Sou o tipo que tem medo de galinhas. Tipo que corre de bois, gansos, carneirinhos. Nada entendo de cercas, águas subterrâneas, fogão a lenha. Conheço o campo como conheço a lua, a distância. Isso não me torna melhor nem pior. Apenas carimba no meu crachá: Feita na cidade.
Por Fernanda Pompeu, do Yahoo
É fato, volta meia, visito sítios. O da minha amiga Marina na Serra do Japi, o da minha irmã Cláudia em Itajú. O parco tempo que passo neles são de encanto e relaxamento. Mas nunca sei exatamente no que pensar ou o que fazer. Bem ao contrário do meu habitat urbano, onde tenho sempre preocupações e compromissos para me divertir. Como se entretenimento e tensão se fundissem.
Também já visitei o sertão. O do litoral norte de São Paulo nos anos 1970, o do Ceará, o da Serra da Capivara no Piauí. O baiano. Do mineiro, sei o que li em Guimarães Rosa. Na totalidade, é pouco. O que faz de mim uma caipira urbana é não saber narrar luares, fogueiras, trilhas, passarinhos, arroz e feijão tropeiros.
Está provado. Sou bicho da cidade. Alguém que não sobrevive sem ruas apinhadas, sem confusão de mobilidades, sem sirenes, alarmes e vastos conflitos de interesses. A ordem do campo é ouvir e respeitar o relógio da natureza. Nada de colher sem semeadura. Nada de desperdiçar o que tanto trabalho deu.
Já a cidade é perdulária. Consome o manufaturado, o verde, o excesso, a falta. Até o lixo vira negócio. Ela exibe um lado enfermo. Mas a cidade também tem seus brilhos. Por exemplo, o ritual de roncos e respirações coletivas. O enxame de problemas. As soluções criativas.
Vivo em Sampa. O maior aglomerado urbano do Brasil. Gosto desse título. Ele abre para inúmeras possibilidades. Vejo a marginal do Tietê como um rio Amazonas e seus acessos como igarapés despejando canoinhas em forma de veículos. Todo mundo navegando com muita pressa de ancorar no destino.
Ancorar no destino para embarcar em outro itinerário. Às vezes, é tão custoso alcançar a porta de casa, que ela vira o remanso, a varanda que dá para o campo. Não aquele físico, ordenado. O campo imaginário alimentado pela nostalgia de um modo de vida passado que a maioria nem viveu.
O melhor da cidade são seus bichos. Diferentes, sôfregos, ansiosos. Mas também irônicos, maliciosos, esperançosos. Tem de tudo na cidade. Da delicadeza à grosseria. No meio das suas horas passa um trem repleto de passageiros novos. No dia seguinte, a mesma coisa.
Imagem: Régine Ferrandis sobre obra de Antoine de Galbert