Divas na cozinha

É bem verdade que, sob as luzes dos holofotes, diante de plateias, câmeras e microfones, as divas – quer do cinema, da área musical ou de qualquer outra dimensão das artes – são e sempre serão… divas, é claro! Donas de casa a empunhar pá e vassoura para dar conta do serviço doméstico, ou cozinheiras de forno e fogão são, no caso delas, papéis sociais secundários. Ou seja: que não fazem, literalmente, “parte do show” destas glamorosas e ricas mulheres. A não ser, por obra e graça de cineastas, roteiristas e outros criadores da indústria da cultura, cujas funções incluem a de distribuir papéis (mesmo os mais improváveis como estes), a serem interpretados por celebridades no mundo da ficção. Pelo menos, é isto o que pensamos nós, a maioria dos meros mortais.

Entretanto, de acordo com o escritor e artista plástico mineiro, Evânio Alves, autor de As divas na cozinha – Histórias e receitas das estrelas da música e do cinema (produção independente lançada esse ano), por trás de uma vida entremeada de momentos de aplausos, assédio, eventuais escândalos e os recorrentes e generalizados “pitis” das estrelas, pode existir uma mulher que se sente feliz ao mexer com farinha de trigo, misturá-la com ovos e manteiga, segurar panelas, tigelas, formas de assar quitutes, e por aí vai. O afrodescendente nascido no Vale do Jequitinhonha debutou no mundo editorial em 2010, assinando o livro As divas no Brasil, obra que reúne o resultado de mais de oito anos de uma apurada pesquisa que levantou dados sobre a performance artística e as peripécias de mais de 80 beldades que aterrissaram nos nossos aeroportos. De lá, “batendo salto”, acrescente-se, a caminho dos palcos dos grandes hotéis e teatros do país, com visitas agendadas num período que vai dos tempos do Imperador D. Pedro II, até a década de 1990.

Este primeiro livro do escritor aterrissou, por sua vez, por meio do prestigiado jornal francês Le Monde, na biblioteca dos europeus, sobretudo dos franceses, já que talentos femininos by France, como Sarah Bernhardt, Brigitte Bardot, Edith Piaf, incluem-se, ao lado de outras conterrâneas destas grandes estrelas, nas páginas de sua obra de estreia. Muito por conta deste contexto multicultural dos quais saem suas personagens na direção dos trópicos é que As Divas no Brasil vem cumprindo, no exterior, o mesmo ritualístico “sucesso de público e crítica” alcançado por aqui. O mesmo caminho parece estar sendo trilhado por As divas na cozinha que vai ganhar, de acordo com o autor, versão em inglês, francês e espanhol para satisfazer os vorazes leitores do mercado internacional.

“Por que mulheres tão ricas, tão famosas e cercadas de empregados para lhes servir iam para a cozinha?”, passou a indagar o curioso Evânio. Isto, sempre que, ao longo da pesquisa para a conclusão de seu primeiro livro, ele se “deparava” com as afro-americanas Ella Fitzgerald, Lena Horne, Dorothy Dandridge ou as loiríssimas Marlene Dietrich, Jane Fonda, Greta Garbo, Brigitte Bardot entre várias outras, cozinhando como qualquer mulher comum em seus momentos de privacidade.Para o deguste dos leitores de RAÇA BRASIL, foram especialmente selecionados dois pratos anteriormente produzidos na cozinha de nada mais nada menos que Dorothy Dandridge e Ella Fitzgerald. Ficaram de fora delícias que já foram testadas por nomes como a brasileira Zezé Motta (“Salada Granulada”), Lena Horne (“Feijão ‘bom de morder'”) e o “Spaghetti à Bolonhesa”, de Josephine Baker. Esta última, por exemplo, depois de passar fome e tentar, em vão, o sucesso em seu país natal, os Estados Unidos, partiu para a França em 1925, aos 25 anos de idade com o grupo La Revue Negre. Segundo Evânio, uma “farra de comes e bebes” em solo francês iria compensar aqueles anos difíceis de barriga (quase) vazia da conhecida Pérola Negra.

De acordo com o escritor, Miss Baker, na sua infância pobre, só comia pão de milho com melado para não passar fome. Além de ter se casado precocemente (mesmo!), com seus tenros 13 anos, “tentando melhorar de vida para ter o que comer”, dedura Evânio. A cantora Lena Horne (1917-2010), por sua vez, que cultivara, desde criança, sua paixão pela culinária, adorava os chitlins, uma comida afro- americana feita de intestino de porco que demora um dia inteiro para cozinhar. Já famosa, Lena dividiu sua cozinha várias vezes com outra super estrela, a atriz Ava Gardner. “Para Lena, a comida negra americana parecia muito com a refinada da Europa”, conta Evânio. Sobre Ella Fitzgerald, ele frisa. “A maioria dos cantores de jazz dos anos 50, recorria ao vício das drogas para aliviar tensões, exemplo da inimitável Billie Holiday, que era viciada em heroína, o que inclusive a levou à morte. Este não foi o caso de sua colega musical, Ella Fitzgerald (1917-1996), que também era viciada, não em drogas, mas em comida. Autora do prato ‘Tronco de Queijo Chedaar”, era dona de uma ampla cultura sobre culinária negra.” Nessa obra, o próprio autor faz uma concessão a si mesmo e assina uma delícia fácil, fácil de preparar e que foi servida no coquetel de lançamento de As Divas na Cozinha: são as “Linguiças carameladas”. Bon appétit!” Depois de muito analisar, acabei descobrindo que motivos variados levavam as divas até este canto tão especial da casa. Algumas iam por tradição, pois foram instruídas pelas mães desde cedo a cozinhar e mesmo depois de famosas fizeram questão de dar continuidade.

Outras, de certa forma, foram obrigadas a cozinhar quando chegavam sem dinheiro a Hollywood à procura de sucesso. Indo um pouco mais fundo na questão, vi que algumas divas se metiam na cozinha para aliviar tensões emocionais, caso de Marilyn e Dorothy”, revela o escritor. Aliás, por falar em Dorothy Dandridge, é desta estrela negra norte-americana, que se suicidou aos 42 anos, a receita de certa “Omelete Emocional” – uma das delícias descobertas por Evânio em suas pesquisas. Cabe frisar que a relação entre o nome do prato e a história de vida das divas (muito apropriada no caso da linda, talentosa e conflitada Dorothy) é um ingrediente picante do receituário gastronômico-literário de Evânio Alves. Em cada um dos 56 capítulos, a narrativa que precede as respectivas receitas assinadas por elas dá um sabor agridoce à obra. É como adicionar pitadas de mexerico de alto nível com guloseimas saborosas, fáceis de fazer e que cabem no bolso dos que não integram o panteão de seres humanos quase divinos, como as atrizes e cantoras que protagonizam o livro com suas receitas.

OMELETE EMOCIONAL
(por Dorothy Dandridge)

Molho:
4 fatias de bacon
1/2 xícara de cebola bem picada
1/2 xícara de pimentão verde
1/2 xícara de aipo picado
2 dentes de alho amassados
1 1/2 colher de extrato de tomate
1/2 k de carne moída
1/4 de linguiça de porco (1 pedaço)
1 colher de sal temperado
1/2 de colher de alho em pó
1 colher de pimenta chili em pó
2 colheres de sherry seco

Modo de preparo:
Fritar o bacon até ficar crocante. Tirar do fogo e repousar no papel toalha. Colocar os legumes e o extrato de tomate na mesma frigideira sem excesso de óleo e cozinhar em fogo baixo 15 minutos, até os legumes ficarem macios. Acrescentar todos os ingredientes, menos o sherry. Cozinhar, mexendo de vez em quando, até a carne estar cozida. Colocar o sherry, o bacon frito e misturar. Reservar.

Nota: o molho pode ser preparado antes, mas deve ser servido quente.

OMELETE:
Fazer a omelete duas vezes. Usar três ovos de cada vez numa frigideira grande.

Ingredientes:
6 ovos
2 colheres de água fria
3/4 de colher de cebola com sal
1 pitada de pimenta
1 1/2 colher de manteiga

Misturar os ovos com água, cebola e pimenta numa tigela. Bater com garfo até ficar espumoso por cima. Derreter a manteiga numa frigideira. Quando fizer espuma, colocar os ovos. Amaciar a omelete por cima com o garfo.
Quando a borda estiver pronta e o meio cremoso ainda, dobrar a omelete em duas partes e virar para um prato. Servir com o molho. Ou espalhar metade do molho sobre a omelete antes de dobrar. Enfeitar com salsa. Servir com um tomate assado.

SPAGHETI À BOLONHESA
(por Josephine Baker)

200 g de carne moída magra
200 g de carne de porco moída
200 g de carne de vitela moída
4 colheres de extrato de tomate
1 cebola picada
1 talo de aipo picado
Cebolinha picada
1 cenoura picada
1 colher de alho picado
2 xícaras de caldo de vitela (opcional)
1 xícara de vinho tinto
½ xícara de azeite
1 pitada de noz-moscada
1 pitada de flocos de pimenta chili
1 pacote de fidelini ou spaghetti
Salsa
Sal e pimenta a gosto

Passar a cebola, o alho, o aipo, a cenoura e a cebolinha no óleo quente até tudo ficar transparente.

Acrescentar as carnes e cozinhar por 2 minutos, mexendo para não grudar. Em seguida colocar o extrato de tomate e misturar bem. Depois colocar o vinho e o caldo de vitela e cozinhar em fogo baixo 15 minutos. Acrescentar sal e pimenta, flocos de chili e noz-moscada.

Misturar bem a massa com o molho e cobrir com salsa. Está pronto.

Nota do autor: Caso você não coma carne de porco e vitela, pode trocar por peru, que fica muito bom também.
molho sobre a omelete antes de dobrar. Enfeitar com salsa. Servir com um tomate assado.

 

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