Por meu pai ter sido ausente em quase toda a minha existência, não saberia dizer em que momento a minha mãe foi mãe e em que momento ela fez o papel do meu pai. Até porque não acho nada justo atribuir a ela mais essa responsabilidade. Ele não quis ser pai, ela decidiu ser mãe, ponto. Não vou amenizar dizendo que a minha mãe foi pãe, e resolveu a parte dele.
Não! A parte dele estou resolvendo na terapia mesmo.
A minha mãe foi mãe, e fez a parte dela do jeito que entendia que deveria fazer, do jeito que deu, do jeito que pôde. Não vou dar os créditos ao masculino por mais essa. Por que quando uma mulher faz bem algo, é uma ótima profissional, logo tratam de atribuir a atitude dela ao universo do masculino?
Quando chamamos nossas mães, que não tiveram a participação do parceiro na nossa criação, de pães, estamos tirando delas todos os esforços que fizeram para nos criar e, ao mesmo tempo, cobrando que façam o papel do pai. Cada um tem seu papel na educação de uma criança dentro da família. E, se o pai foi ausente, essa ausência permanece. A minha mãe é mãe, e é todos os dias.
Não, não estou falando de tristeza, falo apenas de amor. Estou falando de trabalhar, cuidar, educar, alimentar. Estou falando de alguém que faz tudo isso sozinha, sem esperar que alguém bata à sua porta para desejar parabéns. Estou falando de alguém que faz tudo isso e conta com a colaboração de bem poucos, mas com críticas ferrenhas de muitos, principalmente quando algum erro social escapa da cria. E, mesmo assim, continua a complicada tarefa de amar.
Amar, para mim, só é romântico, se tiver que viver tudo isso e, ainda assim, continuar amando e sonhando junto. E, às vezes, sentir muita vontade de sumir e deixar tudo. Sentir o tal do arrependimento, chorar de raiva e perguntar ao universo “O que eu faço? Não sei como educar essa criança. Me sinto incapaz!”. E chorar demasiadamente, e ter muita raiva. Até que um abraço de braços pequenos, mas com uma imensidão de amor, resolve te acolher
E eu também poderia escrever sobre todas as vezes que me questionam por quê não quero gerar filhos. Porque tenho que explicar que não cultivo nenhum romantismo sobre ser mãe, e que isso não me torna menos amorosa ou incapaz de amar, ou de cuidar de quem quer que seja. Seja como for, o importante é que não esqueçamos que as mulheres são mães e continuarão sendo, e que os pais devem começar a ser pais, nem mais, nem menos, apenas pais.
Este texto poderia acabar aqui mesmo, mas quero aproveitar a data para colocar algumas questões sobre essa coisa de “pãeternidade”. Você já reparou que, no dia dos pais, existe muito pãe? E que no dia das mães, existem muitas mães? Devemos pensar com responsabilidade e seriedade sobre o comportamento dos homens nisso tudo. Por que não falamos dos abortos provocados por homens?
Não, não estou falando do útero que eles não têm. Estou falando dos filhos que eles abandonaram e abandonam todos os dias. Dos filhos que não quiseram ter e não tiveram, e ninguém falou nada. Dos filhos que eles nem quiseram olhar na cara, dos filhos que disseram que era apenas da parceira, que foi ela que quis.
Falemos dos abortos masculinos! Até porque, em um relacionamento hétero, ninguém engravida porque trepou sozinha, porra! NÃO FAZ SENTIDO! Por que não falamos desses abortos, desses abandonos? Todos os dias crianças nascidas ou não nascidas são abandonadas pelos homens, e me parece que tudo bem. Ninguém questiona, por quê?
Ah, entendi, porque o filho é sempre da mãe, o importante é ela não abandonar. Ela não abortar, ela que se vire sozinha, afinal, foi ela quem quis. Quem mandou dar, né!? Na hora do bem e bom, ninguém me chamou, agora fica aí reclamando.
Acho que não existe nenhuma mulher nessa sociedade, ou melhor, nesse mundo que nunca tenha ouvido essas violências.
Ninguém quer falar sobre essa prática masculina do abandono. O que acontece que eles não se sentem pais, não se responsabilizam? E por que, com muita tranquilidade, vão embora, somem? Não se sente parte a ponto de ficar e, mesmo com as dificuldades, encarar a tarefa de amar também? Por que os homens não doam amor? Por que a ilusão do amor incondicional pelo filho é só para a mulher? Por que para os homens não existe nenhum sonho paternal?
Eu não tenho resposta para nem uma dessas perguntas, e nem quero. Só quero que pensemos sobre isso com urgência. Porque falar sobre isso é buscar alguma consciência afetiva sobre AMAR o outro.
Porque foi sobre isso que pensei no domingo do dia 3 de dezembro de 2017 no parque, às 15h30. Observei aqueles encontros espontâneos de muitas mulheres com os seus filhos e pensei “Cadê os pais?”. Eram tantas, que me chamou muito a atenção. Me impactou! Eu escrevi esse poema e entreguei para uma delas. Curiosamente essa mulher estava acompanhada do marido, porém bem distantes um do outro. Não existia energia circulando entre eles. Não se olhavam.
Fiquei alguns minutos nervosa, pensando “entrego ou não entrego? O que será que ela vai pensar? Não estou invadindo a intimidade alheia?”. Depois de tantas perguntas de medo, resolvi entregar e sair correndo.
No parque
Ele a convida para caminhar,
lado a lado.
Ela espera, e ele sorri um pouco mais,
Com ela é diferente.
De mãos compartilhadas,
Saem juntos
Com os pés na areia
Mãe e filho
Desfrutam de ancestralidade preta.
Pretas
Brancas
Gordas
Magras
Todas as mulheres,
domingo no Parque.
Diferentes, mas com a mesma sina.
Mães e filhos apenas.
Solteiras
Sozinhas
Autônomães.
Depois que ela leu, se aproximou de mim e disse muito emocionada: “muito obrigada, obrigada mesmo. Ainda mais agora que estou passando por um momento muito difícil. Estou enfrentando uma separação, e está muito difícil pra mim. Veio em um bom momento”, se referindo ao texto que entreguei.
Eu abracei aquela mulher, que estava com um recém-nascido no colo, e só consegui dizer: eu vi vocês juntos e não consegui não escrever sobre a cena mais profunda desse parque. Eu que agradeço, boa sorte!
Mas a minha vontade mesmo era de colocar aquela mulher no meu colo, do jeito que ela estava com o seu bebê, mexer um pouco nos seus crespos e dizer que ia passar, que poderia demorar, mas passaria. Mas eu não fiz nada disso, depois chorei muito, porque eu queria tirar toda a dor que aquela mulher estava sentindo. E eu me culpei por não ter feito mais que um poema, porque achei o poema pouco demais para acolher a infinitude que era aquela dor.
E foi só um poema. Um pequeno texto. Mas será que um poema é mesmo um quase nada? Que afetos despertamos quando observamos as pessoas de verdade? Quando olhamos além da superfície? A poesia tem dessas coisas de alma, do mais além, que às vezes nem o poeta entende. Então, só escreva, poeta, não tente racionalizar aquilo que não racionaliza, aquilo que é só amor, cuja imensidão nenhuma teoria explica.
Veja bem, isso aqui não é um protesto contra o dia dos pais, mas uma tentativa de chamar a atenção para pensarmos sobre as práticas masculinas nesse lugar. Um chamado para pensarmos sobre a construção da masculinidade e de como ela é cruel para as mulheres, os homens, e para o conjunto da sociedade.
Falamos tanto de sociedade melhor, mais justa. Mas não se constrói isso sem pensar sobre a construção dos indivíduos em suas subjetividades. Devemos falar da ausência de amor para todos os lados e como isso parece gerar um ciclo sem fim, que resulta em uma sociedade traumatizada por escassez de afeto. Penso que a temática é mais profunda do que a gente pensa.
Uma sociedade que cresce na escassez de qualquer recurso não tem como exigir que ela doe ao outro aquilo que ela não tem.
Como cobrar afeto de alguém que não recebeu afeto. NÃO TEM COMO! Que sociedade é essa que ensina as mulheres a amar, enquanto ensina os homens a odiar? Não tem como essa convivência ser saudável para nenhum lado. Tá muito péssimo isso aqui, hein! E está pior para as mulheres, que morrem todos os dias nas mãos de homens que as odeiam.
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