Vivian Eichler: Uma longa caminhada

Aprendi a cantar em 1994 trechos de Nkosi Sikelel iAfrika (Deus Abençoe a África, em xhosa), composto no século 19, mas que então recém fora adotado como hino nacional. Quem me ensinou foram adolescentes negras que conheci em um acampamento de integração promovido por uma organização disposta a desfazer o estranhamento que havia entre cidadãos do país.

Vivi aquele ano em que Mandela assumiu a presidência em famílias inglesas e estudei em escola africâner. Frequentava restaurantes brancos, passeava com brancos. Os negros com quem convivi eram, na maioria, empregados e atendentes – conto nos dedos de uma mão aqueles em posição de destaque com quem conversei.

Fiz algumas aventuras para suprir a lacuna, como uma visita furtiva a uma township (cidades dentro das quais os negros tinham de viver durante o apartheid) ou andar algumas quadras no transporte público negro, as vans. Agora, 19 anos depois, o tempo de vida de Nelson Mandela teve após assumir a presidência, desembarquei no país como se tivesse viajado numa cápsula rumo ao futuro.

O contato entre negros e brancos não é servil. Ou melhor, não é só servil. Eles comandam o país, apesar de a riqueza ainda estar concentrada nas mãos dos brancos. São engenheiros, designers, advogados, empresários, professores. Circulam com desenvoltura, sem desconfiança. Estão conectados com smartphones, tablets, e sua língua (são 11 idiomas oficiais) está por todos os lugares. Os brancos ouvem zulu e xhosa tanto ou mais do que inglês e africâner.

Em Mthata, fui hospedada por uma senhora negra, humilde, que se separou do marido por sofrer violência doméstica. Sem pensão, colocou três dos quatro filhos em universidades, que são pagas, mas contam com bolsas.

Nos seis dias de cobertura do funeral de Mandela, os negros eram os protagonistas, e não poderia ser diferente. Eles cantaram e dançaram refrães como “Tata Madiba, Pai da Nação” durante sete dias de homenagens, velório e sepultamento. E o fizeram com o coração, não só os mais velhos que sofreram na pele o apartheid, mas a geração born-free, ou nascida livre.

Os brancos, embora mais contidos nas cerimônias de massa, também estão de luto. Em Mthata, um homem de 44 anos, africâner, havia esperado duas horas sob o sol quente ao lado do sobrinho de 14 anos para ver o cortejo em homenagem a Mandela passar.

– Somos todos africanos – me disse.

Quase duas décadas depois, o país ainda tem uma longa caminhada, mas já deu um salto para a liberdade, como queria Mandela.

 

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