Clica Brasilia
O sistema de cotas para a inclusão de negros no ensino superior brasileiro é uma questão racial ou social? A pergunta vai nortear o debate no Supremo Tribunal Federal (STF) que vai julgar ação do partido Democratas (DEM) que pede a revogação do sistema de cotas para negros na UnB. Outras 80 universidades públicas no país que possuem sistema de ingresso diferenciado para afrodescendentes.
Em entrevista à Agência da Universidade de Brasília (UnB), as duas advogadas que vão se enfrentar no julgamento – Indira Quaresma, pela UnB, e Roberta Kaufmann, pelo DEM – defenderam seus pontos de vista sobre a questão, que deve ir para o tribunal em março do ano que vem.
Estigma
Advogada da Advocacia-Geral da Uniao, que vai representar a UnB no julgamento, Indira Quaresma aposta em estatísticas para provar que o sistema de cotas deve, sim, levar em consideração o tom da cútis. “Ainda hoje há fortes resquícios do preconceito: negros têm menos tempo de estudo e ocupam posições menos vantajosas no mercado de trabalho”, afirmou. “Isso se reflete diretamente no ingresso deles nas universidades”, completa Indira, da Advocacia-Geral da União.
A advogada, que é negra, ressalta que o debate sobre a ação afirmativa não pode ser restrita à questão social. “Além de sofrer preconceitos por estar entre a população carente do Brasil, a maioria dos negros carregam o estigma relacionado à cor da pele, que vem da sua origem étnica na África”, explicou. “Devemos escolher se vamos cumprir a dívida histórica para por uma igualdade de oportunidades ou se vamos deixá-los sós nessa luta”, completou Indira.
Cotas Sociais
Do outro lado do embate, a procuradora Roberta Kaufmann defende que o mérito racial estimula o preconceito já existente. “A ciência provou que o conceito de raça não tem fundamento biológico e sim cultural. É preciso desconstruir essa diferença em prol de uma sociedade igualitária”, comentou a representante do DEM. Ela ressalta que a ação afirmativa deve levar em conta a posição social do candidato ao vestibular. “Dessa forma, automaticamente contemplaremos os negros”, observou ela, ressaltando que 70% da população afrobrasileira se encontra entre as classes sociais menos favorecidas.
A advogada, que teve a polêmica como tema da dissertação de mestrado na UnB e procurou voluntariamente o DEM para defender a causa no STF, ressalta a importância de levar a questão para o tribunal. “Uma questão como essa, que já abrange diversas universidades brasileiras, não pode ficar de fora de um parecer da suprema corte”, comentou. Roberta classifica o sistema de seleção dos cotistas usado pela UnB, desde 2004, como um tribunal racial. “Os critérios não são claros. E quem poderá dizer quem é negro ou não?”, questionou.
Disputa
Segundo as advogadas, o julgamento sobre a permanência do sistema de cotas raciais pelos 11 ministros do STF deve ocorrer em março. Até lá, a partir de novembro, uma série de audiências públicas devem repercutir o tema com especialistas – como antropólogos, historiadores, psicólogos. Tanto Indira como Roberta reconhecem que a briga vai ser dura. Mas ambas demonstram confiança nos argumentos próprios. “Os números e os registros históricos não deixam outra alternativa”, comenta Quaresma. “Nosso discurso não é racista, é contra o racismo”, observa Kaufmann.
Na manhã desta segunda-feira, o ouvidor da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Humberto Adami, visitou o reitor da UnB, José Geraldo, para expressar o apoio do órgão vinculado à Presidência da República em favor da manutenção das cotas raciais. “Outros órgãos, como a Fundação Palmares, a Central Única dos Trabalhadores e o Diretório Central dos Estudantes também já manifestaram o desejo de contribuir para a defesa da causa”, comentou a professora Débora dos Santos, do Centro de Convivência Negra da UnB, que acompanhou a reunião na Reitoria.
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