A trajetória do negro na literatura brasileira

Domício Proença Filho


RESUMO

ESTE ARTIGO busca traçar o percurso do negro na literatura brasileira, como objeto, numa visão distanciada, e como sujeito, numa atitude compromissada. Destaca, de um lado, textos literários sobre o negro e, de outro, literatura do negro. Identifica, na produção literária ao longo do processo literário brasileiro, estereótipos reduplicadores da visão preconceituosa, explícita ou velada. Procura marcar a ultrapassagem do estereótipo e a assunção do negro como sujeito do seu discurso e de sua ação em defesa da identidade cultural. Nessa direção, seleciona autores e textos representativos produzidos notadamente a partir dos anos de 1970, momento de efervescência dos movimentos de auto-afirmação da etnia. Discute a designação literatura negra, entendida como aparentemente valorizadora, mas passível de converter-se em risco de fazer o jogo do preconceito velado.


ABSTRACT

THIS ARTICLE outlines the trajectory of blacks in Brazilian literature, both as an object, with a distant perspective, and as a subject, with a more assertive attitude. As result it addresses the literary text on blacks, on the one hand; and by Blacks, on the other. It identifies a long history of stereotypes, associated with a prejudice vision of Blacks, both explicitly and implicitly. It seeks to describe the moment of passage in wich the stereotype was overtaken by the affirmation of blacks as subjects of their discourse, acting in defense of own cultural worth and identity. It selects a number of representative authors and texts starting in the 1970s, a particularly vital moment of Black conciousness affirmation in Brazil. It then argues the propriety of stylingablack literature, superficially presented as a positive affirmation, but pregnant of being turned into a form of implicit prejudice.


A PRESENÇA DO NEGRO na literatura brasileira não escapa ao tratamento marginalizador que, desde as instâncias fundadoras, marca a etnia no processo de construção da nossa sociedade.

Evidenciam-se, na sua trajetória no discurso literário nacional, dois posicionamentos: a condição negra como objeto, numa visão distanciada, e o negro como sujeito, numa atitude compromissada.

Tem-se, desse modo, literatura sobre o negro, de um lado, e literatura do negro, de outro.

O negro como objeto: a visão distanciada

A visão distanciada configura-se em textos nos quais o negro ou o descendente de negro reconhecido como tal é personagem, ou em que aspectos ligados às vivências do negro na realidade histórico-cultural do Brasil se tornam assunto ou tema. Envolve, entretanto, procedimentos que, com poucas exceções, indiciam ideologias, atitudes e estereótipos da estética branca dominante.

Assim dimensionada, a matéria negra, embora só ganhe presença mais significativa a partir do século XIX, surge na literatura brasileira desde o século XVII, nos versos satíricos e demolidores de Gregório de Matos, como os do “Juízo anatômico dos achaques que padecia o corpo da República em todos os seus membros e inteira definição do que em todos os tempos é a Bahia”, poema de que vale lembrar a seguinte passagem, a propósito, manifestamente reveladora:

Que falta nesta cidade?… Verdade. 
Que mais por sua desonra?… Honra. 
Falta mais que se lhe ponha?… Vergonha.

O demo a viver se exponha, 
Por mais que a fama a exalta 
Numa cidade onde falta 
Verdade, honra, vergonha.

Quem a pôs neste rocrócio?… Negócio. 
Quem causa tal perdição?… Ambição. 
E a maior desta loucura?… Usura.

Notável desaventura 
De um povo néscio e sandeu 
Que não sabe que o perdeu 
Negócio, ambição, usura.

Quem são seus doces objetos?… Pretos. 
Tem outros bens mais maciços?… Mestiços. 
Quais destes lhe são mais gratos?… Mulatos.

Dou ao demo os insensatos, 
Dou ao demo a gente asnal, 
Que estima por cabedal 
Pretos, mestiços, mulatos1.

No século XIX, presentifica-se a visão estereotipada, que vai prevalecer até a atualidade, com alguma variação. Tomada como ponto de partida a caracterização proposta por David Brookshaw, em seu livro Raça e cor na literatura brasileira, 1983, embora com algumas ressalvas a outras colocações suas nessa mesma obra, passo a destacar os estereótipos que considero mais evidentes.

Começo pelo escravo nobre, que vence por força de seu branqueamento, embora a custo de muito sacrifício e humilhação. É o caso da escrava Isaura, do livro do mesmo nome, escrito por Bernardo Guimarães e publicado em 1872 e de Raimundo, o belíssimo mulato de olhos azuis criado por Aluísio de Azevedo em O mulato, lançado em 1881. Essa nobreza identifica-se claramente com a aceitação da submissão, apesar da bandeira abolicionista que o primeiro pretende empunhar e da denúncia do preconceito assumida pelo segundo. A fala de Isaura deixa clara a posição, como nesse diálogo com sinhá Malvina, diante da tristeza da canção entoada pela primeira:

– Não gosto que a cantes, não, Isaura. Hão de pensar que és maltratada, que és uma escrava infeliz, vítima de senhores bárbaros e cruéis. Entretanto passas aqui uma vida, que faria inveja a muita gente livre. Gozas da estima de teus senhores. Deram-te uma educação, como não tiveram muitas ricas e ilustres damas, que eu conheço. És formosa e tens uma cor linda, que ninguém dirá que gira em tuas veias uma só gota de sangue africano2
[…] 
– Mas senhora, apesar de tudo isso que sou eu mais do que uma simples escrava? Essa educação, que me deram, e essa beleza, que tanto me gabam, de que me servem?… São trastes de luxo colocados na senzala do africano. A senzala nem por isso deixa de ser o que é: uma senzala. 
– Queixas-te de tua sorte, Isaura? 
– Eu não, senhora: apesar de todos esses dotes e vantagens, que me atribuem, sei conhecer o meulugar3 (O grifo é meu).

Raimundo, por sua vez, desconhecedor de sua origem de mãe escrava, sabida, porém“por quantos conheceram os seus parentes no Maranhão”4, também faz uma severa auto-avaliação, na cena de sua quase renúncia, que só não se consuma por força do determinismo biológico e circunstancial que comanda os comportamentos no romance:

– Não chores, minha flor… […] Tens toda a razão… perdoa-me se fui grosseiro contigo! mas que queres? Todos nós temos orgulho, e a minha posição a teu lado era tão falsa!…Acredita que ninguém te amará mais do que te amo e desejo! Se soubesses, porém quanto custa ouvir cara-a-cara: “Não lhe dou minha filha porque o senhor é indigno dela, o senhor é filho de uma escrava!” Se dissessem: “É porque é pobre!” que diabo! – eu trabalharia! Se dissessem: “É porque não tem a posição social!” juro-te que a conquistaria, fosse como fosse!” É porque é um infame! um ladrão! um miserável!” eu me comprometeria a fazer de mim o melhor dos homens de bem! Mas um ex-escravo, um filho de negra, um – mulato! – E como hei de apagar a minha história da lembrança de toda esta gente que me detesta?5

No momento em que se explicita a gravidez de Ana Rosa, seu comportamento é ainda mais revelador:

– O senhor é um malvado! Invectivou o pobre pai, afastando-se para um canto a soluçar. 
O rapaz foi ter com ele e pediu-lhe humildemente que lhe perdoasse e lhe desse Ana Rosa poresposa6.

Verdade que, no final, Raimundo reage, irritado, e toma posição, o que lhe custará a própria vida.

À nobreza de caráter de Isaura e de Raimundo associa-se outra dimensão estereotipada: a do negro vítima, sobretudo quando escravo. Nessa óptica, ele se transfigura em objeto de idealização, pretexto para a exaltação da liberdade e defesa da causa abolicionista, como nos empolgados versos de Castro Alves, poeta romântico. “O navio negreiro”, por exemplo, um de seus textos antológicos, destaca a desumanidade que marcava o tráfico dos escravos, então já abolido. Outro poema, “A cruz da estrada”, situa a redenção pela morte, onde o escravo encontraria a sua plena liberdade: não há lugar para ele nessa sociedade, mas em compensação, a natureza cuida do seu túmulo e dele será o reino dos céus. O poeta baiano não atribui, na quase totalidade dos seus poemas sobre a escravidão, qualquer movimento de reação ou de revolta ao escravo, marcado pela atitude resignada. A África personificada lamenta a sua sorte e termina por pedir perdão para os seus crimes (!):

Mas eu, Senhor!… Eu triste abandonada 
Em meio das areias esgarrada, 
Perdida marcho em vão!

Se choro… bebe o pranto a areia ardente: 
Talvez… pra que meu pranto, ó Deus clemente! 
Não descubras no chão!

…………………………………………………………..

Basta, Senhor! Do teu potente braço 
Role através dos astros e do espaço 
Perdão pros crimes meus!…

Há dois mil anos… eu soluço um grito…
  Escuta o brado meu lá do infinito,
  Meu Deus! Senhor, meu Deus!7

Em “O navio negreiro”, o apelo a que empunhem a bandeira da libertação é feito aos “heróis do Novo Mundo”, a Andrada, o patriarca da independência brasileira, a Colombo, o descobridor da América. Zumbi nem pensar… Vejo exceções no final de “A criança” (“Amigo, eu quero o ferro da vingança”), também na última estrofe de “Bandido negro”: (“Cai orvalho do sangue do escravo/Cai orvalho da face do algoz./Cresce, cresce vingança feroz”), nas associações imagísticas de “Saudação a Palmares”, na vingança individualizada de Lucas, em quem o “selvagem” emerge para lavar a honra da mulher amada. Repare-se que a ênfase, nesses casos, recai sempre no ato vingativo, nunca no problema central, que seria a luta pela liberdade ou a referência a posicionamentos coletivos, isto numa época em que Palmares e outros quilombos já eram realidades.

Estamos diante de uma poesia que não foge à tônica do seu tempo, necessário dizê-lo. Apesar do seu empenho consciente e do seu entusiasmo, o poeta não consegue livrar-se, nos seus textos, das marcas profundas de uma formação desenvolvida no bojo de uma cultura escravista. O que move a sua indignação é, sobretudo, o sofrimento do negro, que ele vê como ser humano, e mais a necessidade de a nação livrar-se da mancha da escravidão. Ele, como percebeu José Guilherme Merquior, “não busca a especificidade cultural e psicológica do negro; ao contrário, assimilando-lhe o caráter aos ideais de comportamento da raça dominante, branqueia a figura moral do preto, facilitando-lhe assim a identificação simpática das platéias burguesas com os sofrimentos dos escravos”8.

Curiosamente, é por essa via que acredito se possa dimensionar a sua contribuição à causa da abolição. No momento em que o negro é extremamente coisificado, importa para a campanha afirmar, em altos brados, a sua condição humana e contribuir assim para instalar na burguesia a culpa moral da escravidão. Por outro lado, a afirmação da liberdade era um dos ideais da ideologia predominante. Se em sua visão idealizadora o poeta não consegue escapar do estereótipo, se ele não dá voz ao negro, mas se comporta como um advogado de defesa que quer comover a platéia e provar a injustiça da situação que denuncia, tenhamos presente, entretanto, que é ele quem assume, na literatura brasileira, o brado de revolta contra a escravidão, abre espaços para a problemática do negro escravo, num momento histórico em que o negro era, como assinala Antonio Candido, “a realidade degradante, sem categoria de arte, sem lenda histórica”9. Trata-se, inegavelmente, de um notável feito para a época.

Ainda sob a perspectiva idealizante do Romantismo, sai a lume, em 1864, um poema que se destaca dos demais de seu tempo, ao retratar um negro de perfil heróico e consistente: trata-se de “Mauro, o escravo”, de Fagundes Varela. O texto, entretanto, valoriza o negro mas não consegue afastar-se da tendência ao branqueamento.

É um momento em que também emerge o negro infantilizado, serviçal e subalterno, que se encontra, por exemplo, em peças de teatro como O demônio familiar, de José de Alencar, e O cego, de Joaquim Manuel de Macedo. Esse estereótipo permanece, associado à animalização, na figura da Bertoleza, do romance O cortiço(1900), de Aluísio Azevedo:

Bertoleza é que continuava na cepa torta, sempre a mesma crioula suja, sempre atrapalhada de serviço, sem domingo nem dia santo: essa, em nada, em nada absolutamente, participava das novas regalias do amigo: pelo contrário, à medida que ele galgava posição social, a desgraçada fazia-se mais e mais escrava e rasteira. João Romão subia e ela ficava cá embaixo, abandonada como uma cavalgadura de que já não precisamos para continuar a viagem10.

Verdade que textos sem maior representatividade literária, ainda que a serviço da causa abolicionista, por vezes dão voz ao negro: é o caso de Trajano Galvão de Carvalho, com O calhambola, centrado num escravo orgulhoso, embora resignado.

Em situação oposta, presentifica-se o escravo demônio, tornado fera por força da própria escravidão, e que aparece, por exemplo, num romance pouco divulgado do mesmo Joaquim Manuel de Macedo, que tem por títuloAs vítimas-algozes (1873 e 1896), e no ainda menos conhecido romance de José do Patrocínio denominado Mota Coqueiro (1877); destaca-se também em O rei negro (1914) romance de Coelho Neto, e em A família Medeiros(1892), de Júlia Lopes de Almeida. Na maioria dos casos, o negro figura como personagem secundário, como contraponto social.

Da condição de fera à perversão o caminho é curto. E o negro pervertido ganha a cena no excelente romance O bom crioulo (1885), de Adolfo Caminha, uma história de homossexualismo, corajosíssima, para aquele momento, e em A carne (1888), de Júlio Ribeiro, onde, segundo o narrador, a liberação dos instintos de Lenita, a branca personagem central, se deve à promiscuidade com os escravos. Daí para a conclusão de que a raça negra é inferior a distância é curtíssima, como O presidente negro (1926), de Monteiro Lobato, deixa entrever.

Instinto liricizado é a marca do sofrido Juca Mulato (1917), poema de Menotti del Picchia. Apesar da aparente valorização do mestiço, tomado como centro de referência e caracterizado simpaticamente no seu mundo emocional por um “narrador” distanciado, retoma-se a demonstração de que os mulatos também sentem. Destacar esse personagem ainda era, entretanto, uma atitude inusitada e vanguardista na época da publicação do texto.

O negro ou o mestiço de negro erotizado, sensualíssimo, objeto sexual, é uma presença que vem desde a Rita Baiana, do citado O cortiço, e mesmo do mulato Firmo, do mesmo romance, passa pelos poemas de Jorge de Lima, como “Nega Fulô”, suaviza-se nos Poemas da negra (1929), de Mário de Andrade e ganha especial destaque na configuração das mulatas de Jorge Amado. A propósito, a ficção do excepcional romancista baiano contribui fortemente para a visão simpática e valorizadora de inúmeros traços da presença das manifestações ligadas ao negro na cultura brasileira, embora não consiga escapar das armadilhas do estereótipo. Basta recordar o caso do ingênuo e simples Jubiabá, do romance do mesmo nome, lançado em 1955, e da infantilizada e instintiva Gabriela, de Gabriela, cravo e canela (1958), para só citar dois exemplos. A seu favor, o fato de que, na esteira da tradição do romance realista do século passado no país, a maioria de suas estórias inserem-se no espaço da literatura-espelho e, no caso, refletem muito do comportamento brasileiro em relação às mulheres que privilegia.

Ainda na galeria do estereótipo, que não tenho pretensão de esgotar, vale assinalar a figura do negro exilado na cultura brasileira, como tem sido apontado por alguns críticos e de que um exemplo se encontra em Urucungo(1933), livro de poemas de Raul Bopp.

A prevalência da visão estereotipada permanece dominante, aliás, na literatura brasileira contemporânea, pelo menos até os anos de 1960, quando começam a surgir, paralelamente, textos compromissados com a real dimensão da etnia.

Cito alguns exemplos representativos do primeiro posicionamento.

  1. Corpo vivo (1962), romance de Adonias Filho, o negro fiel é o personagem Setembro, símbolo da antiviolência, responsável pela educação cristã do herói Cajango, antes da preparação deste último para a vingança, companheiro de luta quando o herói assume a sua inglória e cruenta missão.

Outro negro da obra de Adonias é Olegário, no romance O forte (1965), uma caixa “cheia de histórias”. É ele o personagem porta-voz, a memória. Trata-se de uma narrativa que focaliza “um drama humano em torno do forte, o forte em torno de Salvador e o fundo histórico de Salvador em torno de ambos”, como resume o próprio autor. Acrescento o que ele não disse e o romance revela: a reconstrução da vida, com a destruição do passado e da violência. É o que fazem os personagens Jairo e Tibiti, enquanto Olegário conduz a narrativa, ele, nesse passado, um negro santo e demônio, protetor e vingador, terno e violento, preto velho contador de histórias, embora sem qualquer traço de linguagem especificamente reveladora. O experimentalismo de Adonias não se preocupa com a dimensão mimética a esse nível.

A tentativa de uma visão integradora aparece em Luanda Beira Bahia (1971), uma trágica história de amor passada no tríplice espaço geográfico indiciado pelo título do romance. Destaca-se o estereótipo da morena sensual na personagem Iuta.

Já os contos de Edilberto Coutinho, no âmbito da literatura-denúncia, trazem o negro injustiçado e ressentido de “O fim de uma agonia”. Apresentam a mitificação/desmitificação do negro Pelé, em “O rei nu”, e em “Tem explicação, doutor?”, a caracterização da consciência desesperada do negro jogador de futebol e joguete na mão dos empresários; o novo passageiro de um singular “Navio negreiro”, título do conto, o contraste entre a negra favelada que ganha fama e paga caro por isso e a branca privilegiada e nobre, em”Mulher na jogada”. Não conseguem, porém, evitar o estereótipo em “Um negro vai à forra”, onde desponta como personagem principal o negro Bira, marginal, violento, passional, agressivo:

– Um jogado fora, biscateiro do cais. Se arranjara com Wilma. Branca, ela. 
Dizia que se amarrava no seu tição: demais. Mas vinha acontecendo o que não estava no traçado da idéia do negro Bira. Gamado de verdade estava ele. A gamação só fazendo aumentar cada dia. Um cachorro sarnento, se sentia agora. Um negro fedorento, imprestável11.

Essa paixão o levará ao crime. Num sonho, tira a vida da amante, ciumento de sua prostituição e, na realidade, troca a sua morte efetiva pela do desconhecido que riu debochado do seu ciúme no espaço real do bar do cais do porto, onde a encontrara com o garotão louro do estrangeiro.

No teatro, um exemplo significativo é o Cristo de Ariano Suassuna, na cena culminante do julgamento do Auto da Compadecida. O estranhamento da popular figura folclórica do personagem João Grilo, diante de sua caracterização como negro é sintomaticamente revelador:

Fala o “Encourado” (de costas, grande grito, com o braço ocultando os olhos):

– Quem é? É Manuel? 
MANUEL: – Sim, é Manuel, o Leão de Judá, o Filho de Davi. Levantem-se todos pois vão ser julgados. 
JOÃO GRILO: – Apesar de ser um sertanejo pobre e amarelo, sinto que estou diante de uma grande figura. Não quero faltar com o respeito a uma pessoa tão importante, mas se não me engano, aquele sujeito acaba de chamar o senhor de Manuel. 
MANUEL: – Foi isso mesmo, João. Esse é um dos meus nomes, mas você pode me chamar também de Jesus, de Senhor, de Deus… Ele gosta de me chamar de Manuel ou Emanuel, porque assim quer se persuadir de que sou somente homem. Mas você, se quiser, pode me chamar de Jesus. 
JOÃO GRILO: – Jesus? 
MANUEL: – Sim. 
JOÃO GRILO: – Mas espere, o senhor é que é Jesus? 
MANUEL: – Sou. 
JOÃO GRILO: – Aquele a quem chamavam Cristo? 
JESUS: – A quem chamavam, não, que era Cristo. Sou, por quê? 
JOÃO GRILO: – Porque… não é lhe faltando com o respeito não, mas eu pensava que o senhor era muito menos queimado12.

Segue-se um protesto do Bispo, a reprimenda do Cristo por ele ter mandado João Grilo calar-se chamando-o de atrevido e a sintomática observação complementadora deste último:

JOÃO GRILO: – Muito bem. Falou pouco, mas falou bonito. A cor pode não ser das melhores, mas o senhor fala bem que faz gosto.

A fala seguinte do Cristo, justificando a figura que assumira é também culturalmente reveladora:

MANUEL: – Muito obrigado, João, mas agora é sua vez. Você é cheio de preconceito de raça. Vim hoje assim de propósito, porque sabia que ia despertar comentários. Que vergonha! Eu, Jesus, nasci branco e quis nascer judeu, como podia ter nascido preto. Para mim tanto faz um branco ou um preto. Você pensa que sou americano para ter preconceito de raça?13

A passagem citada fala por si. Repare-se que nem Deus pode ser negro sem despertar estranheza até do homem simples do sertão, e o próprio Cristo tem necessidade de se explicar.

Ainda no âmbito teatral, Vinícius de Moraes atualiza e carioquiza a tragédia grega, ao transpô-la para a realidade urbana do Rio de Janeiro, em sua peça Orfeu negro (1954) e a etniza simpaticamente, destacada a relação entre o negro e a música popular brasileira. A peça, entretanto, não se centraliza em questões especificamente ligadas à condição do negro; prende-se mais à dimensão trágica da história grega, ponto de partida. Tanto que o autor esclarece, em nota ao texto, que “todas as personagens da tragédia devem ser normalmente representadas por atores da raça negra, não importando isso em que não possa ser, eventualmente, encenada com atores brancos”.

Propositadamente selecionei exemplos em que atuam personagens representativos da classe média urbana, da realidade rural, da marginalidade e um sertanejo carregado de folclore e de literatura popular. Todos criados por autores contemporâneos, cujos textos demonstram uma preocupação com retratar aspectos marcantes da realidade sociocultural do nosso país.

Na ultrapassagem do estereótipo, surgem, na década de 1980, ainda que à luz de visões distanciadas, obras preocupadas em resgatar a figura do negro. Está entre elas o romance Os tambores de São Luís (1985), de Josué Montello, que não é negro nem mestiço assumido de negro, nem na aparência física nem na confissão biográfica, obra onde o autor pretende realizar, como informa a própria orelha do livro, “a grande saga do negro brasileiro, nas suas lutas, nos seus dramas e na sua tragédia […] O resgate de uma velha dívida – a dívida contraída para com a raça negra em nosso país e que merecia, de nossa literatura, o seu canto em prosa, a sua verdade, a sua denúncia”14. Esse propósito se traduz numa história em que se evidencia, e a professora brasileira Zilá Bernd o assinala, um exemplo de consciência negra dilacerada, o que efetivamente se dá, na medida em que nela se configura o personagem negro dividido entre o mundo branco de sua circunstância e o mundo de sua ancestralidade e etnia. Outra tentativa de atitude revalidadora da história do negro encontra-se em Viva o povo brasileiro (1984), de João Ubaldo Ribeiro, no caso integrada à preocupação de buscar, na transfiguração da arte literária, a caracterização da gente do Brasil, a partir da retomada ficcional do processo de formação do país. Em destaque, a luta permanente pela liberdade, com a consciência de que, como sabia o personagem Dandão, “a liberdade de um não era nada sem a liberdade de todos e a liberdade não era nada sem a igualdade e a igualdade há que estar dentro do coração e da cabeça, não pode ser comprada nem imposta”15. São narrativas amplas, cuja apreciação pormenorizada escapa aos objetivos deste trabalho, dada a multiplicidade de aspectos que envolvem. Merece também referência a posição revelada nos romances do ciclo do açúcar, escritos por José Lins do Rego, nos quais, entre outras atitudes, se trata do percurso do negro em ambiente brasileiro contemporâneo e se contam histórias de usinas onde o braço negro tem atuação relevante.

Nesse espaço literário marcado pelo distanciamento, situam-se também obras de escritores negros e, em número maior, mestiços de negros reconhecidos ou não como tal, nas quais a matéria negra é eventualmente tratada, num ou noutro texto. É o caso, por exemplo, de Domingos Caldas Barbosa (1740?-1800), filho de pai português e mãe africana, que assume, eventualmente, na sua Viola de Lereno (1798, t. 1 e 1826, t. 2) essa condição. São bastante citados os versos com que se dirige ao seu contemporâneo, o Pe. Antônio de Sousa Caldas:

Tu és Caldas, eu sou Caldas; 
Tu és rico, e eu sou pobre; 
Tu és o Caldas de Prata; 
Eu sou o Caldas de cobre16.

Gonçalves Dias, reconhecidamente uma das mais altas expressões da poesia do Romantismo brasileiro, filho de pai português e mãe cafuza, assina um poema “A escrava” (1846), e um texto em prosa, “A meditação” (1849); nenhuma condenação aberta à escravidão, mas a denúncia-lamento da situação de opressão. Referências sutis são encontradas em O horto (1900), da preta Auta de Sousa (1876-1901), formada em colégio de religiosas francesas.

Na obra do mulato Mário de Andrade (1893-1945), encontro algumas passagens reveladoras de uma posição dividida, a acreditar-se na identidade entre o eu lírico e o poeta. Na “Meditação do Tietê” aparece uma referência à vinculação com a etnia:

Eu me sinto grimpado no arco da Ponte das Bandeiras,
Bardo mestiço, e meu verso vence a corda
Da caninana sagrada, e afina com os ventos dos ares, e
  [enrouquece
Úmido nas espumas das águas do meu rio
E se espatifa nas dedilhações brutas do incorpóreo
  [Amor17

Os seus “Poemas da negra” (1929) exaltam a beleza da raça, à luz da relação amorosa valorizadora:

Você é tão suave, 
Vossos lábios suaves 
Vagam no meu rosto, 
Fecha meu olhar. 
Sol-posto. 
É a escureza suave 
Que vem de você, 
Que se dissolve em mim18.

O herói Macunaíma, do romance do mesmo nome, de sua autoria, é, nas suas mutações, singularmente representativo, quando nasce preto e vira branco. Os versos do “Improviso do mal da América”, entretanto, situam, na passagem que segue, outro posicionamento:

Grito imperioso da brancura em mim…
[…]
Me sinto branco, fatalizadamente um ser de mundos que
  [nunca vi
[…]
Não acho nada, quase nada, e meus ouvidos vão escutar
  [amorosos
Outras vozes de outras falas de outras raças, mas formação,
  [mas forçura.
Me sinto branco na curiosidade imperiosa de ser.
Mas eu não posso me sentir negro nem vermelho!
Decerto que essas cores também tecem minha roupa arlequinal
Mas eu não me sinto negro, mas eu não me sinto vermelho,
Me sinto só branco, relumeando caridade e acollhimento,
Purificado na revolta contra os brancos, as pátrias,
as guerras, as posses, as preguiças e as ignorâncias
Me sinto só branco agora, sem ar neste arlivre da América!
Me sinto só branco em minha alma crivada de raças!19

Como acontece com Mário de Andrade, a biografia oficial de Jorge de Lima, pelo menos a publicada nas histórias e nos dicionários de literatura brasileira de que tenho notícia, e ainda as que figuram em seus livros, não apontam vinculação alguma com a ascendência negra, embora, como atestam os que os conheceram pessoalmente, eram evidentes em ambos traços físicos caracterizadores da mestiçagem. Curiosamente, costuma-se conceder ênfase à sua nordestinidade20.

Condições epidérmicas à parte, entendo que, na tentativa de dar voz aos negros, Jorge de Lima é outro escritor que termina por falar sobre os negros. Há nos seus versos, é verdade, a tentativa de exaltação mitificadora da Serra da Barriga, no poema do mesmo nome, da contribuição africana às comidas da Bahia (“Comidas”), da beleza sedutora da mulher negra, mesmo na condição de escrava, mas, no caso, associada à imagem de ladra e destruidora de lares, por força de sua sensualidade e de seu erotismo (“Essa nega fulô”). Por outro lado, contêm referências às práticas religiosas (“Benedito Calunga”, “Obambá é batizado”, “Rei é Oxalá, rainha é Iemanjá”), lembrança nostálgica da babá negra (“Ancila negra”), canto de esperança redentora (“Olá, negro”). Em todos os poemas, porém, a visão é simpática, mas distanciada e não comprometida diretamente, mesmo nesse último, em que se assume bandeira de libertação. Esse texto é, aliás, o único que se aproxima do negro como indivíduo e cidadão contemporâneo do poeta, o único, portanto, que se caracteriza por um dimensionamento social objetivamente situado, para além da sentimentalidade e da folclorização.

Já a posição de Machado de Assis tem merecido considerações especiais. Há quem defenda que o fato de um mulato ter-se tornado um dos maiores, senão o maior dos escritores brasileiros, é altamente significativo para a causa da afirmação da etnia, embora não se encontre em sua obra ficcional uma assunção ideológica nesse sentido. Outros criticam a ausência em seus textos de problemática ou temática negra positivamente dimensionada e vergastam o seu branqueamento, numa atitude tão racista quanto a que discrimina os negros. Outros mais consideram que a sua crítica mordaz à sociedade brasileira de seu tempo revela um modo de participação que o vincularia a uma certa literatura-denúncia. De minha parte, entendo que a literatura machadiana é indiferente à problemática do negro e dos descendentes de negro, como ele. Mesmo os dois contos que envolvem escravos, “O caso da vara” e “Pai contra mãe”, não se centralizam na questão étnica, mas no problema do egoísmo humano e da tibieza de caráter. Os demais tipos negros ou mestiços participam como figurantes em histórias que, no nível do conteúdo manifesto ou do realismo de detalhe, constituem reflexo da realidade social que pretendem retratar. O distanciamento se evidencia também no espaço da crônica. São significativas as passagens do texto datado de 19 de maio de 1888:

Eu pertenço a uma família de profetas après coup, post factum, depois do gato morto, ou como melhor nome tenha em holandês. Por isso digo, e juro se necessário for, que toda a história desta lei de 13 de maio estava por mim prevista, tanto que na segunda-feira, antes mesmo dos debates, tratei de alforriar um molecote que tinha, pessoa de seus dezoito anos, mais ou menos. Alforriá-lo era nada; entendi que, perdido por mil, perdido por mil e quinhentos, e dei um jantar. 
[…] 
No golpe do meio (coup de milieu,mas eu prefiro falar a minha língua), levantei-me e eu com a taça de champanha e declarei que, acompanhando as idéias pregadas por Cristo, há dezoito séculos, restituía a liberdade ao meu escravo Pancrácio; que entendia que a nação inteira devia acompanhar as mesmas idéias e imitar o meu exemplo; finalmente, que a liberdade era um dom de Deus, que os homens não podiam roubar sem pecado21.

Cruz e Sousa, o notável poeta do simbolismo brasileiro, é outro caso singular. Negro, filho de escravos alforriados, com nome, sobrenome e educação esmerada ganhos dos senhores de seus pais, tendo sofrido amargamente a violência do preconceito que o impediu, entre outras discriminações, de assumir o cargo de promotor público em Laguna, deixa entrever na sua obra as marcas do conflito em que se dilacerava. No plano da ação, assume a luta contra a opressão racial e, entre outras atividades, dirige o jornalzinho O Moleque,significativo desde o título, e deixa nove poemas e dois textos em prosa comprometidos com a causa abolicionista. Sua obra literária, entretanto, evidencia uma posição dividida e conflitada. A confissão de “O emparedado” não deixa margem a dúvidas, como se pode perceber nas seguintes passagens, entre outras:

O temperamento entortava muito para o lado da África: – era necessário fazê-lo endireitar inteiramente para o lado Regra, até que o temperamento regulasse certo como um termômetro! 
[…] 
Num impulso sonâmbulo para fora do círculo sistemático das fórmulas preestabelecidas, deixei-me pairar, em espiritual essência, em brilhos inatingíveis, através dos nevados, gelados e peregrinos caminhos da Via-Láctea… 
E é por isso que eu ouço, no adormecimento de certas horas, nas moles quebreiras de vagos torpores enervantes, na bruma crepuscular de certas melancolias na contemplatividade de certos poentes agonizantes, uma voz ignota, que parece vir do fundo da Imaginação ou do fundo do mucilaginosos do Mar ou dos mistérios da Noite – talvez acordes da grande Lira noturna do Inferno e das harpas remotas de velhos céus esquecidos, murmurar-me: 
– Tu és de Cam, maldito, réprobo, anatematizado! Falas em Abstrações, em Formas, em espiritualidades, em Requintes, em Sonhos! Como se tu fosses das raças de ouro e da aurora, se viesses de arianos, depurados por todas as civilizações, célula por célula, tecido por tecido, cristalizado o teu ser num verdadeiro cadinho de idéias, de sentimentos – direito, perfeito, das perfeições oficiais dos meios convencionalmente ilustres! […] 
Artista! Podes lá isso ser se tu és d’África, tórrida e bárbara, devorada insaciavelmente pelo deserto, tumultuada de matas bravias, arrastada sangrando no lodo das Civilizações despóticas, torvamente amamentada com o leite amargo e venenoso da Angústia!22

Filho dessa África que ele chama ainda de “gemente, criação colorosa e sanguinolenta de Satãs rebelados”, “grotesca e triste, melancólica gênese assombrosa de gemidos”, “África de Suplícios, sobre cuja cabeça nirvanizado pelo desprezo do mundo Deus arrojou toda a peste letal e tenebrosa das maldições eternas”, que lhe resta? ele mesmo responde, com a saída pela evasão: deixar-se “para sempre perdidamente alucinado e emparedado dentro do teu Sonho”23.

E na sua poesia, essa visão negativa se corrobora, sobretudo quando associa à cor branca as qualidades do ideal e ao negro os mesmos aspectos dolorosos e viciosos que vincula à África de origem. Autoconvertido em vítima da fatalidade de sua cor, o poeta lamenta a sua condição de emparedado e procura, como assinala Alfredo Bosi, a solução pela sublimação24. Vale acrescentar, ainda nas palavras do mesmo crítico em percuciente ensaio, que

Compondo a prosa poética do “Emparedado”, que fehca o livro das Evocações, foi possível a Cruz e Sousa lançar o seu protesto contra os argumentos da ideologia dominante no discurso antropológico. Trata-se de um fenômeno notável de resistência cultural pelo qual o drama de uma existência, que é sobretudo subjetivo e público ao mesmo tempo, sobe ao nível da consciência inconformada e se faz discurso, entrando, assim, de pleno direito, na história objetiva da cultura25.

Em síntese, no âmbito do distanciamento que procurei caracterizar, consciente de não ter esgotado todos os exemplos representativos, notadamente em relação à produção literária do último século e do começo do atual, predomina o estereótipo. O personagem negro ou mestiço de negros caracterizado como tal ganha presença ora como elemento perturbador do equilíbrio familiar ou social, ora como negro heróico, ora como negro humanizado, amante, força de trabalho produtivo, vítima sofrida de sua ascendência, elemento tranqüilamente integrador da gente brasileira, em termos de manifestações. Zumbi e a saga quilombola não habitam destaques nesse espaço.

Por outro lado, os protagonistas de romances e de muitos poemas, quando escravos, são originariamente, como destaca Antonio Candido, mulatos, a fim de que o autor possa dar-lhes traços brancos, e, deste modo, encaixá-los nos padrões da sensibilidade branca.

Essa poetização da figura do negro, mais configurada nas manifestações literárias do século XIX, culminou por tornar-se, segundo penso, uma faca de dois gumes: se, como quer ainda o mesmo Antonio Candido, conseguiu impor a dignidade humana do negro, por outro lado passou a ser uma via de saída confortável para o preconceito presente na realidade brasileira, na medida em que acabou escoando na aceitação do negro e do mestiço de negro reconhecido como tal enquanto emocionalmente e socialmente bem comportados, dóceis, resignados e que, como Isaura, sabem reconhecer o lugar que socialmente lhes foi imposto.

Tal imagem, entretanto, vem-se diluindo desde as duas décadas finais do século passado, diante dos posicionamentos daqueles que seguem empenhando na luta pela afirmação cultural e pela legítima e devida integração do negro à sociedade brasileira, para além dos estereótipos e das distorções.

O negro como sujeito: a atitude compromissada

A literatura do negro surge com as obras de alguns pioneiros, como o irônico Luís Gama (1850-1882), filho de africana com fidalgo baiano e o primeiro a falar em versos do amor por uma negra. É também destacado pelas estrofes satíricas da “Bodarrada” (“Quem sou eu?”), de que transcrevo um fragmento:

Eu bem sei que sou qual Grilo 
De maçante e mau estilo; 
E que os homens poderosos 
desta arenga receosos, 
hão de chamar-me tarelo, 
bode, negro, Mongibe.

Porém eu, que não me abalo, 
vou tangendo o meu badalo 
com repique impertinente, 
pondo a trote muita gente. 
Se negro sou, se sou bode, 
pouco importa. O que isto pode?

Bodes há de toda a casta, 
pois que a espécie é muito vasta… 
Há cinzentos, há rajados, 
baios, pampas e malhados, 
bodes negros, bodes brancos, 
e, sejamos todos francos, 
uns plebeus e outros nobres,

bodes ricos, bodes pobres, 
bodes sábios, importantes, 
e também alguns tratantes… 
Aqui, nesta boa terra, 
marram todos, tudo berra26.

Outro exemplo é o mulato Lima Barreto (1881-1922), o excepcional ficcionista em cuja obra, vinculada à realidade social urbana e suburbana do Rio de Janeiro, se destaca, a propósito, o romance Clara dos Anjos,escrito em 1922 (1948, ed. póstuma), a história de uma mulata, filha de um carreteiro de subúrbio, iludida, traída e sofrida por causa de sua cor. Um texto denunciador do preconceito, portanto, em que a fala final da personagem, impotente diante da injustiça, impacta pelo tom desesperançado: “– Nós não somos nada nesta vida”. A dilaceração também se revela com realismo carregado de vivência pessoal nas Recordações de Isaías Caminha27.

O posicionamento engajado só começa a corporificar-se efetivamente a partir de vozes precursoras, nos anos de 1930 e 1940, ganha força a partir dos anos de 1960 e presença destacada através de grupos de escritores assumidos ostensivamente como negros ou descendentes de negros, nos anos de 1970 e no curso da década de 1980, preocupados com marcar, em suas obras, a afirmação cultural da condição negra na realidade brasileira. As vozes continuam nos anos de 1990 e na atualidade, embora com menor presença na repercussão pública28.

Essa tomada de posição literária relaciona-se com os movimentos de conscientização dos negros brasileiros que marcam o início do século atual e vem ganhando contornos mais nítidos e definidos ao longo desse período histórico, com maior ou menor evidência.

Data de 1915 o aparecimento, na imprensa, de periódicos especializados, entre eles, Menelik (1915-1935), O Clarim da Alvorada (1924-1937), Voz da raça (1924-1937); em 1931 surge a Frente Negra Brasileira. Segue-se o interregno da ditadura getuliana. As vozes voltam a clamar a partir de 1945, através, entre outras publicações, de Mundo Novo, Novo Horizonte, Alvorada. Nesse mesmo ano, funda-se a Associação de Negros Brasileiros; de 1944 é a criação do Teatro Experimental do Negro, onde se ressalta a figura de Abdias do Nascimento, também fundador, em 1968, do Museu de Arte Negra. Data de 1978 a fundação do Movimento Unificado contra a Discriminação Racial (MNUCAR), depois Movimento Negro Unificado (MNU). Deste mesmo ano é a criação, em São Paulo, do Centro de Cultura e Arte Negra. No âmbito oficial, cria-se, nos anos de 1980, a Fundação Palmares. São algumas das publicações, entidades e movimentos de posições diferenciadas quanto ao equacionamento do problema, mas todas com o mesmo núcleo de preocupação: a causa do negro brasileiro29.

Pouco a pouco, escritores negros e descendentes de negros começam a manifestar em seus escritos o comprometimento com a etnia.

É o caso do precursor Lino Guedes (1897-1951), autor, entre outros títulos, de O canto do cisne preto (1926),Urucungo (1936) e Negro preto cor da noite (1936): sua poesia é marcadamente irônica, com alguma dose de autocomplacência e apelos de afirmação racial bem comportada. Estão no primeiro caso os seguintes versos:

Se porventura mel fosse 
Não seria assim tão doce 
O sorriso de Pai João 
Que apesar de sofrer tanto 
De ninguém, tal como um santo, 
Guarda rancor ou paixão! 
[…] 
A lenda triste do Congo, 
Criada em noites de jongo, 
Quando sorria Pai João, 
Aos nossos olhos desfia, 
Dizendo com ironia: 
– Que história linda, pois não?30

Exemplo da segunda posição é o poema “Novo rumo”:

“Negro preto cor da noite”, 
Nunca te esqueças do açoite 
que cruciou tua raça.

Em nome dela somente 
faze com que nossa gente 
um dia gente se faça!

Negro preto, negro preto 
sê tu um homem direito 
como um cordel posto a prumo!

É só do teu proceder 
que por certo há de nascer 
a estrela do novo rumo!31

Outro combatente da velha guarda é Solano Trindade (1908-1973), legitimado pela tradição literária brasileira, mas não pela matéria negra de seu texto e sim pelo posicionamento político-social; o seu poema presente na coletânea Violão de rua (1962), antologia representativa de uma das tentativas de renovação poética pós-modernista, fala que “tem gente com fome”. Mas também são dele textos como, por exemplo, “Navio negreiro”, onde se lêem, entre outros, os versos:

Lá vem o navio negreiro 
Cheio de melancolia 
Lá vem o navio negreiro 
Cheinho de poesia…

Lá vem o navio negreiro 
Com carga de resistência 
Lá vem o navio negreiro 
Cheinho de inteligência32.

Entre os pioneiros da arte feita por negros, situa-se ainda o citado Abdias Nascimento, autor de inúmeros livros de poemas, entre eles, Axés do sangue da esperança (1983), em que se configura uma tentativa de resgate dos mitos e rituais da cultura negra33.

Os outros autores assumidos embarcaram, na sua maioria, nas naves da chamada poesia marginal ou independente. São, com raras exceções, produtores dos próprios livros.

Os propósitos de afirmação étnica e de identidade cultural, o espírito de grupo, aliados às dificuldades mercadológicas que enfrentaram e enfrentam, levaram-nos a integrar grupos e movimentos, entre eles o grupo Quilombhoje, de São Paulo, criado em 1980, responsável pela publicação dos Cadernos negros, periódicos divulgadores com vários números em circulação34, o grupo Negrícia, Poesia e Arte do Crioulo, lançado no Rio de Janeiro, em 1982, e o grupo Gens (Grupo de Escritores Negros de Salvador), que data de 1985.

Como outros veículos de divulgação, além das obras de cada escritor, cabe citar ainda três coletâneas: Axé – Antologia da poesia negra contemporânea (Global, 1982), organizada por Paulo Colina, A razão da chama. Antologia de poetas negros brasileiros (GRD, 1986), com coordenação e seleção de Oswaldo de Camargo, e a globalizante Poesia negra brasileira (1992), organizada por Zilá Bernd.

Entre os autores, figuram Abelardo Rodrigues (Memória da noite, 1979), Adão Ventura (Abrir-se um abutre ou mesmo depois de deduzir dele o azul, 1970; As musculaturas do Arco do Triunfo, 1976, A cor da pele, 1980), Arnaldo Xavier (Pablo, 1975, A rosa da recusa, 1980), Cuti (Luís Silva), (Poemas da carapinha, 1978; Sol na garganta, contos, 1979, Batuque de tocaia, 1982), Éle Semog (Luiz Carlos Amaral Gomes) (Atabaques, 1983, em colaboração com J. C. Limeira), Geni Mariano Guimarães (Terceiro filho, 1979), Paulo Colina (Plano de vôo, 1984, Fogo cruzado, 1980), W. J. de Paula (Versos brancos, negra poesia, 1972), José Alberto de Oliveira de Souza (Cinco poemas vivos, 1978), Maria da Paixão (esparsos, nos Cadernos negros), Eduardo de Oliveira (Ancoradouro, 1960, Gestas líricas da negritude, 1967, Túnica de ébano, 1980), Oswaldo de Camargo (Grito de angústia, 1958, 15 poemas negros, 1963), Mirian Alves (Momentos de busca, 1983, Estrelas no dedo, 1985), Oliveira Silveira (Roteiro dos tantãs, 1981, Banzosaudade negra, 1970, Décima do negro peão, 1974, Pelo escuro, 1977), Antônio Vieira (Areia, mar, poesia, 1972, Cantos, encantos e desencantos d’alma, 1975, Cantares d’África, 1980), Jônatas Conceição da Silva (Miragem do engenho, 1984), Ronald Tutuca (O paquiderme com asas de água, 1981), Mortoalegrense, 1982, Homem ao rubro, 1983), Carlos Assumpção (Protesto, 1982).

A leitura dos textos antologiados possibilita algumas conclusões, por sua representatividade, embora não definitivas, até porque a maioria desses escritores se encontra com obra em processo.

A quase totalidade dos poemas centraliza-se na temática e na tomada de posição. Raros os exemplos em que se observa preocupação com uma linguagem diferenciada: os textos se fazem de versos livres, com uma ou outra manifestação em verso tradicional; o discurso vincula-se às técnicas incorporadas pela linguagem poética a partir do modernismo. Algumas ultrapassagens verificam-se no nível da imagística.

Transparece um comprometimento ideológico deliberadamente assumido, uma preocupação de “[…] atiçar na consciência de um povo usurpado/ usurpador a brasa da dignidade humana/ histórica a ser fundamentalmente resgatada”, como escreve Paulo Colina na apresentação da antologia Axé. Predomina uma posição de resistência e luta pela afirmação e pelo reconhecimento social. Os versos de “Protesto”, de Carlos Assumpção, demonstram uma faceta desse posicionamento:

Mas irmão, fica sabendo 
Piedade não é o que eu quero 
Piedade não me interessa 
Os fracos pedem piedade 
Eu quero coisa melhor 
Eu não quero mais viver 
No porão da sociedade 
Não quero ser marginal 
Quero entrar em toda a parte 
Quero ser bem recebido 
Basta de humilhações 
Minha alma já está cansada 
Eu quero o sol que é de todos 
Ou alcanço tudo o que eu quero 
Ou gritarei a noite inteira 
Como gritam os vulcões 
Como gritam os vendavais 
Como grita o mar 
E nem a morte terá força 
Para me fazer calar!35

Por força desse posicionamento deliberado, os textos se abrem sobretudo para uma leitura em nível de conteúdo manifesto e, muitos, pelo menos em relação ao material que examinei, terminam prejudicados, em termos de linguagem literária, pela transparência, pela acentuada tendência à univocidade. Oswaldo de Camargo, Oliveira Silveira, Cúti, Geni M. Guimarães, Paulo Colina e’Éle Semog encontram-se, entretanto, entre os que ultrapassam, com freqüência, essas condições36.

Há, flagrantemente, nos poemas, uma preocupação com a singularização cultural. O texto é posto a serviço desta última e, assim caracterizado, ora se situa como denúncia, ora no espaços da ruptura declaradamente assumida.

Uma e outra atitude envolvem enfoques variados.

Encontro denúncia-lamento, por exemplo, nesses versos de Oswaldo de Camargo:

Ai da tristeza de meu corpo, ai, 
o pássaro conhece a manhã, 
e sabe que é branca a manhã, 
mas não ousa enterrar-se de novo 
na noite…

A manhã se espalha nos quintais 
e a flauta matutina do pastor 
faz desenhos no ar…

Eu, no entanto, permaneço ao lado 
da manhã e das cantigas… 
A noite, a grande noite, está pousada em mim 
escandalosamente!37

E ainda no poema “Quem disse?”, de Oliveira Silveira:

Quem disse já não sermos 
aqui burros cargueiros?

Em pastos brasileiros 
ser negro e proprietário 
é fardo na garupa.

Ser negro e proletário 
é levar carga dupla38.

Desse mesmo poeta, há versos que associam valorização e questionamento:

ALTAS FILOSOFIAS

O negro pensa: 
por que o pensador de Rodin 
é branco em vez de preto? 
O negro pensa. 
O negro pensa 
por participações ou por conceitos? 
O negro pensa39.

O questionar associado à cobrança aparece, por exemplo, em “Viu”, de Geni Mariano Guimarães:

[…] 
Só porque você 
não me bate de chicote, 
não me fura de faca, 
não me espeta o ventre… 
não quer dizer que você não me deve nada: 
você me deve a chave da senzala, 
que está escondida nas gavetas dos balcões40.

A consciência da necessidade de afirmação está, entre outros, no texto de Cúti:

FERRO

Primeiro o ferro marca 
a violência nas costas 
depois o ferro alisa 
a vergonha nos cabelos 
Na verdade o que se precisa 
é jogar o ferro fora 
e quebrar todos os elos 
dessa corrente de desesperos41.

A revolta acentua-se em versos como os de José Carlos Limeira:

  1. meus sonhos 
    sofro de uma insônia eterna 
    de viver vocês. 
    E se um distinto senhor me disser 
    para não pensar nessas coisas 
    terei que matá-lo 
    com certo prazer42.

E também no poema “minha namorada”, de Cuti, onde se lêem os seguintes versos iniciais:

Minha namorada? 
é a violência vestida de esperança 
é a legítima filha 
da mãe-história amarga43.

A violência ameniza-se na direção do desejo de integração, no texto de Paulo Colina, “Pequena balada insurgente”, de que transcrevo passagem significativa:

Não há rancor nem ódio: 
há esse clamor surdo 
que rebenta em meu coração 
face a tantas bocas subterrâneas, 
face a tanto cuidar de telenovelas, samba e futebol.

Até quando nossos filhos 
poderão continuar a soltar pipas, 
a rolar juntos, 
na terra, no cimento, 
na grama, na lama, brincando de serem irmãos?44

Nem faltam, de um lado, a nostalgia da ancestralidade africana e, de outro, o orgulho valorizador. Exemplo do primeiro caso é o poema “Oh, mamãe!” de Oswaldo de Camargo. Transcrevo um trecho:

Como pensei falar, sozinho, à minha mãe África, e oferecer-lhe, em meu peito, nesta noite turva os meus pertences de vento, sombra e relembrança, o meu nascimento, a minha história, e o meu tropeço que ela não sabe, nem viu e eu sendo filho dela!45

O orgulho de pertencer à etnia transparece vigoroso nas palavras de “Integridade”, de Geni Mariano Guimarães:

Ser negra. 
Na integridade 
calma e morna dos dias.

Ser negra, 
De negras mãos, 
De negras mamas, 
de negra alma.

Ser negra, negra. 
Puro Afro sangue negro, 
Saindo aos jorros por todos os poros46
O grande inimigo é identificado por Éle Semog:

Juntaremos tantos grilhões 
Quanto for possível 
E mais quatrocentas misérias 
Então trocaremos tudo por flores 
Para enfeitar o enterro 
Dessa coisa estranha: racismo47.

Além das antologias e dos livros dos autores citados, outras obras têm assegurado a resistência. Entre eles estão os poemas de Incursões sobre a pele (1996), de Nei Lopes, em que ressalta, desde logo, a intimidade com a música e a assunção da etnia. O poeta se assume como sujeito, na afirmação da identidade cultural. Consciente da situação do negro, seja no Brasil, seja na África, seja nas demais comunidades da diáspora africana, não carrega, entretanto, a pele como um fardo. Mas, como está no poema de abertura, “como um fato/na cor do Homem/ da História/ da luta e da vitória”. Assim posicionado, seus poemas associam os espaços de valorização étnica ao âmbito da preocupação com a condição humana.

O poeta e crítico Sebastião Uchoa Leite, precocemente falecido em 2003, lembra, em artigo de 1997, “poetas que se dedicam, mais recentemente, à recuperação de linguagens afro e o seu universo simbólico, ou a experiências lingüístico-formais, inclusive no plano visual. Este segundo caso está representado por Arnaldo Xavier, cujas características experimentais podem incluí-lo no grupo dos poetas da linguagem, embora, por outros aspectos, pudesse figurar também como militante”. No plano da recuperação da linguagem afro, destaca o trabalho de poetas e pesquisadores, como Antonio Risério, que incorporou ao português “o mundo fascinante dos okiris da cultura nagô-iorubá”, trabalho que marca também, em outra elaboração, a poesia de Ricardo Aleixo. Destaca ainda a presença do universo cultural banto, nos textos de Edimilson de Almeida Pereira48.

Quanto a Dionísio esfacelado (Quilombo dos Palmares) (1984), livro de poemas de minha autoria, centrado na condição negra, entendo que não me compete avaliação. Falta-me o necessário distanciamento e sobra-me pudicícia autoral. Deixo-o à apreciação dos eventuais leitores. Seja-me, entretanto, permitido, nessa direção e por força da matéria e do caráter deste ensaio, dar a palavra a Benedito Nunes, em texto da época do lançamento do livro:

O que assegura a ligação dos fragmentos que compõem essa suíte lírica – na qual a negritude ascende ao plano conflitivo da história – é o permanente retorno a Palmares, como objeto de experiência individual e social, rpensada e retomada pela memória […] Em Dionísio esfacelado, quilombos e quilombolas ingressam na vertente comemorativa do pensamento que recorda, da recordação que colige e recmpõe as partes dispersas de uma origem remanente. Mais não será preciso dizer sobre a originalidade dessa obra49.

Em termos de prosa, no escasso material que examinei, ou seja, as narrativas constantes dos citados Cadernos negros, destacam-se a nota erótico-sensual, com forte dose de ironia e a preocupação com assunto ligado ao negro. Os textos constantes dos “Melhores contos”, publicados em 1998, acentuam a presença do erotismo e revelam uma preocupação maior com a linguagem e com uma perpspectiva universalizante, a partir de experiências ligadas à singularidade dos representantes da etnia50. Cabe, também, registrar na área, entre outros, os romances de que tenho notícia, A maldição de Canaã (1951), de Romeu Crusoé, lembrado por Oswaldo de Camargo, o autobiográfico A descoberta do frio (1975), de autoria deste último, a quem se deve ainda o livro de contos O carro do êxito (1972), e os textos do autor de história do Brasil romanceada e de literatura infanto-juvenil, do combativo historiador e professor Joel Rufino dos Santos, entre eles, Quatro dias de rebelião (1980), O dia em que o povo ganhou (1982) e Ipupiara (1985). Registro também A mulher de Aleduma, 1956, de Aline França, e, no âmbito da literatura-testemunho, o diário da favelada Carolina Maria de Jesus, Quarto de despejo, 1960, resgatado em edição de 1990, a que se juntam ainda Casa de alvenaria, 1961, e Diário de Bitita, 1986. Assinale-se, no teatro, a peça Sortilégio. Mistério negro (1951), de Abdias Nascimento e, na literatura oral, as histórias registradas por Mestre Didi (Dioscóredes M. dos Santos) sob o título de Contos crioulos da Bahia (1961), e a antologia organizada por Júlio Santana Braga, Contos afro-brasileiros (1980).

Na medida em que a chamada, no meu entender equivocadamente, literatura negra vem sendo configurada no restrito espaço reivindicatório de escritores negros ou mestiços de negros como tal, não costumam ser nelas situadas obras feitas por escritores contemporâneos não vinculados à etnia, pelo menos em nível epidérmico. Considerada, entretanto, a condição negra na literatura, vale destacar um romance que julgo altamente representativo em termos de elementos valorizadores da contribuição do negro à cultura brasileira. Refiro-me aGanga-Zumba (1962), escrito por João Felício dos Santos. Trata-se de uma narrativa visceralmente associada à história do negro, ou como se explicita na apresentação do romance: “Os Quilombos dos Palmares e Os Quilombolas do Rei Zumbi foram evidentemente o cenário, o fundo, o motivo, a época e os personagens deste romance, escrito no Rio de janeiro, de 1959 a 1961. O livro é de todos aqueles que, em algum tempo da vida, lutaram até o fim por uma estrela qualquer”51. Na obra, um narrador onisciente alterna relatos com comentários explicitadores, mas, a cada momento, cede a voz às personagens nascidas a partir de uma realidade diluída ou ignorada pela história oficial.

São personagens da época, com fala típica de negros, carregada de africanismos, de ritmos, com sentimentos e problemática peculiares, marcadas pelo sofrimento, mas dimensionadas sobretudo à luz da altivez de um grupo étnico que se assume, em torno do seu Ganga, na luta por sua afirmação, no percurso de Palmares.

Apoiado na história esquecida, fruto de pesquisa e de arte, Ganga Zumba é a presença de Palmares transfigurada na prosa poética de João Felício, um romancista que tem obsessão pela liberdade.

* * *

Ao assumir compromissadamente a literatura como espaço de afirmação consciente de singularização e de afirmação cultural, ao assumir-se como sujeito do discurso literário, o negro enfrenta novas e sutis armadilhas marginalizantes.

Nesses espaços de sutileza, mesmo uma designação aparentemente valorizadora, como literatura negra, de presença tranqüila na área dos estudos literários desde os anos de 1970, traz, segundo entendo, o sério risco de fazer o jogo do preconceito velado.

O sintagma admite, desde logo, duas acepções:

Em sentido restrito, considera-se negra uma literatura feita por negros ou por descendentes assumidos de negros e, como tal, reveladora de visões de mundo, de ideologias e de modos de realização que, por força de condições atávicas, sociais, e históricas condicionadoras, caracteriza-se por uma certa especificidade, ligada a um intuito claro de singularidade cultural.

Lato sensu, será negra a arte literária feita por quem quer que seja, desde que centrada em dimensões peculiares aos negros ou aos descendentes de negros.

A designação, tal como vem sendo utilizado no Brasil e em outros países da América, vincula-se ao significado restrito e emerge no bojo de uma situação histórica dada, configuradora da reivindicação pelos negros de determinados valores caracterizadores de uma identidade própria. Essa identidade e sua presença forjadora e aglutinadora da comunidade em que o grupo étnico se situa seriam elementos decisivos na luta pela eliminação das discriminações e pela conquista do lugar que lhes pertence de direito e que o grupo dominante insiste em negar, das mais variadas maneiras, ostensiva ou disfarçadamente. A luta é um procedimento que surge forte no âmbito da crise da modernidade, ligada à fragmentação social.

O exercício da literatura associa-se, assim, também em sentido amplo, aos movimentos de afirmação do negro, a partir de uma tomada de consciência de sua situação social, seja no espaço dos povos da África, seja no domínio da afrodiáspora e conduz, entre outros aspectos, à preocupação com a singularização cultural mencionada.

Tal preocupação ganha pertinência quando ultrapassa as dimensões epidérmicas e o corporativismo, e traz para a representatividade literária a afirmação de elementos que vão dos espaços míticos (resgate da memória coletiva) aos sócio-históricos (resgate dos elementos que fazem a história do negro enquanto grupo étnico).

O risco da adjetivação limitadora reside, segundo penso, no explicável mas perigoso empenho em situar radicalmente uma autovalorização da condição negra por emulação, equivalência ou oposição à condição branca, colocação no mínimo complexa no caso brasileiro, diante até da dificuldade de se estabelecer limites entre uma e outra no miscigenado universo da cultura nacional. Mesmo porque as distinções nessa área costumam apoiar-se na cor da epiderme e na estereotipia sedimentada.

Nesse sentido, o opositor não é o brasileiro branco, mas o brasileiro preconceituoso. O esquecimento desta distinção implica não considerar o apoio dos aliados relevantes na busca do espaço negado.

Há quem argumente que a literatura negra se situaria, livre de conotação preconceituosa, em plano similar ao que marca expressões como literatura nordestina, literatura gaúcha etc., caracterizadoras de um direito àdiferença52. Penso que se trata de adjetivos imersos em área semântica distinta, ligados que são os dois últimos ao âmbito geográfico. Além disso, o âmbito significativo da primeira expressão parece-me bastante marcado e semanticamente comprometido.

O negro brasileiro não pode ser tratado como o outro, que tanto trabalhou pela grandeza da nação etc. e a quem se deve reconhecimento especial por isso, como não cabe agradecer aos brancos portugueses ou aos índios, mas também não deve tratar-se como o outro em nome de sua auto-afirmação. Como os demais grupos étnicos, ele é parte da comunidade que fez e faz o país. Se a luta em que se empenha se tornou e continua necessária, isto se deve, como é sabido, ao fato de ter-se tornado alvo de tratamento social e historicamente discriminatório.

Admitir o isolamento no espaço de uma especificidade identificadora é, na realidade brasileira, aceitar o jogo do preconceito. Outra deve ser a estratégia. Há que assumir a igualdade na co-participação da construção da nacionalidade. Há que reivindicar o direito à plenitude da cidadania.

E mais: diante da atitude engajada e de outros traços que a singularizam, alguns estudiosos propõem que se devam adotar critérios específicos para a avaliação produzida pelos escritores negros e mestiços de negro assumidos como tal, dada a natureza questionadora de sua produção e a pertinência da causa que defendem. Há mesmo quem proponha, a partir da perspectiva de uma releitura cultural, substituir, na apreciação, qualidade literária por oportunidade histórica53.

Não me parece atitude válida. Tal proposta pode, de certa forma, converter-se em instrumento mantenedor de discriminação: equivaleria a considerar que a literatura produzida pelos negros é literatura negra e como tal deve ser tratada, em função dessa especificidade e das circunstâncias sócio-históricas em que é produzida, como se não tivesse nada a ver com a arte literária que se realiza no país e que é dimensionada à luz dos conceitos norteadores da teoria da literatura e que, mesmo em tempos pós-modernos, seguem orientando os estudos da arte literária no Brasil e nos demais centros ocidentais.

O que julgo se deve considerar é que nesses textos há o centramento na causa do negro no Brasil, na luta por sua indiscutível afirmação cultural na realidade brasileira, e que eles se convertem, legitimamente, em revelação, denúncia, ruptura, produto cultural afirmativo, realizado por escritores que, mais do que quaisquer outros, têm condições de concretizá-lo.

O resgate dos mitos, a proximidade cultural com a África, mas sem distorções nostálgicas, e com outros países em que a discriminação existe, o tempo escravo repensado, as revoltas, a situação do negro e de seus descendentes na construção socioeconômica do país e sua marcada participação nos tempos heróicos da formação da nacionalidade, as contribuições lingüísticas colocadas em evidência na nossa língua portuguesa do Brasil, podem, entre outros traços, contribuir, através da transfiguração na literatura, para o melhor conhecimento e o redimensionamento da presença do negro na sociedade brasileira. São verdades e valores capazes de se opor vigorosamente aos estereótipos e preconceitos ainda vigentes no comportamento de muitos brasileiros.

Se, por força de características peculiares, a literatura feita por negros ou por descendentes assumidos de negros concretizar linguagens geradoras de cânones de uma poética nova, essa dimensão se inserirá necessariamente no processo da literatura brasileira e não no nicho discriminatório de uma literatura “negra” ou “marrom”.

É preciso, entretanto, ter sempre em mente que a arte literária compromissada precisa ser arte literária antes de ser compromissada, sob pena de descaracterizar-se e perder seu poder de repercussão mobilizadora. Essa posição benjaminiana não pode ser desprezada, quando consideramos a contribuição literária dos negros e dos descendentes de negros que trazem para seus textos a preocupação com a etnia. Há que considerar a literatura como lugar de afirmação e singularização de identidades múltiplas e várias, mas integradas no tecido da arte literária brasileira e universal.

Acredito que nenhum dos autores que se encontram nesse caso na atualidade brasileira, e me incluo entre eles, concordará em ter o seu texto legitimado apenas por força do tema ou do assunto que elege, ou porque, ao elegê-lo, pertence ao segmento étnico. Mesmo porque nenhum deles, até o momento, concretizou umalinguagem capaz de justificar uma alteração no conceito vigente de literatura: a ênfase, como procurei assinalar, tem-se centralizado nos conteúdos, a partir da adoção de procedimentos até então consagrados. Entendo que é muito mais pertinente e apropriado, por força mesmo do propósito de afirmação da etnia, que, em lugar de literatura negra se defenda a referência à presença do negro ou da condição negra na literatura brasileira. Tal posicionamento foge a qualquer jogo preconceituoso, além de facilitar a caracterização da matéria no processo literário do país e a avaliação mais objetiva da contribuição literária de representantes assumidos da etnia que, mesmo diante dos mais variados obstáculos, têm trazido a público, nas últimas décadas, a força de sua palavra poética.

É importantíssima a ocupação pelos negros e seus descendentes de espaços literários e de outros espaços igualmente culturais até então timidamente freqüentados. O caminho vem sendo percorrido. Alguns resultados, poucos, têm aflorado. Importa prosseguir na busca de uma plena e insofismável representatividade, até que se torne inteiramente dispensável a presença como marca de uma diferença redutora. Afinal, literatura não tem cor.

 

Mario de Andrade

Cruz e Souza

 

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Notas

  1. 1 Gregório de Matos, Poemas escolhidos, sel., introd. e notas de José Miguel Wisnik, São Paulo, Cultrix, 1976, p.[ Links ]
  2. 2 Bernardo Guimarães, A escrava Isaura, 6ª ed., São Paulo, Ática, 1976, p.[ Links ]
  3. 3 Idem.
  4. 4 Aluísio Azevedo, O mulato, São Paulo, Martins, 1964, p.[ Links ]
  5. 5 Idem, p. 272.
  6. 6 Idem, p. 307.
  7. 7 Antônio de Castro Alves, “Os escravos”, emObra completa, Rio de Janeiro, J. Aguilar, 1960, pp. 291 e 293.         [ Links ]
  8. 8 José Guilherme Merquior, De Anchieta a Euclides. Breve história da literatura brasileira, Rio de Janeiro, J. Olympio, 1977, pp. 92-[ Links ]
  9. 9 Antonio Candido, Formação da literatura brasileira: momentos decisivos, 7ª ed. rev., São Paulo, Martins, vol. 1, 1964, p.[ Links ]
  10. 10 AluísioO cortiço, 6.ed., São Paulo, Ática, 1974, p. 104.         [ Links ]
  11. 11 Edilberto Coutinho, “Um negro vai a forra”,Os jogos, São Paulo/Brasília, Ática/ INL/Fundação Nacional Pró-Memória, 1984, p. 126.         [ Links ]
  12. 12 Ariano Suassuna, Auto da compadecida, Rio de Janeiro, Agir, 1970, pp. 146-[ Links ]
  13. 13 Idem, pp. 148-149.
  14. 14 Josué Montello, Os tambores de São Luís, 5ª ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985, 1ª[ Links ]
  15. 15 João Ubaldo Ribeiro, Viva o povo brasileiro15ª impr., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984, pp. 312-[ Links ]
  16. 16 Domingos Caldas Barbosa, Viola de Lereno, em _____ L. da Câmara Cascudo (org.), Poesia, Rio de Janeiro, Agir, 1958, p.[ Links ]
  17. 17 Mário de Andrade, Poesias completas, ed. crítica de Diléia Zanotto Manfio, Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1987, p.[ Links ]
  18. 18 Idem, p. 248.
  19. 19 Idem, pp. 266-267.
  20. 20 Cf. Gilberto Freire, “Nota preliminar”, publicada como prefácio a Jorge de Lima, Poemas negros e transcrita posteriormenteO Jornal, Rio de Janeiro, 22 nov. 1953, com o título “Jorge de Lima e seus poemas negros”,apud Jorge de Lima, Obra completa, Rio de Janeiro, J. Aguilar, 1958, vol. 1, p. 385.         [ Links ]
  21. 21 Machado de Assis, Obra completa, Rio de Janeiro, J. Aguilar, 1959, vol. III, p.[ Links ]
  22. 22 João da Cruz e Sousa, Evocações, emObra completa, Rio de Janeiro, J. Aguilar, 1960, pp. 651 e 662-663.         [ Links ]
  23. 23 Idem, p. 664.
  24. 24 Alfredo Bosi, História concisa da literatura brasileira, 2ª ed., São Paulo, Cultrix, 1979, p.[ Links ]
  25. 25 Alfredo Bosi, “versus racismo”, em _____. Literatura e resistência, São Paulo, Cia. Das Letras, 2002, p. 168.         [ Links ]
  26. 26 Luís Gama, apud Oswaldo de Camargo (org.), A razão da chama, São Paulo, GRD, 1986, p.[ Links ]
  27. 27 Para um visão ampla e profunda do posicionamento, ver Alfredo Bosi, “Figuraseu nas Recordações de Isaías Caminha“, In: ºc., pp.186-208.
  28. 28 Ver, para uma idéia da situação atual, o artigo de Flávio Carrança, “Breve história da literatura negra – publicar ainda é difícil para autores negros brasileiros”, publicado naProblemas brasileiros, em 2003.         [ Links ]
  29. 29 Para uma visão desses posicionamentos, pode-se ler, como ponto de partida, Zilá Bernd,Negritude e literatura na América Latina, Porto Alegre, Mercado Aberto, 1987, pp. 83 e[ Links ]
  30. 30 Lino Guedes, em Oswaldo de Camargo, op. cit., p. 35.
  31. 31 Idem, p. 33.
  32. 32 Solano Trindade, em Oswaldo de Camargo, op. cit., p. 39.
  33. 33 Abdias Nascimento é também autor de uma antologia do teatro negro brasileiroDrama para negros e prólogo para brancos, Rio de Janeiro, Teatro Experimental do Negro, 1961.         [ Links ]
  34. 34 Esclarece, a propósito, Flávio Carrança: “Durante o ano de 1978, existiu em São Paulo, no bairro do Bexiga, o Centro de Cultura e Arte Negra (Cecan), onde se reuniam pessoas ligadas às letras, entre as quais o poeta Cuti e o advogado Hugo Ferreira. Juntos, eles decidiram lançarCadernos Negros, pequenas coletâneas de poemas. Paralelamente, Cuti participava de um grupo formado por Oswaldo de Camargo, Abelardo Rodrigues e o falecido Paulo Colina, que se reunia no bar Mutamba, no centro de São paulo, para discutir literatura e que, por volta de 1980, resolveu batizar-se Quilombhoje. O grupo assumiu a publicação dos Cadernos recebeu adesões, mas em seguida sofreu uma ruptura, com a saída de Camargo, Colina e Abelardo, que criticavam principalmente a qualidade do material publicado”. (Carrança, ºc.). Os Cadernos continuaram a ser publicados, envolvendo poesia e prosa e totalizam, em 2004, 26 números, ainda dificilmente encontrados nas livrarias.
  35. 35 Carlos Assumpção, em Oswaldo de Camargo, op. cit., p. 53.
  36. 36 Outros poetas e prosadores negros ou descendentes assumidos de negros vêm marcando a representatividade literária de seus textos, cuja análise escapa aos limites do presente artigo. Para uma visão ainda ainda que restrita da produção atual, em prosa e poesia, ver os números 25 e 26Cadernos negros, lançados em 2003. Ver também, na internet, os numerosos sites sobre “literatura negra”.
  37. 37 Oswaldo de Camargo, op. cit., p. 56.
  38. 38 Oliveira Silveira, “Quem disse”, Paulo Colina, Axé: antologia contemporânea da poesia negra brasileira,São Paulo, Global, 1982.         [ Links ]
  39. 39 Idem, p. 31.
  40. 40 Geni Mariano Guimarães, apud Oswaldo de Camargo, op. cit., p. 74.
  41. 41 (Luiz Silva) Cuti, “Ferro”, Oswaldo de Camargo, op. cit., p. 90.
  42. 42 José Carlos Limeira, “Quilombos”, Paulo Colina, op. cit., p. 45.
  43. 43 (Luiz Silva) Cuti, “Minha namorada”, apud Paulo Colina, op. cit, p. 59.
  44. 44 Paulo Colina, Oswaldo de Camargo, op. cit., p. 88.
  45. 45 Oswaldo de Camargo, “Oh, mamãe!” Paulo Colina, op. cit., p. 84.
  46. 46 Geni Mariano Guimarães, “Integridade”, Paulo Colina, op. cit., p. 68.
  47. 47 Ele Semog, “Canção para um negro abandonado”, apud Oswaldo de Camargo, op. cit., p. 106.
  48. 48 Cf. Sebastião Uchoa Leite, “Presença negra na poesia brasileira moderna”,Revista do patrimônio histórico e artístico nacional. nº 25 Negro brasileiro negro, Rio de Janeiro, 1997, p. 113.         [ Links ]
  49. 49 Benedito Nunes,O Estado de S. Paulo. Suplemento de Cultura. nº 223.         [ Links ]
  50. 50 O volume traz narrativas de Abílio Ferreira, Conceição Evaristo, Cuti, Éle Semog, Esmeralda Ribeiro, Eustáquio José Rodrigues, Jônatas Conceição, José Carlos Limeira, Lia Vieria, Márcio Barbosa, Míram Alves, Oswaldo de Camargo, Oubi Inaê Kobuko, Ramatis Jacino, Ricardo Dias e Sônia Fátima.
  51. 51 João Felício dos Santos, Ganga Zumba, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,[ Links ]
  52. 52 Cf. Zilá Bernd, Negritude e literatura na América, Porto Alegre, Mercado Aberto, 1987, p. 37.         [ Links ]
  53. 53 É o caso de Luíza Lobo, em artigo de 1987, intitulado “Literatura negra brasileira contemporânea”, publicadoCadernos Cândido Mendes de Estudos Afro-Asiáticos, nº 14, 1987, p. 119,         [ Links ] onde escreve: “Focalizando a literatura negra que surgiu desde a década de 70 como uma possibilidade de releitura cultural, então se percebe que nela não importa sua qualidade, mas sim sua oportunidade“.

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Texto recebido e aceito em 15 de fevereiro de 2004

Domício Proença Filho é professor emérito, titular de Literatura Brasileira da Universidade Federal Fluminense, aposentado. É autor, entre outras, das seguintes obras: A linguagem literária; estilos de época na literatura, Pós-modernismo e literatura (estudos críticos); O cerco agreste, Dionísio esfacelado (Quilombo dos Palmares), Oratório dos Inconfidentes (poesia); Breves estórias de Vera Cruz das Almas (contos); Capitu – memórias póstumas (romance); Estórias da mitologia – o cotidiano dos deuses (extravagância ficcional); Língua portuguesa – noções de gramática em tom de conversa; Por dentro das palavras da nossa língua portuguesa(língua portuguesa). 
O presente texto é uma versão reformulada, ampliada e atualizada do ensaio de mesmo título publicado naRevista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Negro brasileiro negro, nº 25, 1997, pp. 159-77.

 

 

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