Com a implementação do ensino remoto às pressas após o início da pandemia Covid-19, os desafios em lidar com as tecnologias e todas as dificuldades trazidas pelo isolamento social, houve um aumento significativo do estresse e uma ampliação das questões de saúde mental dos professores.
A questão não é de agora. Em 2018, uma pesquisa realizada pela Associação Nova Escola com 4,8 mil educadores e educadoras detectou que 66% das docentes já se afastaram do trabalho por saúde e 87% delas acreditam que o trabalho lhes causa problemas físicos e emocionais. Chamado A Saúde Mental do Educador Brasileiro, o estudo serviu de partida para o projeto. Porém, essa situação agravou-se com as consequências da pandemia de Covid-19 na educação e, por isso, ganhou novos contornos.
Realizada pela Associação Nova Escola em parceria com a Fundação Tide Setubal e apoio da Fundação Lemann, o movimento Saúde Emocional de A a Z pretende ser um espaço para os professores relatarem suas dificuldades e sentirem-se acolhidos e seguros para começar a enfrentar três problemas principais: o burnout, a ansiedade e a depressão.
O projeto também oferece um viés prático, com a produção de 15 conteúdos que podem ajudar os educadores em cada etapa de ensino (Educação Infantil e Ensino Fundamental ciclos I e II) e possibilitam que eles trabalhem o tema da saúde mental para eles próprios e com os estudantes. O material está disponível no site da Nova Escola – e tem acesso gratuito. Além disso, busca ser um espaço de sensibilização, conexão e formação por meio de grupos de apoio nas redes sociais, textos, vídeos e webinar com especialistas.
Tide Setubal, coordenadora da área de saúde mental da Fundação, acredita que “com esse material disponibilizado, os professores poderão trabalhar alguns dos sentimentos dos alunos e alunas nesse processo e a elaboração dessa tragédia que estamos vivendo com a pandemia. A ideia é partilhar informações, fazer reflexões e trocas, para que eles, ao se apropriarem desse tema, e entenderem melhor o que está acontecendo com eles mesmos, também possam trazer para a sala de aula algumas reflexões e atividades para ajudar os alunos nesse momento. Afinal, aprendizagem e afeto têm um laço íntimo e andam juntos”.
Espaço de escuta e de trocas
Com todo o material disponível na página do projeto, uma das ações de destaque foi o webinar, realizado em 13 de agosto, do qual participaram o psicanalista Christian Dunker e a psicóloga Roberta Federico. O evento contou também com participações dos professores Raysmer de Paula, da Escola Estadual João Paulo I, de Betim (MG), e Sunaydi de Cássia, professora da escola de referência do Ensino Médio Frei Orlando (PE).
Durante a conversa ficou marcado o fato de que as incertezas sobre o futuro, geradas pela pandemia, têm causado ainda mais estresse entre os docentes. Outro fator de agravamento vem das dificuldades encontradas para adaptarem-se às tecnologias do ensino remoto. De acordo com a pesquisa A Situação dos Professores no Brasil Durante a Pandemia, feita este ano pela Nova Escola, 22% avaliaram com nota cinco, em uma escala de zero a dez, a sua experiência com essa modalidade de ensino.
Sunaydi lembra que o estresse no dia a dia de professores é cotidiano. “A carga horária é grande e o acúmulo de atividades é constante. Além disso, com a desvalorização do trabalho docente, os baixos salários, tudo vai acumulando. Com a pandemia tudo isso se agravou.”
Para Dunker, “a pandemia mostrou para muita gente coisas interessantes sobre a realidade do saber, do corpo e da comunidade na composição de uma escola”. Além disso, o psicanalista nos lembrou que as incertezas do momento podem aumentar a ansiedade, “ainda que seja uma questão estrutural [relativa] à atividade da docência”.
O movimento Saúde Emocional de A a Z é, então, uma iniciativa para cuidar, ajudar e instrumentalizar os educadores a lidarem melhor com a questão da saúde emocional de si mesmos e de seus alunos. Além disso, diante da perspectiva de que é um tema estrutural, Tide Setubal acredita que esse tema pode e deve inspirar gestores para serem incorporados como política pública.
“A saúde mental assim como a saúde física precisa de cuidado e atenção contínuos. Por exemplo, durante o ano poderíamos fazer encontros periódicos com os professores com este olhar: incentivar trocas de experiências, rodas de conversa, palestras com especialistas. Assim, numa escola com professores mais acolhidos e escutados, nós teremos, sem dúvida, uma educação de mais qualidade.”, completa a coordenadora da área de saúde mental da Fundação.
Confira a íntegra da live a seguir.