O reino era o da Dinamarca. Mas os plebeus não eram bem plebeus, senão turistas brasileiros de classe média, ou média-alta, que por lá se encontravam, mais precisamente em Copenhague.
Por André Falcão DO: Pragmatismo Politico
Embora ensolarada, a manhã era fria, o que tornava indispensável o uso de agasalhos generosos. A guia, uma simpática senhora indiana de ar agradável, sorriso franco e farto, voz calma e doce — mas disciplinadora, quando necessário o silêncio e o cumprimento dos horários acordados —, vestia-se de modo simples, mas digno. Usava um vestido acinzentado, sandálias confortáveis de solado de borracha, e cachecol estampado de tons neutros. Cabelos grisalhos longos, fartos e lisos penteados para trás e presos num coque próximo à nuca. Sem joias ou brincos, senão um relógio e uma aliança prateada no anelar da mão esquerda.
Numa oportunidade, reportando-se à monarquia naquele país, e em tom de gracejo, aludiu ao fato de que lá, como no Brasil, eles pagam impostos para sustentar os governantes: no Brasil, os políticos; na Dinamarca, a realeza.
A alguns risos igualmente despretensiosos, ouviu-se: “Melhor sustentar a realeza!”, ouviu-se de um deles. “Melhor os políticos, que foram escolhidos por nós!’, retrucou outro. A incipiente manifestação dissipou-se por ali mesmo, assim também qualquer outro tema com alguma conotação política.
Findo o passeio, alguns poucos estiveram com ela por bom tempo a conversar. Aí se depararam com uma mulher de singular cultura, viajada (já havia até morado no Brasil), extraordinariamente politizada e que, aposentada juntamente com seu marido, resolvera(m) ser guia turístico para completar o orçamento doméstico, dado o altíssimo custo de vida naquele país.
Desculpou-se por evitar falar em política com grupos de brasileiros, porque na sua maioria raivosamente contrários ao ex-presidente Lula. “Não compreendo… Um presidente com as qualidades do senhor Lula!…”, dizia com pouco acentuado sotaque português. “Há poucos políticos com tamanha grandeza. Olha, digo-lhes que a rainha somente conferiu a intimidade de receber em sua residência dois únicos políticos: Bill Clinton e o senhor Lula. Este, ainda candidato, procurou-a para aprender acerca das políticas voltadas para o povo dinamarquês. Admira-o. É um homem incrivelmente inteligente e de uma sensibilidade incomuns. Não à toa recebe títulos importantíssimos mundo a fora! No entanto, vossa classe média não gosta dele… Então, prefiro calar-me, pois não?”
*André Falcão é advogado e autor do Blog do André Falcão. Escreve semanalmente para Pragmatismo Político