Há alguns anos, logo antes da pandemia, fui à cidade de St.Louis, no estado de Missouri, nos EUA. Fora o arco de ferro gigantesco que é o cartão-postal da cidade e fora as melhores costelas defumadas que já comi na vida, o que mais me surpreendeu ali foi a vastidão dos espaços urbanos. Avenidas enormes, mas vazias. O centro da cidade exibia um silêncio cortante típico de um feriado, mesmo sendo dia útil.
A estranha sensação pessoal, que apenas a figura sinestésica resume, encontra respaldo na realidade: St. Louis é a segunda cidade que mais “encolhe” no país: uma queda populacional de 2,4% entre 2022 e 2021, segundo o censo de lá. Cidades mais conhecidas como Boston, Nova York e São Francisco passaram por isso durante a pandemia, tendo a última encolhido 6,3% entre 2020 e 2021.
O Censo Demográfico 2022, divulgado nesta quarta-feira (28) pelo IBGE, traz com força para o Brasil o debate sobre cidades que encolhem. Nove das 27 capitais brasileiras perderam moradores entre 2010 e 2022. Notavelmente, Salvador ocupa o primeiro lugar, com queda de 9,6%, seguida pelo Rio, com 1,7%. “É um fato novo”, definiu o IBGE.
O que determina “a morte e a vida de grandes cidades” são as dinâmicas de desigualdade que fingimos não ver. Deve-se qualificar o debate sobre cidades que encolhem apontando qual a cor e a classe de quem é expulso dessas cidades e de seus centros, por quais mecanismos econômicos e quais são os instrumentos urbanísticos para revertê-los. Antes, o apartheid era o passaporte entre uma cidade e outra na África do Sul; hoje, é o preço do metro quadrado.
Não é à toa que St. Louis é metade negra; não é à toa que a capital mais preta, Salvador, encolhe enquanto as cidades vizinhas, com menos estrutura, crescem; não é à toa que o Plano Diretor de São Paulo passe ao largo de enfrentar a desigualdade, confundindo densidade construtiva com populacional, construindo um futuro, em parte já atual, de bairros brancos e caros. Não é à toa, é projeto.