Preconceito e Racismo: O mal que fazemos aos nossos filhos – Opinião

Por Carlos Borges

Um estudo de resultados chocantes, perturbadores até, acaba de ser concluído por um grupo de empresas, entre as quais a CNN e a New York University, dando conta do enorme impacto que a intolerância racial, sexismo e orientação sexual exercem sobre as crianças norte-americanas.

O estudo demonstrou que até mesmo crianças de apenas cinco anos de idade já têm uma percepção muito clara das diferenças entre brancos e negros, entre heterossexuais e homossexuais, entre homens e mulheres e mais uma infinidade de “aspectos divisivos”, que se expandem pela escolha da religião e das diferenças de poder aquisitivo.

“Nada mais natural”, diriam alguns. Não é exatamente a conclusão que se tira da pesquisa que inclui, não apenas entrevistas tradicionais, mas depoimentos gravados.

Choca, por exemplo, ver um garoto branco de apenas cinco anos, residente na Pensilvanya – um estado tido e havido como “progressista” – confessar diante das câmeras da “CNN” que não convida seu amiguinho negro para brincar em casa porque “seus pais reprovariam”. Ou uma menina negra da Califórnia afirmar que evita conversar com coleguinhas brancas na escola para “não ser rejeitada pelas amiguinhas negras da turma”.

Desde a abolição da escravatura, e mesmo depois da implementação dos Direitos Civis – o que somente aconteceu na década de 60 –, os Estados Unidos convivem com essa pútrida herança do “purismo racial eurocêntrico”.

A esperança de que as gerações nascidas a partir da histórica assinatura dos Direitos Civis – que acabaram, pelo menos “oficialmente”, com a discriminação racial em território norte-americano -, se tornariam progressivamente mais tolerantes, parece estar desaparecendo. E dando lugar a uma preocupante e triste constatação: a de que uma tolerância e integração racial “natural” jamais venha a ocorrer no país que é o “guia” para as grandes transformações sociais e econômicas do planeta.

Se na questão branco X negros a constatação do enraizamento do preconceito já é feita em crianças tão pequenas, o sexismo parece ser uma barreira tão ou mais forte. Embora entre as meninas haja uma melhoria no conceito de “sexo forte X sexo frágil”, com as garotas se vendo mais fortes e independentes do que, provavelmente, suas mães e avós, entre os meninos, entre cinco e 13 anos, há uma acachapante maioria que enxerga as meninas como “inferiores”, “menos hábeis” e “mais frágeis” do que os meninos.

E, novamente, essa noção eles revelam ter origem em orientação que recebem dos pais, especialmente – pasmem! – de suas mães que, via de regra, são quem “educam” mais frequentemente os seus filhos.

O estudo também fez perguntas a crianças, entre nove e 13 anos, sobre orientação sexual, e esse foi o capítulo de respostas mais desconcertantes. Enquanto as meninas revelavam uma tolerância maior com relação a meninos e meninas “diferentes”, os meninos rejeitam em quase 90% a ideia de ter um amiguinho “que só goste de meninos”.

Num momento em que, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, trava-se uma passional batalha sobre como se deve educar as crianças nas salas de aula, sobre diversidade sexual, tolerância e convivência harmoniosa, constatar esse altíssimo grau de preconceito “injetado” pelos próprios pais, revela o quanto necessário é iniciar logo um processo de educação pelo respeito à diversidade.

Sob o ponto de vista dos pais, mesmo os moderamente conservadores, é um conflito sério, forte, mas que não pode deixar de ser encarado de frente. Ninguém nasce preconceituoso, machista, sexista ou anti-gay. A maioria ‘se torna’ assim como resultado da educação que recebe em casa e, por consequência, de todo o ambiente sóciocultural que lhe é apresentado desde que ouvem de tudo e de todos, frases como “isso é coisa de preto” ou “isso é coisa de mulher” ou, mais ainda, “isso é coisa de viado”.

Dá para imaginar uma sociadede livre desse tipo de estereótipo? Difícil, não é mesmo?Mas uma sociadade muito mais tolerante e inclusiva é não só uma necessidade para a sobrevivência da raça humana, como um destino inevitável, num mundo onde negros e asiáticos são maioria absoluta (65% de todos os habitantes da Terra) e onde, rapidamente, o poder econômico está migrando dos brancos para mãos cada vez mais multicoloridas.

Lembrando também que as mulheres são maioria no planeta (54% contra 47% de homens), e na medida em que elas já estejam ocupando mais e mais espaços de poder e decisão, menos o radicalismo e intolerância machista terá espaço de manobra. São fatos inexoráveis que podem ser “empurrados com a barriga”, mas em algum momento, mais cedo do que tarde, vão se impor.

O mesmo estudo mostra o esforço de famílias que criam seus filhos dentro de perspectivas de tolerância e inclusividade. Em que pese estarem contribuindo para que seus filhos estejam à frente em muitos aspectos da vida, o “preço” que essas crianças pagam por atuarem num ambiente ainda hostil a esse “liberalismo” é bastante alto.

Um garoto de nove anos, de Utah, revela num depoimento que, pelo simples fato de gostar de conversar com meninas e brincar com elas, foi rejeitado pelos amigos na escola, imediatamente rotulado de “mulherzinha”, mesmo que ele mesmo nem tenha uma noção do que viria a ser “gay” ou sentir atração por pessoas do mesmo sexo. Traumatizado, viu seu rendimento escolar cair dramaticamente, teve que receber assistência psicológica, até que os pais decidiram mudar de estado. Pior: aconselhados pelo próprio diretor da escola.

Em outro cenário, uma menina negra de 13 anos, da Flórida (estado em que, estatística-mente, os negros tem menos oportunidades de ascenção econômica), tentou se matar depois de anos de rejeição e perseguição na escola, não aceita nem por coleguinhas brancos (por ser negra) nem por coleguinhas negros (por ser miscigenada com mãe negra e pai asiático).

Uma tragédia foi evitada por acaso. Uma conselheira escolar tentou sensibilizar os pais para a questão, não encontrou nenhum apoio por parte desses pais – que julgaram a garota simplesmente “problemática” – tomou a si a responsabilidade e denunciou às autoridades.

Um ano depois de iniciada uma terapia, a garota recuperou parte da autoestima, melhorou a performance na escola e foi aceita justamente por um grupo de crianças que estão entre as de melhor performance acadêmica. Essas seriam exatamente as “crianças mais tolerantes’, numa associação direta com seu desenvolvimento intelectual.

As múltiplas peças desse quebra-cabeças que é o “Jogo da Diversidade e Tolerância” seguem tragicamente fora de lugar. Gerando abusos de todas as espécies, causando suicídos e violência e atingindo suas vítimas mais indefesas, crianças cuja noção do “certo” e “errado” é dada em sua grande maioria por pais ignorantes, sem nenhuma noção de responsabilidade ética e, menos ainda, do que seja “politicamente correto”. Quem vai defender essas crianças?

 

 

 

Fonte: Gazeta News

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