As eleições para o Legislativo dos Estados Unidos, realizadas nesta terça-feira, trouxeram um padrão diferente do que vinha acontecendo até aqui.
Por Eva Ontiveros no BBC
O número de candidatas mulheres, a maior parte do Partido Democrata, não tem precedentes.
Ao todo, há muitos cargos em jogo nessa eleição, que acontece dois anos após o pleito presidencial: serão escolhidos os 453 parlamentares da Câmara dos Representantes e 35 do total de 100 cadeiras no Senado.
Também serão designados mais 36 governadores, milhares de parlamentares estaduais (quase 82% de todas as cadeiras nos Legislativos dos Estados), muitos prefeitos e outros funcionários da administração pública.
Ainda não se sabe quem ocupará as cadeiras, mas, nas prévias dos partidos, as vitórias das mulheres já foram marcantes.
A democrata Ayanna Pressley, por exemplo, deve se tornar a primeira mulher negra eleita ao Congresso americano, representando o Estado de Massachusetts. Na competição interna no seu partido, ela desbancou o veterano Michael Capuano.
Em Nova York, Alexandria Ocasio-Cortez também desbancou o veterano democrata Joe Crowley.
‘Onda rosa’: os números do avanço feminino da política americana
A imprensa dos EUA vem chamando esta tendência de “onda rosa”, mas trata-se de um fenômeno de fato ou apenas alguns casos isolados?
Veja os números: Em 2012, havia 298 mulheres candidatas a cadeiras na Câmara e no Senado. Em 2016, o número subiu para 312. Este ano, chegou ao recorde de 529 candidatas.
Depois das primárias, 271 delas ainda estão na disputa: 24 para se tornarem senadoras e 247 para deputadas, segundo dados do Centro Americano para Mulheres e Política da Universidade Rutgers.
Quem são essas mulheres e quais são suas motivações?
A maior parte das mulheres que decidiram candidatar-se é democrata: 210 daquelas que seguem na corrida (194 para a Câmara e 16 para o Senado).
Para alguns analistas, o aumento está relacionado a uma reação ao presidente Donald Trump.
O campo republicano também tem suas candidatas, mas apenas 61 do total de 271 concorrendo (53 para a Câmara e 8 para o Senado).
Também vale registrar que, além do Legislativo, 61 mulheres tentaram inicialmente concorrer ao cargo de governador. Destas, 18 seguem na disputa (13 democratas e 5 republicanas).
Mas enquanto a oposição direta a Trump pode ser um forte denominador comum, analistas também concordam em lembrar do contexto que envolve as campanhas #MeToo (ampla conscientização contra o assédio sexual) e as Marchas da Mulheres realizadas após a eleição do republicano para a Casa Branca.
Muitas mulheres estão fartas do status quo. Algumas veem o potencial de mudança se colocando diretamente na política.
“A democracia só funciona quando todos nos envolvemos”, diz a democrata Kelda Roys, que concorreu ao governo de Wisconsin.
Ela perdeu o pleito, mas conseguiu quebrar deixar marcas ao longo do caminho – como ter amamentado a filha pequena durante a campanha. O vídeo deste momento viralizou e se tornou centro de um debate nacional.
O caminho ainda é longo
Apesar da euforia em torno de nomes como os de Pressley e Ocasio-Cortez, recomenda-se cautela sobre a extensão de fato deste avanço feminino.
Afinal, atualmente, as mulheres representam apenas 20% do Congresso: há 23 mulheres no Senado dos EUA (23%) e 84 na Câmara (19,3%). Isto significa que, de um total de 535 membros, apenas 107 são mulheres (78 democratas e 29 republicanas).
Na verdade, nesse aspecto, os EUA estão em 102º lugar entre 193 países no que diz respeito à representação das mulheres em âmbito nacional. Os dados são da UIP, a União Interparlamentar.
E a subrepresentação das mulheres não está só no Legislativo. Cinco dos 50 estados dos EUA não têm qualquer representante feminino em suas assembleias.
Há um longo caminho até a paridade.
O exemplo da Pensilvânia
A Pensilvânia é um desses Estados.
Uma equipe de TV da BBC andou pela capital, Harrisburg, mostrando a moradores uma lista dos parlamentares do Estado. A equipe perguntou se havia algo incomum naquele papel. Alguns demoraram mais, outros menos, para notar: eram todos homens.
Um eleitor jovem ficou surpreso por nunca ter percebido isto antes: “O fato de não ter percebido inicialmente que havia um problema é parte do problema”.
Mas, no caso deste Estado, a situação está prestes a mudar – ao menos minimamente. Pelo menos um assento no Legislativo da Pensilvânia vai definitivamente para uma mulher: a republicana Pearl Kim ou a democrata Mary Gay Scanlon.
Ambas dizem que a motivação para concorrer veio de uma mistura de experiências pessoais – como o enfrentamento à discriminação, violência sexual ou ao assédio – juntamente com o impulso pelo movimento #MeToo.
‘Um par de ovários’
Nem todas as mulheres que estão concorrendo cargo apontam críticas diretas ao presidente Trump. Mas todas estão insatisfeitas com o ritmo das coisas em Washington.
É o caso da republicana, Martha McSally, do Arizona – que deixou a polidez de lado e lançou sua candidatura ao Senado dizendo aos colegas homens que “criem um par de ovários e façam o seu trabalho”.
“Sou piloto de caça e falo como uma”, disse a coronel aposentada da Força Aérea e primeira mulher a voar em uma missão de combate.
Ela tem uma trajetória de luta contra a discriminação de gênero e muita experiência em negociações políticas de alto nível – muitas vezes sendo a única mulher na mesa.