O “Esquenta”, de Regina Casé, é o programa mais racista da TV? por Marcos Sacramento

Ela envia uma mensagem retrógrada com seus estereótipos dos negros.

Esquenta é o programa mais conservador da televisão brasileira. É uma versão barulhenta e colorida de velhos costumes. Num primeiro olhar, parece uma grande festa na periferia, na qual as gírias, danças e modas de regiões com IDH baixo e criminalidade alta são irradiadas para todo o país pela tevê.

Vemos meninos contorcendo as articulações em performances de passinho, meninas com minissaia e microvocabulário, rapazes negros com cabelos louros e óculos espelhados de cores berrantes rodando o salão felizes e eufóricos. A festa mistura samba, funk, estilo de vida despreocupado e despudorado, concurso de beleza, humor, artistas de novela, enfim, para usar um termo bem periférico, “tudo junto e misturado”.

Essas características, apenas, não me incomodam. Não sou quadrado, respeito e até admiro algumas formas de cultura vindas do gueto e abuso do direito de desligar a TV. O que me irrita, e muito, e faz com que chame o programa de conservador e escravocrata é a cor de pele predominante nessa festa maluca.

Certamente o Esquenta é o programa com o maior percentual de negros da TV aberta. Enquanto as novelas, seriados e telejornais são predominantemente caucasianos, quem manda ali são os negros e pardos.

É esse o ponto. O programa reforça o estereótipo dos negros brasileiros como indivíduos suburbanos, subempregados, mas ainda assim felizes, sempre com um sorriso no rosto, esquecendo-se das mazelas cotidianas por meio da dança, do remelexo, das rimas pobres do funk, do mau gosto de penteados e cortes de cabelo extravagantes.

Sou negro e não sei sambar, não pinto meu cabelo de louro, não uso cordões, não ando gingando nem falo em dialeto. Não sou exceção, felizmente. Sei que há muitos caras e moças como eu. Muitos são poliglotas, outros gostam de música clássica, vários gostam mais de livros do que de pessoas, outros reclamam do calor da Brasil, certamente há os que são introspectivos e de poucas palavras, e há os que nem sentem falta do feijão quando viajam para o exterior.

Embora o Esquenta não tenha a proposta de ser um programa sobre cultura negra, ele ajuda a construir um estereótipo. Por que as novelas não têm galãs negros ou musas negras? Faça a lista dos galãs e das musas televisivas e depois veja quantos são negros. O número será irrisório.

Esquenta ajuda a manter essa ordem. Em vez de rapazes elegantes, mostra dançarinos com cabelos bizarros. As moças, sempre de shorts minúsculos e prosódias vulgares, nunca serviriam de modelo para capas da Marie Claire ou da Claudia.

Regina Casé e seu programa parecem dizer aos jovens dos guetos: “Ei, isso mesmo, aprendam passinho, aprendam a rebolar até o chão, continuem com seu linguajar próprio, porque tudo isso é lindo, é legal, é Brasil, é tudo junto e misturado, continuem com seus empregos modestos, porque a vida é agora, é para ser vivida, curtida, com alegria, malemolência, sempre com um sorriso no rosto”.

E assim, aquela menina sentada no sofá vai continuar achando o máximo desfilar com pouca roupa e pelos das pernas pintados de loiros pela comunidade. Nunca vai pensar em aprender a falar alemão ou tentar entender os grafites de Banksy, da mesma forma que os rapazes nunca sonharão em trabalhar no Itamaraty e praticarão bullying contra os meninos polidos que não falam em dialeto e inventam de estudar violino, já que um programa televisivo de uma das principais emissoras do país legitima seu estilo de vida mal educado e de poucas perspectivas.

Como um coronel oligarca e cínico, o programa dá uma recado para a garotada negra e parda da periferia: “É isso, dancem, cantem, divirtam-se. Mas não saiam do seu lugar”.

Fonte:  DCM

+ sobre o tema

Pós-impeachment: Como explico a alguém no inferno que a vida pode ser pior?

Uma velha senhora me recebeu em sua humilde casa,...

Curso apresenta formação sobre política de drogas

Encontro ocorre em meio aos ataques na região da...

Nota de apoio ao Quilombo de Palmas

  Nós Quilombolas da Rede Quilombos do Sul,...

Indío brasileiro é Heroi da Floresta

O líder indígena da tribo Paiter-Surui, de Rondônia,...

para lembrar

A Ponte – Documentário sobre a periferia de São Paulo, com Mano Brown e Dagmar Garroux

Documentário sobre a periferia de São Paulo, com Mano...

Movimentos Sociais debatem ações para fortalecer conquistas populares

Roberto Parizotti A Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), organização composta...

Troca acidental de embriões gera ‘caso dramático’ e debate jurídico na Itália

Um caso de reprodução assistida com troca acidental de...

Leia a íntegra do documento do ato contra o golpismo midiático

Confira abaixo a íntegra do documento lido pelo...
spot_imgspot_img

Caso Sônia é desastroso para combater trabalho escravo, alerta auditor

A história de Sônia Maria de Jesus, de 50 anos – que foi resgatada em uma operação contra o trabalho análogo à escravidão da...

Quatro em cada 10 moradias do país têm alguma inadequação básica

Quatro em cada 10 domicílios (41,2%) em cidades brasileiras apresentam inadequações como falta de energia, saneamento básico, banheiro exclusivo e armazenamento de água, além...

Justiça determina que governo Tarcísio crie sistema de prevenção à tortura nas prisões

A Justiça Federal determinou, nesta quarta-feira (8), que o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) crie imediatamente o Sistema Estadual de Prevenção e Combate à Tortura...
-+=