História de negros e indígenas nas escolas: por que não?

 

“Imagine o perigo: crianças negras, ao invés de brincarem de “polícia e ladrão” organizarem – no fundo do quintal, a rebelião das senzalas, com os meninos brigando entre si para decidir quem seria Zumbi dos Palmares! Ou mais: crianças brancas e negras, brincando de casinha e a pretinha, ao assumir “seu papel na brincadeira”, resolve preparar o veneno que vai servir de tempero no banquete da amiguinha ‘Senhora’.”

Foto: Gabriel Brito/Correio da Cidadania

Douglas Belchior

As ruas deixaram o recado: o atual sistema de representação política está falido e não nos representa! Seria também um aviso às Conferências Temáticas? Aliás, vivemos tempos onde se realizam muitas conferências. Tem pra todos os gostos: moradia, saúde, criança e adolescente, diversidade etnicorracial, mulheres, direitos humanos, segurança, etc. Mas, o que de fato se aproveita dessas conferências, para além de seus emblemáticos documentos finais repletos de boas propostas que, talvez por serem boas, jamais se concretizam? Não há intenção de dar conta da questão nesse texto, mas fazer uma provocação sobre um tema apenas: Efetivação das leis 10639/03 e 11645/08.

Em São Paulo, no final do mês de setembro deve acontecer a etapa regional da Conferência de Educação, que elege delegados para a Conferência Nacional de Educação – CONEA, que ocorrerá em 2014.  Com a intenção de elaborar propostas para a etapa paulista, será realizada nos próximos dias 12 e 13 de Setembro a I Conferência de Educação para Relações Etnicorraciais do Estado de São Paulo. Esta atividade é uma vitória da sociedade civil organizada e em especial do FEDER – Fórum de Educação e Diversidade Etnicorracial. Afinal, será o momento de dar visibilidade à questão da implementação da Lei 10639/03, alterada pela 11645/08, e claro, tentar comprometer setores públicos em sua efetivação.

Sim, é preciso expor o absurdo: Como é possível que 10 anos após sua aprovação, a Lei que institui a obrigatoriedade do ensino da História da África e das culturas africanas e indígenas no Brasil – apesar dos nobres esforços de militantes e grupos muitas vezes isolados – não tenha saído do papel? Se considerarmos que deveria ter sido publicada como lei complementar à Abolição, significa que já estamos 135 anos atrasados.

Pergunto aos estudantes que prestaram vestibular nos processos seletivos do último ano: quantas questões abordaram a história e a cultura afro-brasileira e indígena? Nem mesmo o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) – certamente menos injusto que os vestibulares tradicionais – despertou para esse problema. Há ao menos coerência. Por questão de lógica, é impossível cobrar um conteúdo que não foi ensinado em sala de aula.

Se é verdade que vivemos em um país estruturalmente racista; se é verdade que a população descendente das africanas, para além de jamais terem sidos reparadas ou indenizadas por um dos maiores crimes de lesa humanidade que se tem notícia – os quase 400 anos de escravidão no Brasil – ainda penam “como de costume”, com a negação de direitos, com a violência das polícias e o encarceramento, daí podemos extrair uma hipótese: provocar a lembrança da história de resistência dessa gente preta, pobre e fankeira pode ser perigoso! Seria um risco ver o povo brasileiro reconhecendo nos indígenas um passado em comum, marcado por violências de toda a espécie mas também – e principalmente – sua permanente disposição para a luta e a resistência.

Imagine o perigo: crianças negras, ao invés de brincarem de “polícia e ladrão” organizarem – no fundo do quintal, a rebelião das senzalas, com os meninos brigando entre si para decidir quem seria Zumbi dos Palmares! Ou mais: crianças brancas e negras, brincando de casinha e a pretinha, ao assumir “seu papel na brincadeira”, resolve preparar o veneno que vai servir de tempero no banquete da amiguinha ‘Senhora’.

Evidente que não seriam essas as práticas pedagógicas a serem fomentadas. Mas diante do risco de se alcançar o efeito que mais se espera de um processo educacional: a provocação da capacidade reflexiva, da capacidade crítica, da capacidade de comparação, de contextualização do problema real, enfim, imagine essas capacidades cognitivas, reflexivas e críticas relacionadas ao processo do que foi a escravidão e do que é a realidade a que a população negra e indígena é vive hoje.

Não. Uma lei dessas não pode dar certo. Armar os escravos? Jamais! Provocar sua tomada de consciência? De jeito nenhum!

Mas a História – ela de novo – ensina: Pretos e Índios se armam por sua própria conta. Para além de todas as propostas técnicas de implementação da lei, devemos exigir a criação de uma Lei de Responsabilidade Etnicorracial. Afinal, o gestor público deve ser responsabilizado por não cumprir seu dever: valorizar a cultura e a História do povo negro e indígena. Se o ensino da História da África, das africanas e suas descendentes, bem como da história e do povo indígena, é lei, cumpra-se!

Sobretudo, a Conferência de Educação para Relações Etnicorraciais será um ótimo espaço para debate e formação. Vamos?

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Fonte: Carta Capital

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