Escritor Allan da Rosa lança livro sobre personagens que “lutam para serem reconhecidos como gente”

Obra cheia de lirismo e crueza será lançada nesta segunda (17), na Ação Educativa

Por Juca Guimarães Do R7

O capoerista, educador e escritor Allan da Rosa está lançando o seu primeiro livro de contos, que recebeu o nome Reza de Mãe(editora Nós). São 14 textos sobre personagens e histórias cheias de lirismo e crueza. Com atenção e sensibilidade, o autor Allan da Rosa, que começou muito jovem escrevendo em um caderno a biografia fictícia dos jogadores dos seus times de botão, vai nos revelando um universo real, urgente e em ebulição constante.

Allan da Rosa integra desde o princípio o movimento de Literatura Periférica de SP e foi editor do clássico selo “Edições Toró”. Historiador, mestre e doutorando na Faculdade de Educação da USP, ali, na ocupação do Núcleo de Consciência Negra, fez cursinho e foi professor e alfabetizador. Pesquisa e atua em ancestralidade, imaginário e cotidiano negro.

Ele também é autor das obras: Da Cabula (Prêmio Nacional de Dramaturgia Negra, 2007), Zagaia (juvenil), dos livros-CD A Calimba e a Flauta (Poesia Erótica, com Priscila Preta) e Mukondo Lírico (Prêmio Funarte de Arte Negra, em 2014), além do ensaio Pedagoginga, Autonomia e Mocambagem.

Na segunda-feira (17), acontece o evento de lançamento do livro na Ação Educativa (rua General Jardim, 660, próximo à estação República do Metrô), a partir das 19h. O Allan vai falar um pouco sobre o livro e terá também um show com a banda Coentro Rosa, que musicou alguns dos poemas do autor;  uma performance do Nlá Made Muana chamada “Internado para não enterrar”, baseada na obra do Allan e a discotecagem do Guilherme Botelho. A entrada é gratuita.

Confira a entrevista exclusiva com o ator sobre literatura, periferia, educação e o novo livro.

R7: Quanto tempo durou a produção dos textos? Você fez alguma atualização nos textos mais antigos para dar uma unidade antes da publicação?

Allan da Rosa: Talvez dois anos escrevendo, concatenando, tecendo as pontes entre as histórias que são autônomas mas trazem muitas tranças entre os dilemas de personagens que vão e voltam, que retornam escancarados ou sutis, ligando tretas antigas, pretas, a urgências contemporâneas. Personagens que lutam por serem minimamente reconhecidos como gente, encantos que brotam em meio à lameira, situações limite que exigem mais do que palavras de ordem, hinos de louvor e bandeiras otimistas que empolgam mas se esvaziam rapidinho com a realidade complexa das quebradas.

Neste período de reflexão sobre nossa época, entalhando o livro eu também procurava uma editora que garantisse distribuição decente. Há apenas dois ou três textos antigos, que saíram em antologias de literatura periférica ou em revistas de cultura negra como a Menelick, e mais uns dois ou três contos que saíram na Fórum, onde eu publico volta e meia. São as mesmas histórias, mas às vezes ganharam novas frestas e flechas porque os personagens seguiram me cutucando, comendo com a minha colher, brincando comigo e meu filho nas ladeiras. Mostrando que é preciso questionar esse sistema que nos quer comprando quietinhos ou mofando ensanguentamos na vala, mas também sacando que não vamos longe se não percebermos nossas contraditórias formas de ser e de abrir vagas nesse tabuleiro podre.

R7: Qual a mensagem em comum que os contos do livro passam?

Allan da Rosa: Não posso definir que há uma mensagem, isso se filtra na leitura de cada pessoa, mas há uma proposta de negar slogans que às vezes são pintados como militância pra nós, num entendimento limitado que periferia seja quilombo ou seja senzala, usando jargões já tão familiares há pelo menos 15 anos e que parecem não mudar, mesmo diante de nossa realidade tão complexa e que se alterou tanto, até mesmo pra manter as pontiagudas estruturas. A busca deste livro é se desvencilhar do fácil maniqueísmo, que é uma imensa tentação pra nossa arte há tempos e pode engessar e congelar a compreensão. O desafio é se enredar em nossos labirintos, ir pra além das noções simplistas de bom e de mau. Questionar o sistema, suas pauladas em nosso cotidiano, sua força racista em nossa história, mas também se emaranhar mas nossas dúvidas, necessárias em tempo de tanta exclamação raivosa e rasa.

Hoje considero que literatura é imaginação, vivência e linguagem. Umedecida e orientada por sua proposta política. O que me encasqueta e onde não quero me atolar é no lameiro de passar pano pra personagem ou de julga-lo, sem mergulharmos nos seus labirintos, nos repentes de cada dia. O que chamamos de resistência é digno, é glorioso, mas às vezes faz o mesmo jogo que os donos dos controles remotos, dos rebanhos e das antenas parabólicas, berrando palavras de ordem que não contemplam nossas instigas mais íntimas e que vão além do script previsível da obra feita pra agradar militância.

Enfim, a mensagem quem constrói é cada leitor, por seus sentidos e ritmos, mas o que mais almejo é que contemplemos nossa ancestralidade, a que ensina que a nossa fonte é a encruzilhada, a roda sempre em movimento, muito mais do que esse maniqueísmo que hoje vigora e que parece uma mesa de pingue-pongue.

R7: Você pensa em escrever um romance no futuro?

Allan da Rosa: Seja romance, quadrinhos, teatro, poesia pra se ler ou se cantar… qualquer forma ou gênero tem que contemplar o que sentimos necessidade de expressar. Hoje, o conto é o que me chama, pela sanha de contar e ouvir histórias que é tão nossa há tempos e pela boniteza de partilhar isso em colheradas, uma por vez. Pela profundidade possível num conto, pelo sabor e vibração de uma história que surpreenda pelo desenrolado ou pela linguagem, no tesão que atiçamos com a língua na escrita que flui em prosa. O romance, a novela, também tem forças e frestas que só ele, principalmente pelas reviravoltas e funduras que abrem. A imensa Toni Morrison, por exemplo, mostrou isto: pro seu projeto de recontar a história preta dos EUA a forma do romance é a mais apropriada. Cada mote, cada miolo, pede ou exige uma forma.

Tenho uma pequena novela juvenil pronta pra sair ano que vem. Escrevi agora uma peça junto com uma companhia de teatro negro e comecei um livro de contos em forma de cartas. Enfim, a palavra é um oceano e pra cada momento escolhemos a melhor praia pra dar as braçadas. O gênero conto já foi muito mais bem considerado em nossas terras, hoje que eu saiba há apenas um grande festival dedicado a ele, em Santa Catarina, onde inclusive farei a mesa de fechamento em novembro com o imenso escritor Rubens Gonçalves.

R7: O seu livro anterior, “Pedagoginga …” é sobre a sua experiência de educador na periferia. Olhando agora, qual a avaliação que você faz sobre a educação nas quebradas? Quais os avanços?

Allan da Rosa: Da educação escolar sabemos como anda há muito tempo: Uma maioria de masmorras e uma minoria considerável e imprescindível de jardins. Segue a linha e o projeto colonial de nos emburrecer, escravizar, demonizando nossos modos ancestrais de viver, nos afastando de nossa história e de nossas formas de gerar e partilhar conhecimento. Já do que poderíamos chamar de educação popular, ela é fonte de esperança e agora, nesse triste momento político, sinto que é daqui que vamos recriar os ninhos e os revides. Há vários coletivos com muitas linguagens e formas, lidando com nossas mais velhas e com nossos crianças, influenciando as escolas e mesmo proporcionando a educadores uma formação que os órgãos oficiais não dão.

Sinto que nosso desafio é que aprofundemos mais ainda nossas didáticas, nossas reflexões, pra não confundir horta com espetáculo nem fogueira com fogos de artifício. Construímos saraus que se espalharam, editoras que se firmaram, agora sonho que a gente teça uma rede consistente que contempla pesquisa, prática pedagógica e que envolva corpo, tecnologias e abstração, teoria quente e prática suada. Os cursos independentes que fizemos por anos, a “Pedagoginga” são um grão a mais nessa história de educação popular que temos nas quebradas do Brasil inteiro e nas Américas há décadas, que se baseia em solidariedade, luta e percepção de território.

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R7: É possível viver de literatura no Brasil?

Allan da Rosa: Do percentual de capa na venda de livro, não. Mas literatura tem outras varandas, entre os universos da arte e da educação, da luta simbólica ou do mero entretenimento superficial. Depende se tu estiver disposto e se tiver apetite ou estômago. Tá aí nítido que a sanha marqueteira constrói pretensos intelectuais, heróis ou representantes das minorias, prontos pra berrar e mandar o verbo que agrade os patrocinadores ou que denuncie até onde não seja um estorvo pros barões. Basta falar e escrever o que sabe que agrada a plateia, não o que lhe incomoda e lhe ferve nos pensamentos de cada dia, o que traz coceira. Se nisso conseguirem meter um disfarce de “revolucionário” ou de “questionador” então, se encaixa melhor ainda.

Escrever ainda é uma atividade de xarope pra xarope. Mas por obsessão, amor ou crença, continuamos. Temos nossas linhagens que vem de longe, escritoras que há tempos tocam nos nossos pontos mais amargos ou doces. Mas quando tu fala de viver eu penso também na sobrevivência psicológica num tabuleiro tão solitário como o da escrita, da tecelagem das histórias, das manhãs e madrugadas bolando os enredos, enfrentando os fantasmas e acariciando os medos de dentro, ligado a cada instante nessa missão. Isso pra quem tem tão forte a presença coletiva, comunitária, é bem difícil.

Por isso, busco a saúde da palavra na nobreza e na traquinagem oral. É uma bença poder trabalhar junto com músicos e atrizes. Ou versar numa roda. Mas ao mesmo tempo não contempla toda a sanha que busco criando prosas.

R7: Como e quando você começou a escrever?

Allan da Rosa: Comecei a escrever moleque, criando biografias pros jogadores do meu futebol de botão. Eu ia no Atlas, selecionava cidades e imaginava aventuras pra centroavantes e goleiros dos meus clássicos internacionais. Tinha caderno só pra isso. Bem depois, já no século 21, no nosso movimento de literatura e de saraus, a escrita começou a vazar dos cadernos instigada pela escuta e leitura de tanta gente do circuito, até ganhar muito mais espaço e semear em outros mapas.

Hoje, escrevo pra compreender melhor a encruzilhada que é o ser humano. Apaixonado, enojado e encantado pelas pessoas, pelas estradas que abrimos e pelos bueiros em que nos atolamos. A intenção e necessidade é também caçar diálogo, pensar junto com minha gente sobre nossa época, porque precisamos superar o apartheid editorial brasileiro que nem sequer resvala na nossa grandeza. E a leitura ainda é um momento especial de intimidade e de concentração plena, que pode abrir horizontes e caminhos pra escapar das ditaduras mentais, pra questionar com fundamento as lógicas mais entranhadas. Eu creio que a literatura também pode ser uma Casa de Axé, um terreiro que germina, pela luz que emana e pela fortaleza e bailado de suas histórias.

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