O Brasil e o Fla-Flu na eleição dos EUA

Por: Ricardo Kotscho

 

Quem vai ganhar: o democrata Barack Obama ou o republicano Mitt Romney?

A democracia deles é bem mais antiga e sólida do que a nossa, sem interrupções golpistas, mas vejo muitas semelhanças entre a disputa eleitoral nos Estados Unidos, que elegem nesta terça-feira seu presidente para os próximos quatro anos, e o ritual que temos repetido na história mais recente do Brasil pós-ditadura.

Mil vezes já decretaram o fim da polarização entre “direita” e “esquerda”, mas ainda é este Fla-Flu ideológico que move candidatos e cidadãos na eleição americana, assim como de resto, acontece em quase todas as grandes democracias do mundo.

Guardadas as devidas circunstâncias e proporções de cada país, são duas visões antagônicas que estão em jogo: uma, a dos democratas, que privilegia os programas sociais do governo para diminuir as diferenças entre ricos e pobres e dar a todos as mesmas oportunidades; outra, a dos republicanos, que defende os direitos individuais e a completa liberdade de mercado para regular as relações na sociedade.

Lá, os democratas são rotulados de “progressistas” e, os republicanos, de “conservadores”. Por aqui, com a exceção de Fernando Color de Mello, que inventou um pequeno partido para se eleger em 1989, e deu no que deu, os embates se dão entre petistas e tucanos — no papel, respectivamente, de democratas e republicanos —, sempre dependentes do apoio de outros partidos para ganhar e depois poder governar.

A grande diferença é que, nos Estados Unidos, o bipartidarismo comanda de fato tanto o executivo como o legislativo, com os dois grandes partidos revezando-se no poder, embora eles também tenham um balaio de pequenas siglas, com seus candidatos nanicos fazendo apenas figuração. A cada eleição, como agora, o campeonato eleitoral americano se resume a um embate entre democratas e republicanos disputado voto a voto.

Na salada partidária brasileira, em que já temos umas 30 siglas, sem cláusula de barreira e com nenhuma fidelidade, os médios e pequenos podem fazer a diferença. Barganham-se as alianças com base no tempo de televisão e no rateio de cargos, sem nenhuma preocupação com programas partidários ou projetos de governo.

O adversário de hoje pode ser o aliado de amanhã, e vice-versa, sem que sua excelência, o eleitor, seja consultado. No colégio eleitoral americano, é inimaginável o delegado ser eleito por um partido e votar no candidato de outro.

Aqui, como lá, não há financiamento público de campanhas, a exemplo do que faz tempo existe nas principais democracias europeias. Por isso mesmo, nos dois países, o poder econômico exerce grande influência nas eleições, com uma diferença fundamental no caso americano: a maior parte dos recursos da campanha democrata é constituída por pequenas doações de pessoas físicas, enquanto os republicanos são financiados pelas pessoas jurídicas dos grandes grupos industriais e financeiros.

No Brasil, enquanto a reforma política não vem, inexiste essa diferenciação. Os dois grandes partidos recolhem seus recursos de campanha basicamente nas mesmas fontes, os grandes bancos e empreiteiras, que jogam suas fichas em vários partidos, conforme suas chances eleitorais.

De resto, também no campo dos preconceitos, temos muitas coisas em comum. Pesquisa encomendada pela agência Associated Press, citada hoje no “Estadão”, revela que 79% dos republicanos mostraram posições racistas durante a sondagem.

A pesquisa registrou aumento da discriminação racial após a eleição de Obama, que pode perder até 5% dos votos por conta do preconceito, segundo os pesquisadores.

Qualquer semelhança com o que aconteceu nas eleições presidenciais brasileiras não é mera coincidência, como podemos constatar neste trecho da matéria de Denise Chrispim Marin:

“Parte do preconceito implícito contra o presidente Barack Obama vem acompanhado de dois boatos: chamá-lo de socialista e de muçulmano, apontam analistas e militantes de direitos civis (…) O adjetivo socialista vem acompanhado pela crítica a programas sociais de governo, como o cupom de alimentação, o seguro-desemprego e a assistência médica gratuita aos carentes”.

Respondendo à pergunta do título, quem vai ganhar eu não sei. Só sei que se o vencedor for Mitt Romney, o mundo vai sair perdendo.

 

 

Fonte: Blog do Ricardo Kotscho

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