Grandezas e misérias das redes sociais

Tem-se atribuído às redes sociais a virulência que atualmente se observa no debate público de numerosos países. Atribuição a meu ver acertada, contanto que não transformemos as redes no único vilão.

Por Bolívar Lamounier, do ISTOÉ

O sociólogo e cientista político Bolívar Lamounier (Foto: Filipe Redondo)

A revista norte-americana The Atlantic dedicou a esse tema todo o seu número de dezembro. Referindo-se só aos Estados Unidos, o editor-geral da revista, Jeffrey Goldberg, abriu a discussão com um esplêndido artigo intitulado “A nation coming apart” (Uma nação em frangalhos, em tradução livre). Entre as possíveis causas desse fenômeno ele cita as deficiências estruturais do sistema político, a tribalização da política — causada por níveis patológicos de desigualdade social — e a tenaz persistência do racismo. Goldberg conclui: “não sabermos mais quem somos como povo e não temos mais o sentimento de propósito coletivo”.

Situar essa questão no contexto do debate sobre as redes sociais pode nos trazer — como veremos em seguida — um paradoxal alívio, mas também a certeza de que robustecer as democracias hoje existentes não será tarefa fácil.

O alívio é que a virulência de que estamos falando tem a ver com a realidade nua e crua das sociedades atuais e não da bicentenária utopia da “democracia direta”. Desde que Jean-Jacques Rousseau publicou “Do contrato social”, em 1762, centenas de ideólogos socialistas e anarquistas acreditaram que a humanidade caminhava para uma era de “transparência”, na qual todos os cidadãos teriam uma boa compreensão das causas dos conflitos sociais e poderiam facilmente formar os consensos necessários ao equacionamento destes. A dificuldade era como estabelecer a indispensável proximidade entre dezenas ou centenas de milhares de indivíduos. Pois então, esse problema a internet resolveu. Hoje podemos nos comunicar de um lado ao outro do planeta instantaneamente e a custo praticamente zero. Mas o que estamos presenciando não é a dissolução e, sim, a crescente virulência dos desacordos.

Segue-se que a única democracia possível é a representativa, mas a cada dia constatamos que praticá-la não é fácil. Por toda parte, os legislativos e partidos se encontram fragilizados (e disto o Brasil é um egrégio exemplo). Muito além das redes sociais, precisamos compreender por que, na cúpula dos três Poderes, estamos presenciando a perda da antiga ideia aristotélica de missão e dedicação ao bem comum, sem a qual a própria noção de política perde seu sentido.

A internet resolveu o impasse da comunicação direta, gratuita e instantânea, mas também escancarou as discordâncias que minam a democracia

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