Por: Arísia Barros
Ontem eu vi o menino. Ele separava a comida do lixo dividindo-a em porções , com a habilidade de quem aprendeu que na vida quase nada é supérfluo.
O menino retirava do lixo sanduíches quase inteiros, comidos “distraidamente” e jogados fora, e a cada “tesouro” encontrado os maxilares do menino, que retirava comida do lixo, se moviam numa alegria incontida.
A fome do menino desnudava a faceta trágica da indiferença humana.
O menino comia aos borbotões olhando de lado como a temer a concorrência de outros meninos e meninas, que como ele moravam na rua.
Era um menino, como esse que a gente tem em casa e chama de filho e ensina a rezar pedindo proteção para Deus livrá-lo desses meninos dos outros, os filhos da miséria. D’uma miséria socialmente programada.
Era um menino, entre 10 e 12 anos, confortável dentro da roupa que comportava toda sujeira do mundo. Seu corpo miúdo era infestado de hematomas e outras cicatrizes da vivência nas ruas.
Era um menino agressivo espalhando palavrões no espaço vazio entre ele e o povo que tropeçava no desconforto de assistir o flagelo humano do menino que mais parecia- meu Deus, um bicho. Como diria Manuel Bandeira.
Talvez já estivesse envolvido no mundo das drogas, mas era um menino.
E a alma da gente se cobre com tamanha sensação de impotência, ao lembrar que já não é mais permitido para muitas crianças pobres terem espaços para viverem a infância.
Boneca, bola de gude, corda e domingos na praça.
Fonte: Cada Minuto