Flagrantes do Porto

Aos 56 anos o médico e reverendo irlandês Robert Walsh já era um viajante experimentado. Foi nomeado capelão da embaixada britânica no Rio de Janeiro. Ao desembarcar pode observar a população negra em circunstância muito chocantes para um estrangeiro, ainda que a baia da Guanabara fosse a mais esplêndida do mundo, dizia ele. Lamentou que os franceses não tivessem tido sucesso na invasão do Século 16 e por isso o país não estava povoado por homens que poderiam trazer o progresso e o crescimento econômico, próprios dos protestantes. Mas o Brasil era católico… A escravidão estava de tal forma impregnada na sociedade brasileira, que Walsh se arriscou a dizer que todos concordavam que sem ela haveria o caos e tudo se arruinaria se  fosse abolida. Isto tudo foi registrado em um país recém independente e que tinha como guia José Bonifácio, ardoroso defensor da abolição da escravidão.

Esse retrato do Brasil está muito mais rico no livro História do Brasil – uma interpretação, dos grandes historiadores Carlos Guilherme Mota, meu ex-professor na USP, e Adriana Lopes.(Ed.Senac). Walsh viajou para as minas de ouro de Minas Gerais e constatou que escravos transportavam cascalho na cabeça em pequenos e toscos caixotes, subindo e descendo as íngremes encostas. Uma Serra Pelada colonial. Um balde e uma roldana poderiam mudar todo esse sofrimento, diz o reverendo. Havia um ódio dos donos de escravos contra qualquer tipo de máquina . Eles eram vendedores de serviços ao Estado, alugavam seus escravos, verdadeiros empreiteiros de seres humanos. Já naquela época tinham relações incestuosas com o governo. Viver do aluguel de escravos também era meio de vida para os proprietários no meio rural.

Walsh calculava a população do Rio em 150 mil habitantes, dois terços dos quais eram escravos. Os estrangeiros eram vistos com desconfiança pela população, a não ser os que vinham da costa africana. Não havia mendigos ou prostitutas como tinha visto em Londres e Paris. A moral lusitana não permitia. Presenciou levas de escravos conduzidos do litoral para as minas tangidos pelas estradas como rebanho de  ovelhas para serem vendidos nos povoados. Cada porta de hospedaria se convertia em um mercado de escravos. De vez em quando o vendedor dava-lhes uma chicotada para fazê-los saltar, mostrando que tinham pernas ágeis, fazia os também gritar e chorar para os compradores vissem que tinham bons pulmões. A violência era comum, particularmente os mulatos não hesitavam  em puxar a faca e enterrá-la no corpo do antagonista, diante da menor provocação. As armas eram produzidas na Inglaterra, ainda que proibidas, como são hoje os AK 47. Este quadro é apenas o olhar de um homem, mas ajuda a entender muita coisa na história do nosso país.

Fonte: Blog do Barbeiro

 

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