Joana Mendes, publicitária e uma das idealizadoras do YGB.BLACK, o primeiro banco de imagens brasileiro de mulheres negras, fala hoje no quarto painel de debates da segunda edição de Universa Talks, com o tema “A Mulher no Mercado de Trabalho”.
Em seu discurso, Joana resgata sua trajetória de vida: nascida em Rondônia, considera que foi graças à postura da avó, uma trabalhadora doméstica, que as mulheres seguintes da sua família conseguiram chegar aos espaços que ocupam hoje. Há alguns dias, Joana se tornou a primeira mulher negra a ocupar um cargo de direção em uma grande agência de publicidade: a FBiz.
Mudança na pirâmide
“Sou rondoniense, minha mãe é carioca e minha avó sergipana. Ela, como muitas mulheres negras, foi empregada doméstica. Aos 11 anos, foi tirada da escola. Mais velha, trabalhava na casa de uma patroa que a constrangia, humilhava. Depois de escutar que ‘não era e nem iria ser alguém’, ela pensou que aquilo poderia ser verdade para si mesma, mas não para a sua filha. E então endoidou minha mãe com a ideia de estudar. Deu certo.
Hoje minha mãe é uma das maiores especialistas em saúde pública do mundo. Costumamos dizer que, se não fosse esse movimento da minha avó, nenhuma de nós, da geração seguinte, conseguiríamos ocupar os espaços que ocupamos. Minha irmã, por exemplo, é produtora de moda. São profissões intelectualizadas, não-costumeiras para mulheres negras. Nós, em geral, costumamos ir para as profissões de cuidado, mesmo quando podemos fazer uma universidade.
Ir para uma profissão elitista, como é a publicidade, na qual os profissionais demoram para ganhar dinheiro, foi um privilégio que a minha avó me deu.”
Em busca de espaço
“Cresci em Porto Velho. Não era fácil ser uma menina negra ali — uma das poucas da minha escola, que era particular. Existia um apagamento. Assim como outras crianças da minha idade, via a Xuxa e a Angélica na televisão e imaginava que ser bonita era ser daquele jeito. Lembro de um dia em que cheguei a perguntar para minha mãe se ela achava que eu seria bonita se fosse branca.
Mais velha, passei em segundo lugar no vestibular, contrariando minha família, que desejava que cursasse medicina. Depois de me formar, fui para o Rio de Janeiro a fim de cursar uma pós-graduação e acabei ficando por lá. Passei seis anos na cidade, trabalhando como redatora de digital. Eu queria ser young [Young Lions é um prêmio que reconhece jovens publicitários no Festival Cannes], mas o Rio só tinha uma vaga. E eu sabia que era para boy, branco.
Mas aí abriu um curso, o Young Lions Creative Academy, eu me inscrevi e fui selecionada. Quando voltei da França, soube que teria que deixar o Rio se quisesse crescer.”
Hackeando a área da comunicação
“Graças a um conhecido, consegui uma entrevista em uma agência na qual sempre desejei trabalhar. Mas não era fácil: não conhecia quase ninguém, nem tinha tantas referências. As pessoas não sabem onde é Rondônia, confundem com Roraima, com o Acre. Era difícil batalhar por uma vaga com uma pessoa que fez faculdade em um lugar famoso. Passei por falta de dinheiro, cheguei a ter R$ 15 para passar a semana.
Em um determinado momento, pensei: vou usar essa falta de espaço para me articular e ver o que acontece. Sempre tive projetos paralelos, contatos com pessoas, mas nem sempre conseguia dar andamento a eles. Até que um dia conversando com uma conhecida, ela me disse que tinha dificuldade de encontrar fotos de mulheres negras. E nasceu a ideia de criarmos um banco com essa característica por financiamento coletivo, o Young Gifted and Black.
Ele vem de um espaço diferente. Geralmente a sociedade não nos coloca como protagonistas. Somos um corpo. Uma pesquisa aponta que apenas 25% das peças publicitárias têm mulheres negras, quando nós somos 55% da população brasileira. E muitas vezes, mesmo quando atrizes e cantoras são colocadas em lugares de destaque na publicidade, o time por trás não é assim. É formado por pessoas brancas. Por isso queríamos que tudo, desde o princípio, fosse feito por nós. Mostrar que temos competências, que estamos fazendo além do esperado.
O nascimento do banco de imagens me proporcionou uma série de reconhecimentos, entre eles ser considerada uma das trinta jovens que está mudando a comunicação no Brasil. Com ele vieram estudos sobre feminismo interseccional e entendi melhor o quanto era difícil para mim, como nortista, alcançar certos lugares, começando do sotaque, que não é como as pessoas esperam. Mas eu sempre quis ser boa redatora. E acho importante falar a palavra ambição. Espero que consiga atingir mulheres negras e que as pessoas brancas entendam seu papel, de que a sociedade é inteira feita para elas — e precisamos mudar isso.”
Foto em destaque: Reprodução/ UOL