A humilhação vivida em um dos seus primeiros estágios logo vem à cabeça da diretora Juliana Vicente, de 38 anos, quando reflete sobre os motivos que a levaram a abrir a Preta Portê, produtora focada em projetos com a temática preta, indígena e LGBTQIAP+. “Sentia um ambiente muito hostil. O auge foi quando um cara jogou toda uma prateleira no chão e me mandou arrumar. Enquanto fui colocando tudo no lugar, pensei que nunca mais queria estar em uma situação como aquela. Essa agressão foi determinante para abrir a produtora”, recorda. “Não sei se teria sobrevivido nesses espaços opressores. Até porque eu não tenho o shape que eles procuravam para uma diretora.”
Em 2009, abriu a Preta Portê. De lá para cá, foram 40 filmes e mais de 100 prêmios mundo afora. “No começo, eram pessoas brancas querendo contar nossas histórias. Depois, bem misturado. Mas, a partir de 2014, a produtora virou pretona mesmo. Entendi que, se quisesse uma equipe preta, era melhor formar pessoas e abri a Escola Preta, projeto focado em aperfeiçoar profissionais afro-indígenas.”
Este ano, ela lança dois grandes trabalhos: o longa “Diálogos com Ruth de Souza”, que ganhou Melhor Direção de Documentário no Festival do Rio, e a série “Racionais: das ruas de São Paulo pro mundo”, sobre o grupo de rap, que está na Netflix. Antes, Juliana fez curtas premiados, séries como “Afronta!” e o programa “Espelho”, de Lázaro Ramos. “Ela é um talento gigantesco, tem um trabalho potente. A conheci no curta ‘Cores e botas’, que na época já gerou uma transformação. Depois, em 2018, dirigiu uma temporada de ‘Espelho’. Mais adiante, fortalecemos nossa amizade na casa de Ruth de Souza (1921-2019), que sempre fez questão de nos agregar como coletivo. A Ju leva essa mensagem adiante”, diz Lázaro.
Enquanto a produtora cresce, infelizmente, as situações de preconceito não diminuem. Mas, Juliana consegue lidar cada vez melhor com elas. “Como Mano Brown fala, a escalada do preto não é fácil. Ainda enfrento uma série de coisas. Tenho que me provar o tempo todo. O que ajuda nessa caminhada é que fiquei mais instrumentalizada para lidar com a sutileza do racismo. Hoje me derruba menos”, percebe.
E como não para e gosta de experimentar, ela acaba de se mudar para o Rio ao lado da filha Amora, de 1 ano (em meio a isso tudo, ainda é mãe solo) para dirigir a próxima novela das 21h da Globo, “Terra vermelha”, de Walcyr Carrasco. “Estou interessada em ficção nesse momento, em entretenimento popular. Quero conhecer como funciona uma máquina desse tamanho, experimentar uma estrutura como essa. Além disso, fiquei muito feliz por ser uma protagonista preta”, finaliza.