Do contra me dirigindo a maioria, por Hamilton Borges

Um tigre não proclama sua tigritude

Ele salta sobre sua presa

Wole Soinka

Uma tigre não fala

Leopoldo Sengor

por vHamilton Borges dos Santos (Walê)

Dirijo-me aos comunicadores, jornalistas, a turma da publicidade, aos blogueiros, a essa imensidão de gente flutuando nas redes sociais, essa multidão virtual. Essa dispersa e apressada nova militância.

O mapa da violência de 2012 não trouxe nada de novo as listas intermináveis de bate papo sobre nossa realidade cada vez mais aprofundada na desgraça social do genocídio. O que diferencia esses dados? O que causam (esses dados) entre nós que nos auto proclamamos defensores de direitos, os que lutam contra o racismo ou os que promovem a igualdade?

É que a turma resolveu chorar os mortos pela rede mundial. Diante dos teclados uma infinidade de táticas emergem de tabletes, celulares, lap tops, ipods e ipads, smarts phone e outras geringonsas parecidas. Tudo é virtual, até a dor da rapaziada.

Mas precisamos (re) afirmar que a nossa dor ainda é real. Uma parcela significativa de nosso povo (me incluo) está fora do círculo cósmico da web e ainda gira em torno da mais simples luta pela sobrevivência, da mais elementar procura por dignidade, do profundo ódio que se nutre pelas autoridades irresponsáveis que cada vez mais clivam nossa gente em seus fantásticos mapas de exclusão e racismo.

Nossa gente (nós) está envolvida num nível de contradição profunda, admitamos. Somos as principais vítimas do consumismo, um mal que assola a todos e até mesmo os eleitos que celebram o fato de terem contrariado as estatísticas.

O consumismo nos leva a consumir cada vez mais mercadoria, a morrer tentando consumir mais mercadoria, a nos arriscar cada vez mais para consumir mercadoria e nos esquecemos do fato que nossa vida vale cada vez menos que a mercadoria.

Nossos corpos são a principal mercadoria do mercado da violência e do sistema industrial carcerário que vai multiplicando-se. Empreendimento com os mesmos gestos do tráfico escravista, o mesmo modus .

Concordo com o advogado José Raimundo: a propaganda é que nos leva a essa desgraça comunitária. Somos vítimas da propaganda que nos arranca cada vez mais o sentido daquela moral africana que nos fez sobreviver a séculos de violência na América.

Acreditamos tanto na moral européia, nos espelhamos tanto nessa visão de mundo que só vemos saída na imitação, na mímese. Ainda as propagandas tentam nos convencer que nossa única saída é mostrar ao mundo branco que podemos ser como eles, que podemos chegar lá, mesmo passos atrás.

Vamos lá, um advogado branco da idade de Dr. Zé Raimundo está fazendo pós-doutorado e a proposta de revisão do Código Penal no Senado. Os jovens empreendedores da classe média branca da publicidade estão faturando milhões por suas peças que entorpecem nossa comunidade com o lixo capitalista e racista que vemos todo dia na televisão, nos jornais, nos outdoors. Contrariamos o que ?

Não podemos jogar para o advogado e o publicitário negros o peso de um mal que não criamos. Não precisamos provar nada aos nossos algozes. Temos que “atacar”: “um tigre não proclama sua tigritude” (Sowinka) e “o tigre não fala” (Sengor),mas ruge!

O mapa da violência de 2012 foi lançado com dados que nós apontamos em marchas que fizemos nas ruas, em reuniões tensas com os aliados e falsos aliados, em debates duros, em construção real em ruas, vielas, favelas e cadeias. É a nossa voz, uma voz radical que explode em números oficiais.

“Em 30 anos, o Brasil ultrapassou a marca de 1 milhão de vítimas de homicídio. Dados do Mapa da Violência 2012, divulgado hoje (14) pelo Instituto Sangari, apontam que o número de homicídios passou de 13,9 mil em 1980 para 49,9 mil em 2010, o que representa um aumento de 259%. Com o crescimento da população nesses 30 anos, a taxa de homicídios passou de 11,7 em cada grupo de 100 mil habitantes em 1980 para 26,2 em 2010.”(Correio da Bahia 14/12/11)

Mano Brown, em meados dos anos 90, dizia que sobreviveu 27 anos às estáticas. Se dirigia aos pretos largados pelas ONGS, os pretos aprisionados, drogados , os que dizem foda-se com uma pistola nas mãos e roupas Ciclone e sandálias kenner nos pés sujos. Os pretos confinados nos guetos das cidades, enterrados vivos nas casas de correção, detenção e manicômios, os pretos e pretas que “vem cum nós” a cada dia que saímos as ruas com uma militância real , viva.

Eu contrario as estáticas: todo preto e preta que permanece vivo, aqui nesse país que mata mais gente que qualquer outro, mesmo sem guerra declarada, tem contrariado as estatísticas quotidianamente.

 

 

Fonte: Correio Nagô

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