Chimamanda Ngozi Adichie: ‘É impossível falar sobre racismo sem causar desconforto’

Escritora nigeriana cria trama de amor e preconceito que percorre três continentes no premiado romance ‘Americanah’

O título do terceiro romance de Chimamanda Ngozi Adichie, “Americanah” (Companhia das Letras, tradução de Julia Romeu), é uma expressão usada na Nigéria para se referir a quem volta dos Estados Unidos deslumbrado e passa a desdenhar de tudo em sua terra natal. Mas a protagonista do livro, Ifemelu, não se encaixa nessa descrição. Uma jovem nigeriana de classe média que estuda em Princeton, ela consegue dupla cidadania mas nunca se sente integrada ao novo país, onde passa 13 anos. O “h” na palavra do título marca a diferença e o estranhamento vividos pela imigrante que não chega a se tornar americana.

Experiência compartilhada pelos principais personagens de “Americanah”, sobretudo Ifemelu e Obinze, namorados de faculdade na Nigéria que se separam quando ela decide emigrar. Nos Estados Unidos, Ifemelu se confronta pela primeira vez com o racismo e precisa aprender a manejar os complexos códigos sociais do país. Enquanto isso, Obinze, filho de uma respeitada professora universitária, arrisca-se em Londres como imigrante ilegal e, deportado, faz de tudo para reconstruir a vida em Lagos, a megalópole nigeriana. Partindo da decisão de Ifemelu de voltar para Lagos, o romance narra idas e vindas do casal por três continentes e mais de uma década.

Em 2013, “Americanah” recebeu o National Book Critics Circle Award, concedido pela associação de críticos dos Estados Unidos. Foi o primeiro grande prêmio internacional para a escritora de 36 anos, que já havia recebido boas críticas pelos romances “Hibisco roxo” (2003) e “Meio sol amarelo” (2006), ambos lançados no Brasil pela Companhia das Letras. Enquanto os livros anteriores eram ambientados na Nigéria, “Americanah” é fruto das reflexões de Chimamanda sobre o trânsito cultural: ela nasceu em Enugu, no sudeste nigeriano, foi estudar nos Estados Unidos aos 19 anos e hoje vive entre Lagos e Baltimore.

BLOG SOBRE RACISMO NOS EUA

A maior descoberta de Ifemelu nos Estados Unidos é o racismo. Nascida no país com a maior população negra do mundo, ela compreende aos poucos os “tribalismos de raça, ideologia e religião” dos americanos, escreve Chimamanda. Ifemelu despeja suas inquietações e protestos num blog batizado como “Raceteenth ou Observações diversas sobre negros americanos (antigamente conhecidos como crioulos) feitas por uma negra não americana”. Num dos posts, resume assim suas impressões: “Querido Negro Não Americano, quando você escolhe vir para os Estados Unidos, vira negro. Pare de argumentar. Pare de dizer que é jamaicano ou ganense. A América não liga. E daí se você não era negro no seu país? Está nos Estados Unidos agora”.

— Os nigerianos não se preocupam com a questão da raça. Na Nigéria, muitos leitores me dizem que não entendem o debate sobre esse tema nos Estados Unidos. Quando as pessoas me abordam em Lagos, o que querem saber é se Ifemelu e Obinze vão ficar juntos — diz Chimamanda, em entrevista por telefone, de Baltimore. — Mesmo na África existem percepções diferentes sobre isso, claro. É impossível ser da África do Sul e não ter consciência de raça. Mas na Nigéria e na África Ocidental, simplesmente não é um tema tão presente. Temos muitos problemas, mas esse não é um deles. Então, quando cheguei aos Estados Unidos, eu não pensava em mim mesma em termos de uma “identidade negra”. Aos poucos fui entendendo as dificuldades vividas aqui pelos negros.

Os textos ácidos do blog de Ifemelu expõem vários ângulos desse problema, do preconceito enfrentado por mulheres negras que se recusam a alisar o cabelo à hipocrisia no debate público sobre desigualdade racial: “Nos Estados Unidos o racismo existe, mas os racistas desapareceram”, ela escreve. Em outro post, alerta os leitores: “Se estiver falando com uma pessoa que não for negra de alguma coisa racista que aconteceu com você, tome cuidado para não ser amargo. Não reclame. Diga que perdoou. (…) Nem se incomode em falar de alguma coisa racista que aconteceu com você para um conservador branco. Porque esse conservador vai dizer que VOCÊ é o verdadeiro racista e sua boca vai ficar ainda mais aberta”.

 

Fonte: Elaine Elesbão

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