por Fernanda Pompeu para o Portal Geledés
Meu pai jura e minha mãe sacramenta que eu quase nasci dentro do elevador da maternidade. Papai diz que viu minha cabecinha saindo. Mamãe conta ter ouvido da ascensorista que a culpa era da Lua cheia, apressadora de partos. Sempre achei o detalhe do elevador pitoresco demais para ser real. Mas na minha família é assim: perca a verdade, mas não a história.
Minha irmã Cláudia, a mais velha e chefe da matilha, já teve uma chegada mais dramática. Saiu a fórceps, com a carinha amarrotada. Mamãe, parturiente de primeira viagem, fazia força para dentro. Toda grávida deveria intuir que parir é esforço para fora. É dar o rebento à luz. Empurrar o Raimundo para o vasto mundo.
Depois de mim, veio o Júlio que engoliu a placenta. O pobrezinho por pouco não morre sufocado. Com as duas últimas irmãs, Lucíola e Cristina, os partos foram na maciota. Mamãe conhecia o procedimento de cor. Também, soletrado o que a esperava: varais de fraldas de pano, sopinhas feitas na hora, e um iTunes de choros interrompendo as madrugadas.
Tem a história da minha amiga Cida. Capixaba da serra, ela nasceu em casa. Depois que saiu uma menina gordinha, a parteira gritou: Alto lá! Tem mais um! Esse mais um era a Cida. Época sem ultrassonografia, ninguém sabia que a mãe esperava gêmeas. O pai resolveu chamar a inesperada de Maria Aparecida. Não por conta da padroeira do Brasil, mas por conta do aparecimento.
Há muitos jeitos de parir. De cócoras, dentro d’água, em pé, deitada na rede, no chão batido, no deserto, no Mar Morto, no Marrocos, em Pirituba. Quantos somos mesmo? Sete bilhões!
De rigorosamente iguais: todos paridos. Tinha que ganhar um feriado. O Dia Internacional do Parto. Seria muito mais tangível do que o Dia Internacional da Paz.
Uma vez assisti ao parto de uma cadela dachshund – a popular salsichinha. Foram cinco filhotes em onze horas de trabalho. Canseira. Outro dia, no Animal Planet HD, assisti ao parto de um elefante. Monumental! De uma certa maneira, nascer é bem mais previsível do que morrer, pois é sempre do mesmo jeitão. Enquanto a morte, mais caprichosa, inventa formas.
O pessoal com cultura espiritual costuma dizer que a gente tem consciência do próprio nascimento. Só que depois esquece. As psicólogas, ao menos uma parte, afirmam que o primeiro olhar da mãe para o bebê influenciará a personalidade emocional do pimpolho. Leia-se: se será neurótico, paranóico, normalzinho.
Cá para mim, é pôr muito peso em cima da mãe.
Sou uma mulher que não pariu. O que sei sobre partos é o que outras contam. O tal instinto maternal – que até hoje ninguém provou ser natural ou cultural – eu dedico ao meu cachorro, o Chico. Ele nasceu de cesariana. É claro que não deve ter relação com a forma de nascimento, mas ele é o maior neura de quatro patas da Vila Madalena. Já sai de casa em posição de ataque.
Tenho a impressão que as histórias de parto vão se tornar cada vez mais iguais. Serão da modalidade parto excel. Planejadíssimos. Antes da criança nascer os pais já sabem o sexo, o peso, o comprimento, as prováveis alergias e o futuro perfil no Facebook. Fora os exames para checar se há defeito de fabricação ou desvio de septo nasal.
As velhas parteiras foram deixadas de lado. Os partos normais tornam-se excepcionais. Os jovens médicos agendam as cesarianas nos seus tablets. Escolhem não só o dia, mas principalmente a hora do vir à luz. Determinam: fulaninho nascerá 55 minutos antes ou depois do futebol na tv.
fernanda pompeu, escritora e redatora freelancer, colunista do Nota de Rodapé, escreve às quintas a coluna Observatório da Esquina. Ilustração de Carvall, especial para o texto.