Para a doutoranda em comunicação Kelly Quirino, no Brasil há uma dificuldade em abordar a questão racial
O número de estudantes negros (soma de pretos e pardos) no mestrado e no doutorado mais que duplicou de 2001 a 2013, passando de 48,5 mil para 112 mil, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Considerando apenas os estudantes pretos, o número passou de 6 mil para 18,8 mil, um aumento de mais de três vezes.Embora representem a maior parte da população (52,9%), os estudantes negros representam apenas 28,9% do total de pós-graduandos. O número de estudantes brancos nessa etapa de ensino também aumentou nos últimos 12 anos, passando de 218,8 mil para 270,6 mil.
“A comunidade negra tem cada vez mais mestres e doutores formados. Tem mais pessoas habilitadas a fazer pesquisa, a liderar pesquisa. Mas a universidade, a academia, ainda é controlada pelos interesses dos brancos”, analisa a coordenadora da organização não governamental (ONG) Criola, doutora em Comunicação e Cultura, Jurema Werneck. “A verdade é que cresce a formação de pesquisadores, mas a condição deles participarem, de produzirem pesquisas ainda é bastante limitada”, acrescenta.
Levantamento divulgado este ano pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) mostra que das 91.103 bolsas de formação e pesquisa do instituto em janeiro de 2015, 26% eram destinadas a estudantes negros, enquanto 58% eram para brancos. O percentual de indígenas não atinge 1%. Cerca de 11% dos bolsistas não declararam raça.
“O racismo no ambiente de pesquisa não está só vinculado à presença ou ausência de pesquisadores negros. O racismo na pesquisa é exercido na produção científica atual, ela é voltada claramente para o racismo. Não tem dado raça/cor, isso não é pesquisado, por exemplo”, analisa Jurema.
Para a psicanalista e professora aposentada da Universidade de Brasília (UnB) Maria de Lourdes Teodoro, o número de estudantes negros na pós-graduação ainda é insignificante. “É insignificante em relação ao que deveria ser se houvesse justiça social no Brasil, se não houvesse uma marginalização histórica que está difícil de ser revertida no sentido pleno porque as desigualdades são grandes.”
Lourdes graduou-se na Universidade de Brasília (UnB) em 1972 em literatura brasileira e língua estrangeira moderna. Após encontrar as portas fechadas para fazer um mestrado no Brasil, ela seguiu para a França, onde fez mestrado e doutorado, na Universidade de Paris III (Sorbonne-Nouvelle). “Quando voltei, foi a primeira vez que conheci o desemprego no Brasil. Curioso, porque normalmente a gente não consegue emprego por não ter capacitação. Eu estava capacitada”, conta. O currículo inclui ainda um pós-doutorado na Universidade de Harvard.
“Talvez seja mais difícil para um estudante negro se mobilizar, se motivar e levar adiante seus projetos. É um esforço pessoal que precisa ser maior já que o racismo existe, que as barreiras a serem vencidas são mais fortes”, diz a especialista. “Quem está na luta tem que enfrentar as dificuldades. E se o racismo é um problema, é um problema a ser enfrentado, encarado. Aqueles que conseguiram fazer a graduação e iniciar um processo de pós-graduação, nós, negros, no caso, temos que nos preparar cada vez mais para encarar essas dificuldades e tentar vencê-las”, diz.
Para a doutoranda em comunicação Kelly Quirino, no Brasil há uma dificuldade em abordar a questão racial. “A gente tem introjetado que vive numa democracia racial. Percebo tanto na faculdade quanto em outros setores sociais a dificuldade de abordar essa questão”, diz. “A maior dificuldade que encontro é estar em um espaço universitário onde não se consegue nem o número de estudantes negros na pós-graduação. Quando esses estudantes estão, há a dificuldade em se trabalhar com a temática racial. A academia [brasileira] é uma academia elitista”.