeta, ex-aluna que tenta devolver a vontade de viver à antiga mestra. A obra tem também participação de do ator Babu Santana. A obra entrou para a história por ter sido a primeira ficção dirigida por uma mulher negra desde Amor Maldito, de Adélia Sampaio.

Vaga Carne

(Foto: Reprodução/ Vaga Carne)

Inspirado em monólogo teatral homônimo, o média-metragem Vaga Carne tem roteiro, direção – assinada ao lado de Ricardo Alves – e papel principal assumidos por Grace Passô. A atriz, que participou também do espetáculo cênico, interpreta uma mulher cujo corpo é invadido por uma voz que tenta movê-la e controlá-la em situações cotidianas.

No Coração do Mundo

(Foto: Reprodução/ No Coração do Mundo)

Assim como no caso de Temporada, a cidade de Contagem funciona como pano de fundo para a condução da trama. Marcos (Leo Pyrata) comete delitos considerados leves para sobreviver e, ao reencontrar Selma (Grace Passô), uma antiga amiga, ele a convence para participar da execução de um assalto de grandes proporções. Contudo, o plano, que somente pode ser colocado em prática com a participação de uma terceira pessoa, é colocado em xeque porque Ana (Kelly Crifer), namorada de Marcos, não se sente à vontade para participar.

Até o Fim

(Foto: Reprodução/ Até o Fim)

Outro longa marcado pela dobradinha entre Glenda Nicácio e Ary Rosa na direção, Até o Fim tem como fio condutor uma tragédia familiar. Geralda (Wal Diaz) recebe uma ligação do hospital na qual é informada sobre a iminente morte de seu pai. Isso a motiva a avisar suas irmãs, Rose (Arlete Dias), Bel (Maíra Azevedo) e Vilmar (Jenny Muller) sobre o fato e reuni-las. O quarteto, que não se reunia desde a morte da mãe, que ocorrera 15 anos antes, reúne-se em um quiosque à beira-mar, do qual Geralda é proprietária, e decidem acertar as contas com o passado.

As Boas Maneiras

(Foto: Reprodução/ As Boas Maneiras)

Coprotagonizado por Isabél Zuaa e Marjorie Estiano, o thriller As Boas Maneiras transita entre o terror, tensões sociais e temática LGBT. Na trama, Clara (Zuaa) é contratada por Ana (Estiano) para ser babá de seu filho ainda em gestação. Conforme a gestação avança, Ana passa a apresentar hábitos noturnos estranhos e sinistros, os quais afetam Clara de modo significativo.

Praça Paris

(Foto: Reprodução/ Praça Paris)

Dirigido por Lucia Murat (Quase Dois Irmãos), o longa-metragem tem como pano de fundo tensões sociorraciais e opressão de gênero. Na trama, Camila (Joanna de Verona), terapeuta que trabalha na UERJ, presta atendimento a Glória (Grace Passô), ascensorista da instituição. Conforme as sessões são realizadas, Glória relata à terapeuta incidentes violentos dos quais foi vítima, como abusos que sofreu de seu pai durante a infância, e o fato de seu irmão, Jonas (Alex Brasil), estar preso. Enquanto a ascensorista passa a ver Camila como uma figura essencial em sua vida, a terapeuta sente-se assustada com os relatos e ameaçada pela realidade com a qual teve contato.

Amor Maldito

(Foto: Reprodução/ Amor Maldito)

Lançada em 1984, a obra é emblemática para o cinema nacional por diversos motivos: trata-se do primeiro filme dirigido por uma mulher negra – Adélia Sampaio -, sendo por mais de três décadas o único até os lançamentos do documentário O Caso do Homem Errado, de Camila de Moraes, e da ficção Café com Canela, de Glenda Nicácio – ambos estrearam em 2018. Ainda, o longa-metragem de Sampaio retrata um romance homoafetivo. Na trama, Fernanda (Monique Lafond) e Sueli (Wilma Dias) vivem um caso intenso e decidem viver juntas; contudo, a relação começa a passar por desgastes e Sueli envolve-se com um jornalista. Ao descobrir que está grávida e posteriormente ser abandonada pelo novo affair, ela joga-se do apartamento de Fernanda – ela passa a ser suspeita de ter cometido homicídio.

Amor Maldito

(Foto: Reprodução/ Filhas do Vento)

Dirigido por Joel Zito Araújo, o longa é marcado por retrata a história de duas irmãs – Maria Aparecida (Ruth de Souza) e Maria da Ajuda (Léa Garcia) – que estiveram separadas quase 45 anos e somente puderam se reencontrar após a morte do pai, Zé das Bicicletas (Milton Gonçalves), que havia expulsado Cida de casa. Ao mesmo tempo em que as duas irmãs precisam acertar as contas entre si, elas precisam resolver questões das suas respectivas novas famílias. Vale citar que Taís Araújo interpreta a versão jovem de Maria Aparecida, enquanto Thalma de Freitas dá vida a Maria da Ajuda nessa mesma fase.

Família Alcântara

(Foto: Reprodução/ Família Alcântara)

O documentário em média-metragem retrata a história da Família Alcântara, que vivia havia mais de dois séculos em Luanda, capital da Angola, até ser escravizada e trazida à força para o Brasil, e como foi o processo de retomada das suas origens por meio da valorização cultural. A obra foi codirigida pelos irmãos Lílian e Daniel Santiago.

Ilha

(Foto: Reprodução/ Ilha)

Mais uma obra fruto da parceria entre Glenda Nicácio e Ary Rosa, a obra tem como ponto de partida o sequestro do cineasta Henrique (Aldri Anunciação), o qual foi cometido por Emerson (Renan Motta), morador de Ilha Grande, que comete o crime por um motivo curioso: ele quer que Henrique faça um filme sobre a sua vida. A relação, que no primeiro momento é baseada na dinâmica entre sequestrador e vítima, passa a ser pautada pela proximidade entre os dois conforme a narrativa se desenrola – e ficção e realidade se confundem após cada cena.

Aqui Não Entra Luz

(Foto: Reprodução/ Aqui Não Entra Luz)

Em fase final de produção, o documentário dirigido pela cineasta Karoline Maia retrata a relação existente entre as relações trabalhistas construídas no ambiente doméstico desde o período em que pessoas negras eram escravizadas até os dias atuais. O ponto de partida da narrativa é em primeira pessoa: Maia é filha de uma trabalhadora doméstica. O projeto entrou em uma campanha de financiamento coletivo, hospedada no site da Benfeitoria, cuja meta para custear o final da produção era de R$ 80 mil – o valor arrecadado superou essa marca e chegou a R$ 139.723 em 21 de julho.

+ sobre o tema

Sobre cabelos, relacionamentos e outras coisas!

Após uma atividade na minha universidade em celebração ao...

Mãe preta pode ser? Mulheres negras e maternidade

Débora Silva Maria, do Movimento Mães de Maio, há...

Quem vestiu a Globeleza?

Enviado para o Portal Geledés Engana-se os que acham que...

para lembrar

Mostra destaca a contribuição de Zózimo Bulbul para a cultura negra

O ator e cineasta Zózimo Bulbul, que morreu em...

Ruth de Souza

Ruth Pinto de Souza (Rio de Janeiro RJ 1930)....

Centro Cultural do Brasil fala sobre cinema africano

  O Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de Brasília...
spot_imgspot_img

‘Ficção Americana’, com Jeffrey Wright, é a grande surpresa do Oscar

"Ficção Americana" não é um título ao acaso. Ele trata, em forma de comédia, da crença que os Estados Unidos criou e dissemina de que se...

Novas imagens de Jaafar Jackson como Michael Jackson em cinebiografia chocam web: ‘É o próprio MJ’

Se tem uma cinebiografia que está chamando a atenção dos fãs de cinema ultimamente, essa com certeza é "Michael", longa inspirado na obra e vida de Michael Jackson. Para...

Oprah Winfrey completa 70 anos com um império de R$ 17 bilhões

A apresentadora, empresária e atriz Oprah Winfrey completa 70 anos, nesta segunda-feira, e vive um momento chave na carreira como produtora da nova versão...
-+=