Por *Mauricio Pestana
OPINIÃO DE RAÇA
Certa vez, ao produzir um material didático intitulado Educação Diferenciada, primeiro trabalho que realizei pautando o universo feminino, dialogava com uma grande companheira feminista sobre semelhanças e diferenças entre mulheres e homens negros na luta pela igualdade.
Como de costume, minha amiga filósofa, formada por uma das mais conceituadas universidades do país, sentenciou com uma só frase: “Se não fossemos nós, vocês homens negros, nem estariam aqui.” Foram anos tentando decodificar o que a frase simples, mas cheia de significado, esboçava. Do ponto de vista materno, pensei, realmente, sem a figura da mulher, não teríamos homens e nem mesmos mulheres, mas com o tempo pude perceber que aqueles dizeres tinham mais a ver com os mistérios e os segredos do universo feminino, que vão muito além do delicado ato de dar à luz, pois o mesmo precede de escolha, sedução e decisão, e o tempo me fez perceber que nestes quesitos a palavra final é sempre delas.
Quanto mais convivi, mais aprendi com essas mulheres; seja na condição de filho, pai, companheiro, namorado, sobrinho, tio, amigo e, algumas vezes até, como adversário. Sempre a frase de muitos sentidos aparecia para reflexão, pois a existência física e moral nas famílias negras passam essencialmente por elas. No meu caso, tive a felicidade de ter a maternidade, em alguns momentos, disputada; lembro-me do dia em que uma dessas poderosas que tanto admirei chegou para minha mãe e disse: “Cida, esse menino é meu filho, e sabe por quê? Filho, amigo e irmão de verdade são o que a gente escolhe e não aqueles que aparecem em nossas vidas.” Seu nome: Tereza Santos.
Homenagear quem, ao longo de cinco séculos, tem se constituído como um dos alicerces não só das famílias negras, mas sim desta nação, é mais que um dever: é a obrigação de um país que tem uma dívida histórica com essas mulheres. Dívida essa iniciada lá na África, quando lhes arrancaram seus filhos para serem, aqui, escravizados, depois elas tiveram que suportar a jornada dupla de sustentação
de suas famílias e dos seus senhores, e mais tarde, no pós- escravidão, continuaram nas cozinhas para dar sustento a suas famílias, uma vez que para o homem negro o sistema havia reservado apenas desemprego e uma tal lei da vadiagem.
Hoje, muito além dos serviços domésticos, elas disputam o mercado de trabalho e sobressaem nas mais variadas profissões. São juízas, delegadas, psicólogas, atrizes, professoras, ativistas sociais, cabeleireiras, produtoras, jornalistas, coronéis da polícia militar, empresárias e existe uma que é capitão de fragata na marinha brasileira. Segundo o último censo do IBGE, grande parte delas são chefes de família no Brasil, mas continuam na base da pirâmide econômica e, por conta da discriminação racial, recebem os piores salários mesmo quando exercem o mesmo trabalho de um homem ou de uma mulher branca e até do companheiro negro.
Mas, apesar do histórico de opressão, essas Marias, Beneditas, Luislindas, Terezas, Suelis, Alaídes, Penhas, Clarices, Fernandas, Aparecidas, Graças, Isabéis, Lecis, Iaras, Olívias, Marinas, Ivetes, Estelas, Patrícias, Simones, Valquírias, Renatas, Célias, Ivones, Raquél’s e muitas outras famosas e anônimas resistiram, persistiram, choraram, sonharam. E desses sonhos e resistências florescem a essência da alma e da vida do povo brasileiro. Por isso, neste mês é possível afirmar sem sombra de dúvidas: Ah! Se não fossem elas… Realmente não estaríamos aqui.
* Mauricio Pestana é diretor executivo da Revista Raça Brasil.
Fonte: Opinião de Raça