Vítima de racismo em hipermercado pediu afastamento do trabalho por vergonha.
Marcos Leandro dos Santos registrou boletim de ocorrência contra o segurança do hipermercado, no dia 11 de novembro. O caso está sendo investigado.
Vítima de racismo em hipermercado pediu afastamento do trabalho por vergonha
Um suposto episódio de racismo sofrido dentro de um hipermercado, em Sorocaba (SP), deixou marcas na vida do funcionário público Marcos Antonio Leandro dos Santos, de 29 anos.
Um mês após ter registrado boletim de ocorrência sobre o ocorrido, o rapaz diz que ainda espera uma retratação da rede e pediu afastamento do trabalho por vergonha de sair de casa.
O que diz o Carrefour
Em nota enviada nesta sexta-feira (22), o Carrefour informa que “a rede repudia veemente qualquer tipo de discriminação, tendo como um dos seus principais pilares valorizar a diversidade, princípio que está presente também no recrutamento e treinamento das equipes. Assim que tomou conhecimento do relato do cliente, de forma preventiva, afastou imediatamente o segurança terceirizado e iniciou rigorosa apuração interna, que concluiu não ter ocorrido qualquer tipo de discriminação. A empresa reforça que segue à disposição para colaborar com as autoridades.”
Como ocorreu o caso
Marcos alega que estava na pista de caminhada que passa pelo estacionamento do hipermercado, localizado na zona norte da cidade, por volta das 14h20 do dia 11 de novembro, quando foi abordado por um segurança da unidade à paisana.
Ele conta que o funcionário ergueu sua camiseta e o impediu de permanecer na área “porque podia ser confundido com um ladrão por ser negro e estar de calção e camiseta”.
O rapaz, que nasceu em São Roque (SP) e hoje mora com a mãe em Sorocaba, nunca havia sido vítima de racismo e explica que decidiu se afastar do trabalho enquanto supera o trauma de ter sido humilhado na frente de outros clientes.
“Foi um constrangimento. Algumas pessoas não entenderam o que tinha acontecido e saíram correndo, porque pensaram que eu tinha roubado alguma coisa. Outras estavam saindo com os carrinhos e voltaram para o supermercado”, lembra.
Na época, Marcos acionou a Polícia Militar e o chefe de segurança do hipermercado para relatar o ocorrido. De acordo com o boletim de ocorrência, ao ser questionado, o funcionário repetiu, na frente dos oficiais, que a cor da pele do morador era motivo para desconfiança e que, por ele estar usando chinelo, camiseta e bermuda, os clientes poderiam ficar com medo.
“É uma situação que você não espera e não quer passar. A gente se mostra forte, mas é atingido: eu chorei e ainda choro. Em um dia, perdi o caráter e o respeito que levei a vida inteira para construir. Tudo o que a minha mãe se esforçou para me dar foi jogado fora, mas o que dói mais é eles não terem se retratado”, continua.
Depois do ocorrido, Marcos precisou procurar a ajuda de dois psicólogos, deixou de ser cliente do hipermercado e nunca mais utilizou a pista de caminhada no local. “Não tenho mais liberdade nem vontade de sair de casa por vergonha. Você está sendo negado o tempo todo.”
Pista de caminhada passa pelo estacionamento do hipermercado, localizado na zona norte de Sorocaba (Foto: Reprodução/Google Street View )
Investigações
Segundo o advogado de Marcos, Dojival Vieira dos Santos, assim que o episódio se tornou público, o hipermercado procurou a vítima para agendar uma reunião e tentar chegar a um acordo.
Caso o diálogo não avance, a empresa terá que responder no âmbito administrativo e de responsabilidade civil do processo, sob pena de multa e indenização.
Além disso, o Estado está investigando a responsabilidade penal do segurança no caso. Se for condenado, o rapaz pode pegar até três anos de prisão.
“O fundamental é que essas práticas não se repitam e que as empresas de segurança se comprometam a educar e treinar os funcionários para não praticarem crimes. É inadmissível que, em pleno século 21, as pessoas do Brasil sejam submetidas a constrangimentos pelo simples fato de serem negras”, completa Dojival.
O caso é investigado no Plantão Norte de Sorocaba. O G1 tentou entrar em contato com o delegado responsável pela investigação, Pedro Luiz Dalboni, mas foi informado que ele está em férias.