‘É preciso vontade do professor’, diz especialista sobre aulas de cultura negra nas escolas

Oficina busca construir estratégias para que o estudo da história e da cultura afro-brasileira e africana estejam nas salas de aula.

 Por Rita Torrinha, G1

Professora Eliane do Carmo coordena os trabalhos da oficina em Macapá (Foto: Rita Torrinha/G1)

Professores e gestores das redes de ensino estadual e municipal de Macapá estiveram reunidos nesta segunda-feira (27) no Centro de Difusão Cultural João Batista de Azevedo Picanço, no Centro, para discutirem a implantação da temática racial no cotidiano das salas de aula.

O principal foco foi planejar atividades que tornem real a lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até o ensino médio. A oficina “Construindo Estratégias” acontece até a quarta-feira (29).

Para coordenar o encontro, a organização do evento convidou a professora mestre Eliane do Carmo, da Secretaria de Educação de Salvador para relatar experiências e articular minicursos voltados à construção de estratégias.

“É importante trabalhar a história da África e dos africanos. Isso ainda é pouco explorado nas aulas. Geralmente os ensinamentos são direcionados à diáspora e às culturas negras, incluindo a carga regional de cada estado, mas é preciso falar como esse negro constituiu a sociedade. Não tem como dissociar a temática racial da cultura, mas tem toda uma história que precisa ser vista e resgatada”, comentou Eliane.

Moisés Bezerra é professor em uma escola quilombola de Macapá (Foto: Rita Torrinha/G1)

O professor Moisés Bezerra, da Escola Estadual José Bonifácio, localizada no quilombo do Curiaú, na Zona Norte de Macapá, disse que na comunidade dele a implementação da lei já é realidade.

“Buscamos a reflexão ampla, não folclorizando as coisas, mas como possibilidade da própria identidade. Para nós, o marabaixo, o batuque e as religiões de matriz africana não são folclóricas, mas parte da população negra e afro-indígena do estado, que precisam ser melhor entendidos e valorizados, para compreendermos a nossa própria natureza”, falou.

Já a subsecretária da Secretaria Municipal de Educação (Semed), Sandra Casimiro, refletiu que em 14 anos de lei muitas iniciativas vêm acontecendo nas escola, mas a plena aplicação da lei é um movimento lento.

“Não sabemos em quantos anos ela [lei 10.639/03] será efetiva, por isso esse momento é mais um que se torna importante para apurar como anda o processo de implementação no estado como um todo. No município a gente contempla a aplicação na diretriz curricular tanto para o ensino fundamental como para a educação infantil e educação de jovens e adultos”, garantiu.

O diretor-presidente do Instituto Municipal de Promoção da Igualdade Racial, Maykom Magalhães, completou dizendo que é preciso mudar a concepção da grade curricular, ensinando ao estudante que o negro foi escravizado, mas que ele também foi construtor do Brasil.

“Ao invés da criança aprender que o ancestral dela era um escravo, que vivia no tronco apanhando e era forçado a trabalhar, ele tem que aprender que os negros foram construtores do país e que no país deles muitos eram reis e rainhas. O negro foi sujeito da história, não apenas vítima”, pontuou.

Oficina ocorreu no Centro de Difusão Cultural João Batista de Azevedo Picanço (Foto: Rita Torrinha/G1)

A professora Eliane finalizou dizendo que a discussão da lei que propõe novas diretrizes curriculares para o estudo da história e da cultura afro-brasileira e africana nas escolas depende da vontade expressa do educador.
“A gente já rompeu a barreira do fazer, mas agora é preciso se trabalhar em rede, com instituições e demais organizações e a comunidade com posse das informações. O miudinho, o trabalho do cotidiano, está se construindo agora e não é simples, mas é preciso unicamente da vontade do professor”, falou.

O evento foi realizado Prefeitura de Macapá e Ministério Público do Estado, em parceria com o Governo do Estado do Amapá, Núcleo de Estados Afro-brasileiros da Universidade Federal do Amapá (Unifap) e o Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania Brasileira, também da universidade.

+ sobre o tema

Carta aberta: É preciso aperfeiçoar o relatório do PNE

CARTA ABERTA DAS ENTIDADES E MOVIMENTOS EDUCACIONAIS É PRECISO APERFEIÇOAR...

44% da população brasileira não lê e 30% nunca comprou um livro, aponta pesquisa Retratos da Leitura

Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil anuncia resultados de...

Orgulho! Lorrayne Isidoro ficou em 18º lugar em Olimpíada Internacional de Neurociências

Lorrayne Isidoro enfrentou diversos obstáculos para chegar até a...

Leandro Karnal: professor que festejou ataque a estudante é “co-autor da violência”

O limite da liberdade de expressão Por Leandro Karnal Do DCM Conquistamos...

para lembrar

Educadores: militarização de colégios reflete falência do sistema educacional

Para estudantes de dez colégios públicos de Goiás, a...

A cor da intelectualidade

“A cor está para o Brasil como o gelo...

Michelle Obama visita África

Primeira Dama vai visitar Libéria e Marrocos do Voa Portugues A...
spot_imgspot_img

Geledés participa do I Colóquio Iberoamericano sobre política e gestão educacional

O Colóquio constou da programação do XXXI Simpósio Brasileiro da ANPAE (Associação Nacional de Política e Administração da Educação), realizado na primeira semana de...

A lei 10.639/2003 no contexto da geografia escolar e a importância do compromisso antirracista

O Brasil durante a Diáspora africana recebeu em seu território cerca de 4 milhões de pessoas africanas escravizadas (IBGE, 2000). Refletir sobre a formação...

Aluna ganha prêmio ao investigar racismo na história dos dicionários

Os dicionários nem sempre são ferramentas imparciais e isentas, como imaginado. A estudante do 3º ano do ensino médio Franciele de Souza Meira, de...
-+=