É hora de aprofundar a democracia brasileira

O desgaste das formas de representação política é evidente. Há uma eminente sensação na população de que não conseguimos definir os rumos do país e das nossas cidades, a despeito da crescente oferta de espaços institucionais de participação – como as conferências e conselhos-, cuja incidência ainda é pouco efetiva. Esse é um questionamento fundamental feito pelos movimentos sociais que iniciaram a luta contra o aumento da tarifa: quem detém o poder de decisão das políticas públicas? Se a revogação do aumento das passagens indicou uma capacidade de incidência da população, num importante episódio de democracia direta, esse fenômeno aponta para a necessidade de um debate mais ampliado a respeito das formas de exercer a democracia.

Talvez por isso, um dos efeitos dos protestos foi colocar na pauta nacional assuntos como a reforma política e a discussão dos royalties do petróleo para a educação e saúde. Parece haver alguma consciência da necessidade de produzirmos um novo projeto de desenvolvimento, não somente baseado no crescimento econômico, mas no fortalecimento de uma agenda socioambiental, em especial em áreas em que avançamos pouco desde a democratização. O sistema político deverá responder urgentemente a essa demanda.

Embora sejam muitas as questões que se abrem agora, acreditamos ser fundamental apontar algumas agendas com as quais a Ação Educativa está historicamente vinculada.

1. O engajamento político da juventude é um instrumento fundamental da democracia, seja no âmbito local, nas escolas e bairros, seja nos espaços de decisão, em diálogo com os governos. Milhares de jovens experimentaram, nessa onda de protestos, a possibilidade real de exercer a sua cidadania participando dos atos, reivindicando o atendimento de suas demandas e defendendo suas posições políticas. Acreditamos que se colocou nos atos uma disputa legítima de posicionamentos que é saudável para a democracia e para a própria formação desses jovens, cujo perfil é diverso e se articula às diferenças sociais marcantes no nosso país.

Entendemos, ainda, que uma questão importante trazida pela juventude foi a demanda pelos espaços da cidade, que se desdobra na ideia do transporte como um direito e na crítica aos processos de urbanização dominados pela lógica dos interesses privados. Esse questionamento aponta numa direção que é a da ampliação dos direitos sociais – incluindo aqueles que contemplam as especificidades da juventude – e de um debate que não é somente de caráter técnico ou administrativo, mas, sobretudo, político.

2. A sociedade deve rejeitar toda resposta que viole o direito de livre expressão. Nesse sentido, a ação brutal das diversas polícias do país nesse último período, bem como o respaldo dado por governos e por parte dos meios de comunicação devem ser repudiados. É preciso que a segurança pública se compatibilize com o respeito aos direitos humanos, seja na possibilidade da sociedade ocupar as ruas para afirmar suas convicções políticas, seja na tarefa de pôr fim à violência policial dirigida cotidianamente a jovens negros e pobres.

3. Existe a necessidade de criar e fortalecer mecanismos de controle social, passando por maior transparência nas ações públicas e no planejamento e execução do orçamento público. O exemplo da licitação bilionária dos transportes públicos em São Paulo reforça o que se percebe em diversos outros contextos, como a ausência de audiências e meios de consulta para decisão em investimentos públicos, difícil acesso a planilhas e documentos, falta de clareza de quais as contrapartidas dadas pelas empresas e necessidade de demonstrar quais os efetivos benefícios à população. Isso também implica em ter conselhos com protagonismo da sociedade civil organizada, conferências incidindo nas políticas, e na construção de novos mecanismos de participação direta nas gestões.

4. A educação precisa estar no centro de um governo comprometido com a ampliação de direitos. A expansão do acesso à educação depende também de qualificar a oferta educacional no país e da valorização dos e das profissionais da educação. Sabendo que isso passa por mais investimento na área, é imprescindível que o poder público e toda a sociedade estejam comprometidos com a aprovação dos 10% do PIB para a educação, como vem defendendo a Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

É hora de aprofundar a democracia brasileira! É hora de avançar na construção de outro modelo de desenvolvimento, com base em um projeto sustentável, que supere o consumismo, valorizando a diversidade, promovendo a igualdade, a solidariedade, a participação, a preservação da vida e dos bens comuns.

 

Fonte: Ação Educativa

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