Em carta-manifesto a reitoria, alunos da UFRGS cobram expulsão de doutorando indiciado por racismo

Enviado por / FonteO Globo, por Rodrigo Castro

Mais de 40 diretórios acadêmicos e movimentos sociais assinam documento enviado nesta sexta-feira; grupo pede à universidade prioridade no caso que envolve Álvaro Hauschild

Mais de 40 diretórios acadêmicos e movimentos sociais encaminharam nesta sexta-feira uma carta-manifesto à reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) na qual pedem a expulsão do doutorando Álvaro Hauschild, indiciado por racismo, e cobram prioridade ao caso. O documento também foi submetido ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia (PPG-Filosofia) e ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH).

Na carta à qual o GLOBO teve acesso, estudantes e entidades exigem um “firme e real compromisso da universidade ao enfrentamento de qualquer ato de discriminação racial” e afirmam que não basta emitir notas de repúdio. O grupo pede ainda que o processo disciplinar instaurado seja tratado com celeridade.

“Não há mais qualquer espaço, dentro ou fora da Universidade, para a repugnante e esdrúxula ideia de supremacia racial! É exaustivo e inaceitável que se aceite esse pensamento ou que se permita que ganhe espaço em nossa sociedade. Não podemos aceitar que exista ideias tão cruéis afirmando que uma ‘etnia deve ser superior a outra” ou qualquer outra concepção de que “o discurso de ódio se configure como opinião’. Isso não faz parte de uma democracia fundada em direitos fundamentais, razão pela qual não deve ser tolerado”, diz a carta.

Carta-manifesto de alunos da UFRGS pede expulsão de doutorando indiciado por racismo Foto: Reprodução

Os acadêmicos organizavam desde a semana passada um abaixo-assinado pelo desligamento de Hauschild. A mobilização contava com 2.361 assinatura até esta sexta-feira. A ideia é apresentar o documento na próxima reunião do Conselho Universitário, órgão colegiado legislador de maior poder dentro da universidade.

Em resposta à carta, o PPG-FIL afirmou que tem “tomado todas as medidas que julgamos em nosso poder a respeito do mesmo, bem como de condutas associadas anteriores”. O coordenador do programa, Renato Fonseca, diz ainda que se apresentou como testemunha por iniciativa própria após a instauração do inquérito policial.

“Diante disso, dado que todas essas ações são de conhecimento público, causou-me estranheza a exigência, na Carta Manifesto, de um posicionamento firme do PPGFIL contra a impunidade no caso, uma vez que, junto com os discentes de nosso Programa, temos agido de maneira resoluta, não de agora, para que discurso de ódio, racismo e qualquer discriminação não prosperem em nossa universidade. A exigência parece pressupor que nada foi feito de nossa parte”, escreveu.

Procurada nesta sexta-feira, a UFRGS não respondeu aos questionamentos até a publicação da reportagem. Hauschild afirmou ao GLOBO que já publicou um pedido de desculpas e que “qualquer medida em conforme a este abaixo-assinado seria prejulgada”. O doutorando também afirmou que “não cabe aos manifestantes qualquer participação”, uma vez que o assunto é investigado pela polícia.

Dossiê de alunos

Alunos da universidade já haviam denunciado o comportamento de Hauschild antes de as acusações de racismo virem à tona. Há cerca de um mês e meio, eles encaminharam um dossiê à ouvidoria da instituição, no qual constam publicações do doutorando coletadas em redes sociais e blogs.

O material foi entregue no dia 2 de agosto pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia ao Núcleo de Assuntos Disciplinares (NAD) da universidade, que recomendou ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas a abertura de um processo disciplinar. O diretor do IFCH, Hélio Ricardo Alves, afirmou que duas denúncias estão sendo investigadas.

Na ação mais recente, difundida nas redes sociais, o Centro Acadêmico de Políticas Públicas (CAPP) convocou a comunidade acadêmica da UFRGS e pessoas de fora da instituição a aderir à mobilização.

“Devido a este crime exigimos que a UFRGS, conhecida por ser tolerante e impunitiva, desligue este criminoso da instituição. Não iremos aceitar que crimes raciais sejam tratados a base de notas de repúdio, exigimos JUSTIÇA e estamos todos empenhados para que se cumpram as medidas cabíveis”, escreveu o perfil do centro acadêmico.

Entenda o caso

Indiciado pelo crime de racismo qualificado, doutorando Álvaro Körbes Hauschild, de 29 anos, era investigado pela Polícia Civil desde a divulgação de mensagens e textos escritos por ele com conteúdo ofensivo aos negros, judeus e mulheres. O relatório do inquérito já foi encaminhado ao Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP/RS), que deve decidir na próxima semana se oferece denúncia.

A investigação começou após denúncia do estudante de Políticas Públicas da UFRGS Jota Júnior, de 23 anos, que registrou ocorrência depois que sua namorada foi abordada pelo doutorando nas redes sociais.

Na conversa, Hauschild afirma que o negro “exala um cheiro típico”, “tem um cérebro programado para fazer o máximo de filhos que puder” e que “pode não ser um problema lá onde a natureza dá cabo deles”. 

Hauschild também assediou e enviou mensagens antissemitas para a namorada de um judeu, que deu entrevista ao GLOBO na condição de anonimato.

— Sobre o Holocausto: é uma questão científica. Ou tu tem evidências ou tu não tem (sic). Simplesmente não há a menor evidência até hoje; pelo contrário, há estudos mostrando que matematicamente já é um absurdo. Mas se alguém vier e me mostrar o que aconteceu e como aconteceu, eu passo a acreditar — escreveu Hauschild.

+ sobre o tema

Rodo cotidiano: eu, um motorista, o preconceito e 2 fuzis

Poderia ser apenas mais uma história para ilustrar o...

A falácia da Meritocracia

É tendência comum supor que, em relação a resultados...

‘Se saio desarrumado, acham que sou pedinte’, diz ator e roteirista Silvio Guindane

Diretor, roteirista e ator, Silvio Guindane vai interpretar um...

para lembrar

OAB reage a ataque ao Nordeste no Twitter

Alessandra Duarte Universitária de SP que iniciou ofensas deverá...

Escritor Benjamin Moser é acusado de racismo por trecho em biografia de Clarice Lispector

Benjamin Moser escreveu que, ao lado de Lispector, ‘Carolina...
spot_imgspot_img

PM afasta dois militares envolvidos em abordagem de homem negro em SP

A Polícia Militar (PM) afastou os dois policiais envolvidos na ação na zona norte da capital paulista nesta terça-feira (23). A abordagem foi gravada e...

‘Não consigo respirar’: Homem negro morre após ser detido e algemado pela polícia nos EUA

Um homem negro morreu na cidade de Canton, Ohio, nos EUA, quando estava algemado sob custódia da polícia. É possível ouvir Frank Tyson, de...

Denúncia de tentativa de agressão por homem negro resulta em violência policial

Um vídeo que circula nas redes sociais nesta quinta-feira (25) flagrou o momento em que um policial militar espirra um jato de spray de...
-+=