Sou de esperar a dor passar sem tomar nada. Tomo chá

Fonte: O Tempo –

Dr. Osano, cloranfenicol, oito reses e cá estou viva

por: Fátima Oliveira –

 

 

Sou fascinada por remédios caseiros. Chás, nem se fala! Sou avessa a remédios, embora não sei se de difícil adesão porque depois de adulta jamais precisei de medicamentos de modo contínuo. Enfim, coisas de quem tem saúde de ferro e jamais faltou ao serviço, desde 1979, quando comecei a trabalhar. Sou de esperar a dor passar sem tomar nada.

 

Menos! Tomo chá de hortelã, usado no sertão como analgésico – saber popular validado por pesquisa recente da Universidade de Newcastle, na Inglaterra, conduzida pela brasileira Graciela Rocha, que concluiu que o chá de hortelã é “tão efetivo em aliviar a dor como a indometacina, droga sintética”.

 

Aos 12 anos, adoeci e fiquei acamada mais de um mês. Vovó até “encomendou a mortalha”. Estava na segunda série ginasial (sexta série do ensino fundamental). Mamãe diz que tive “febre tifo”. Hoje sei que foi febre tifoide – doença infecciosa potencialmente grave, causada pela bactéria Salmonella typhi, cujos sintomas são febre prolongada, alterações do trânsito gastrointestinal, aumento do fígado e do baço e confusão mental – em 10% a 25% dos casos: desorientação, delírio, rigidez de nuca, convulsões e até coma. Tive todos! Leva ao óbito em até 15% dos casos sem uso de antibiótico e hidratação adequados. De distribuição mundial, a doença grassa onde o saneamento básico é inexistente ou insuficiente. A transmissão é via ingestão de água e alimentos contaminados. Há febre tifoide no Brasil, mas nunca atendi nenhum caso!

 

Fui tratada com cloranfenicol – na faculdade de medicina, adorava estudá-lo -, que é um antibiótico bacteriostático, isolado por David Gottlieb, da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, da bactéria Streptomyces venezuelae; em 1947, Burkholder obteve o cloranfenicol de culturas do Streptomyces venezuelae, e dois anos mais tarde, em 1949, foi introduzido na prática clínica.

 

Foi o primeiro antibiótico manufaturado sinteticamente em escala industrial. Era tido como uma panaceia e ministrado contra “zilhões” de micro-organismos, além de ser barato. Hoje sabemos que o uso abusivo, além de estragar os dentes, tem um efeito colateral grave, de baixa ocorrência, a anemia aplástica.

 

Em 1965, quando adoeci, eu residia em Colinas, no Maranhão, onde estudava. Lá, assim como em Graça Aranha, onde morava minha família, não havia médico. Em Graça Aranha, o povo se valia do “Seu Diassis”, farmacêutico prático que costurava facadas, encanava pernas e braços quebrados, retirava balas e até “extraía meninos”, quando as parteiras não davam conta. Em Colinas, abaixo de Deus pontificava o dr. Osano Brandão, aclamado pelo povo como o grande médico do sertão, mas era “farmacêutico formado”, em 1927, pela “Escola de Pharmacia e Odontologia do Maranhão”. Foi prefeito de Colinas três vezes.

 

Para meu avô Braulino, o dr. Osano Brandão era “doutor indo e voltando”. “Fazia” os remédios de sua botica, “conhecia” doenças e as tratava, até em regime de internação domiciliar. Quando estive acamada, ele ia à Casa do Estudante, onde eu vivia, duas vezes ao dia, e, segundo contam, passou muitas noites em minha cabeceira. Era pequeno, franzino, de voz suave e sempre de terno de linho branco. Dizem que era caridoso, mas ter cuidado de mim lhe valeu o dinheiro de seis reses famosas, fora a fatura dos remédios (mais duas vacas!), que meu avô disse que eram nada, pois se o dr. Osano cobrasse um curral cheio de gado teria recebido, porque salvar a vida da sua neta não tinha preço.

 

Era assim a vida sem SUS no sertão. Nossos bichos nos salvavam.

Matéria original

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