Stephanie Ribeiro: A capa da Time só representa o racismo do feminismo branco

Por Stephanie Ribeiro Do Revista Marie Claire

#BlackGirlMagic mostra que, ao excluir da capa a criadora de fato da hashtag #MeToo, segrega mais uma vez o feminismo em duas cores de pele

Então ao ver a capa logo de cara já me incomodei com o fato de ter Taylor Swift ali, uma cantora que já teve condutas racistas em vários momentos. Fico pensando: como uma pessoa que não revê seus privilégios raciais pode ser sido apontada como símbolo de empoderamento feminino? Empoderamento para quem? Como diria Sojourner Truth: eu não sou uma mulher?

Sou mulher e sou negra, não me sinto bem e nem sequer empoderada com uma pessoa que não é capaz de ver seus privilégios brancos. Além da Taylor, me incomoda, como sempre, como a maioria das capas, campanhas publicitárias e até mesmo novela, que criam sempre a narrativa do negro único cercado por indivíduos brancos. Existe um problema gigantesco na narrativa do negro único que está ali naquela capa quando apenas uma mulher negra aparece. Sempre somos representados como exceção numa ILHA CERCADA DE BRANCOS.

Enfim, esses fatores não tiram a relevância dessa capa, são meus incômodos pessoais. Contudo, tem um terceiro fator que para mim é surreal e que me fez repensar de fato que tipo de representatividade essa capa tem para mulheres como eu. Você conhece a campanha #MeToo? Provavelmente, afinal muitas pessoas devem conhecer a campanha que tinha como foco não só denunciar assédios, como também mostrar o quão natural e comum são na vida de mulheres numa sociedade machista – por isso o uso dessa frase: Me Too = Eu Também. É realmente empoderador mulheres denunciado coletivamente que elas também passam por assédios, sendo assim não é pontual e nem um problema individual. É um problema coletivo.

Lindo, mas…

Tarana Burke

Você sabe quem é Tarana Burke? Tarana Burke, em 1997, escutou o relato de uma jovem de 13 anos que tinha sido abusada sexualmente. Dez anos após esse relato criou a Just Be Inc, uma ONG para ajudar vítimas de assédio e abuso sexual. Para promover sua iniciativa e alertar como assédios são mais comuns do que imaginávamos ela criou o slogan:

MeToo.

Slogan que foi postado esse ano pela atriz Alyssa Milano com o mesmo intuito – e que agora todo mundo acha que é um movimento que surgiu organicamente, quando, na verdade, é apenas o uso da ideia de uma mulher negra, que não estampa capas de revista. Pois mesmo que sua ideia tenha sido brilhante, mesmo que seu projeto seja incrível e mesmo que #MeToo mereça estar sim na capa da revista Time, a cor, o rosto, o nariz, o cabelo e a vida de Tarana Burke não faz dela a personagem para estampar a sua própria ideia, um projeto que por anos foi negligenciado pelo mesmo movimento de mulheres brancas que lembrou dele quando lhe foi conveniente.

Nós fomos novamente apagadas. Todas nós que somos feministas negras. Quando estou diante daquela capa, só penso nas inúmeras vezes que até mesmos feministas, por serem brancas, me usaram de objeto para suas campanhas e circulação de seus projetos, mas nunca estiveram do meu lado na luta no combate antirracista. Mesmo que o assédio para mulheres negras esteja também relacionado com o racismo, afinal não é só mero destino negras jovens terem 3 vezes mais chances de serem estupradas no Brasil. É racismo e machismo.

Não quero aqui comparar sofrimento, quero apenas pedir que a gente repense se de fato essa foto nos representa – ou representa apenas um feminismo excludente racista que posta hashtag e diz que somos todas iguais, quando na verdade muitas mulheres brancas chegam pressupor “patentear” a #, chegando ao cúmulo de querer definir quem pode usá-las ou não para nomear livros, revistas, documentários. Essas mesmas mulheres usam as redes sociais para pedir apoio a nós, mulheres, quando lhes convém e é necessário, mas também são as primeiras a fazer o seu feminismo agir de forma seletiva.

O #MexeuComUmaMexeComTodas realmente é aplicado a todas as mulheres? Até mesmo aquelas que nos falam coisas que não gostaríamos de ouvir? E mais do que isso, o #MeToo considera mesmo que eu e várias mulheres negras poderíamos usar a mesma frase para evidenciar as diversas vezes em que o racismo no movimento feminista nos fez coadjuvantes da nossa própria revolução. Não terá nenhum avanço real de empoderamento de gênero sem as mulheres negras. Se somos a base da pirâmide, também somos as únicas capazes de movimentar toda essa estrutura. Esqueceram a mulher negra que simplesmente criou a campanha na capa da Time. Imagina o que não fazem com as outras. Imagina… É, eu não preciso imaginar, eu vivo isso… E digo com todas as forças: não aguento mais essa merda sendo chamada de empoderamento.

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