Vozes da África e da América Latina

Por: BENJAMIN STEINBRUCH

É correta a estratégia do governo brasileiro de fincar bandeiras em países da África e da América Latina

 

EL SALVADOR é um pequeno país da América Central, do tamanho de Sergipe e com a população equivalente à da cidade do Rio de Janeiro, pouco mais de 6 milhões de habitantes. Com essas dimensões, suas relações comerciais com o Brasil são, naturalmente, modestas: comprou no ano passado produtos no valor total de US$ 195 milhões, principalmente manufaturados, e vendeu US$ 5 milhões, com destaque para carnes de peixes frescas ou congeladas.

Foi com esse pequeno país que o Brasil assinou, na semana passada, cartas de intenção para cooperação em ecoturismo, políticas de assistência social e desenvolvimento de empreendedorismo. A própria Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) firmou parceria para a instalação de uma escola profissionalizante do Senai em El Salvador.

O acordo com El Salvador é, antes de tudo, uma demonstração de solidariedade brasileira em relação a um país mais pobre, que tem sido prejudicado pela crise mundial e castigado por fenômenos naturais.

Mas o acordo representa também um exemplo daquilo que se pode fazer no relacionamento com os países da América Latina e da África.

Os grandes mercados mundiais perderam muito dinamismo durante a crise global que teve seu ápice em setembro de 2008 e ainda não terminou. As exportações brasileiras para os Estados Unidos, por exemplo, caíram 43% em 2009. Para a União Europeia, a queda foi de 26%. Apesar disso, não faz sentido virar as costas para os grandes mercados mundiais, até porque, a despeito da continuidade da crise, eles já estão em recuperação -neste ano, as exportações já aumentaram 23% para os EUA e 21% para a UE.

Feitas essas ressalvas, vale observar que a política externa brasileira caminha na direção correta ao olhar para as enormes transformações que ocorrem na economia mundial, cujo crescimento tem sido puxado por países emergentes.

Pouca gente se deu conta, por exemplo, de que as exportações brasileiras para os países da América Latina já representaram no ano passado exatamente o dobro do valor exportado para os Estados Unidos -US$ 31,2 bilhões e US$ 15,6 bilhões, respectivamente. Na comparação dos resultados do intercâmbio, os números são chocantes.

Enquanto o Brasil obteve superavit de US$ 8,8 bilhões com a América Latina, amargou deficit de US$ 4,4 bilhões no comércio com os EUA.
Os números das relações comerciais com a África são mais modestos. Com a ressalva de que, nesse intercâmbio, o crescimento se dá aos saltos -as exportações brasileiras para o continente africano (exceto Oriente Médio) cresceram 515% nos últimos dez anos. A África é certamente a nova fronteira de desenvolvimento do mundo. A propósito, na semana passada o Banco do Brasil e o Bradesco anunciaram uma associação com o Banco do Espírito Santo, de Portugal, para a implantação de uma rede de agências na África.

É correta, portanto, a estratégia brasileira, já encampada por grandes empresas nacionais, de fincar bandeiras em países da África e da América Latina. Por solidariedade e também por oportunidade comercial, as empresas brasileiras podem participar de empreendimentos em variados setores econômicos, principalmente na infraestrutura desses países, construindo estradas, usinas hidrelétricas, aeroportos e outras grandes obras.

Se o Brasil pretende ter força nesses novos polos dinâmicos do mundo, precisa ter presença empresarial. E essas empresas precisam ser acompanhadas por iniciativas de apoio, como instituições de crédito, programas de educação, treinamento de mão de obra e assistência social.

Na semana passada, durante encontro na Fiesp com o presidente de El Salvador, Maurício Funes, o presidente Lula defendeu a solidariedade latino-americana e disse que “o Brasil não ficará mais rico se os países vizinhos forem pobres”. Diria mais: quanto mais ricos forem os vizinhos latino-americanos e os africanos do hemisfério Sul, mais rico, poderoso e influente será o Brasil.


BENJAMIN STEINBRUCH , 56, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

 

 

Fonte: Folha de S.Paulo

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