Jovens da Maré e Pavuna são estimulados a criar soluções para prevenir e enfrentar violências cotidianas que afetam suas vidas

As soluções foram construídas no projeto Chama na Solução, realizado pelo UNICEF em parceria técnica com a ONG CEDAPS

Entre março e maio deste ano, o projeto ‘Chama na Solução 2022’ reuniu 50 jovens moradores de comunidades do Rio de Janeiro, organizados em grupos, em sua maioria, da Maré e Pavuna, com o objetivo de criarem soluções para prevenir e enfrentar violências cotidianas que afetam suas vidas e o seu território. Realizado pelo UNICEF em parceria com a ONG Cedaps (Centro de Promoção da Saúde), o projeto finalizou com cinco propostas de ação desenvolvidas pelos jovens: pesquisa comunitária, podcast, websérie, roda de conversa e batalha de slam.

De forma prática, a ideia é que os jovens possam atuar em suas comunidades como promotores, através das soluções criadas. Como exemplo, um dos grupos idealizou a solução com o nome Ajudando & Apoiando que propõe a criação de um movimento de rodas de conversa nas escolas de seu bairro para falarem sobre as diferentes violências e os seus impactos nas vidas e saúde mental das pessoas.

Outra proposta de solução foi apresentada pelo grupo Jovens Revolucionários, formada por moradores do Complexo da Maré, que estão realizando uma pesquisa comunitária, de jovem para jovem, abordando sobre violências e a percepção dos adolescentes e jovens sobre seus impactos e possíveis intervenções para solucioná-las.

Já o grupo Intercâmbio de Cria apresentou a proposta de uma websérie sobre violências presentes em seus cotidianos. O episódio piloto aborda a violência racial e pode ser conferido aqui (Papo de Cria – Episódio Piloto (Intercâmbio de Cria)).

Adolescentes e jovens moradores do bairro da Pavuna formaram o grupo Entrando com a Solução que apresentou a proposta de um podcast para refletir e ampliar o debate/combate à violência doméstica em seu território. O resultado pode ser conferido aqui: (PodSolução – Episódio Piloto (Entrando com a Solução)). O grupo Palavra por Palavra idealizou uma batalha de slam no evento de encerramento do projeto. Com muita poesia e batalhas de rima, o tema da batalha foi o combate à violência verbal velada, que reproduz diferentes tipos de violências.

A temática da violência é central para as juventudes, especificamente em territórios vulneráveis. Além disso, nos últimos dois anos, por conta da pandemia, a percepção desse grupo sobre violência se alterou. “Os jovens ficaram mais reclusos – o que não significa que estiveram menos expostos à violência”, explica Hugo Sabino, assistente de projetos no Cedaps.

“Adolescentes e jovens vivenciam múltiplas violências que afetam duramente seu cotidiano nas periferias e favelas do Rio e precisam participar da construção de soluções para a prevenção e enfrentamento dessas violações. O projeto nos confirmou que eles querem informações sobre os diferentes tipos de violência, de como prevenir novos casos e como acessar canais de denúncia e ajuda, quando necessário” completa Joana Fountoura, oficial de cidadania e participação de adolescentes do UNICEF no Rio de Janeiro.

De acordo com Juliano Pereira, assessor pedagógico no Cedaps, “o tempo de pandemia permitiu que os jovens olhassem para o seu território de forma mais qualificada – mais para dentro de suas casas e para a forma como vivem. Com isso, os jovens começaram a perceber comportamentos de violência que estavam ali, no seu cotidiano, muitas vezes naturalizados, como, por exemplo, a falta de saneamento básico ou mesmo a saúde mental do jovem periférico”. Ele explica que essa conclusão é parte de uma pesquisa comunitária realizada no segundo semestre de 2021, com mais de 400 adolescentes e jovens moradores de comunidades do Rio, que fazem parte da Rede Jovens Construtores.

Construção de soluções – A metodologia do projeto ‘Chama na Solução’ parte da proposta de construção compartilhada de conhecimento. Nesse sentido, em cada encontro realizado os jovens traziam demandas e ideias para o enfrentamento das violências nos seus territórios, considerando suas percepções e vivências – isso inclui também a violência racial e policial ou a violência contra pessoas LGBTQIA+

As cinco soluções desenvolvidas no ‘Chama na Solução’ receberam um suporte técnico da equipe do Cedaps, acompanhamento do UNICEF e mentores; além do custeio de todas as ações para sua realização.

O que dizem os jovens sobre a experiência de participar do projeto Chama na Solução?

Moradora da Pavuna e estudante do curso de economia na Universidade Rural e técnico em contabilidade no SENAC, Julia Alves Carlos (20 anos) fala da oportunidade de participar do projeto: “Fico feliz, principalmente por ser destinado a uma área pouco vista e carente de ações públicas, ainda mais num assunto tão forte quanto o que está sendo tratado. Acredito que seja muito importante falar sobre as formas que a violência possui e como sair delas (tanto como vítima, quanto como agente) – isso melhora a convivência em sociedade e consigo mesmo enquanto indivíduo”.

Jonatan Peixoto (22 anos) é morador da Maré-RJ e aluno de Ciências sociais da UERJ, e foi outro dos participantes do ‘Chama na Solução’. “Participar do projeto, através do Coletivo Jovens Revolucionários, me ajudou bastante na minha conexão com outros jovens, já que a pandemia fez com que ficássemos cada vez mais fechados. Formamos uma frente de trabalho coletivo para construirmos com cada morador, ajudar cada um nessa jornada, nesse momento difícil. A construção desse coletivo traz esperança. Os dados sobre o impacto das violências na vida de adolescentes e jovens da Maré serão fundamentais para levantarmos uma base e reivindicar ao poder público, políticas públicas para o nosso território”, explica.

Já Tainara Santos Rodrigues (21 anos), moradora de Pavuna, comenta: “Muitos jovens são capazes de elaborar, criar e botar em prática coisas incríveis, por isso esse tipo de ação é necessária e importante. Meu grupo é o Palavra Por Palavra que vai trabalhar sobre violência verbal. Muitas pessoas passam por esse tipo de violência e não percebem como é grave, talvez até por ser algo ‘cultural’ que vem de outras gerações e muitos acabam se acostumando com essa situação”.

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.

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